As razões de Nietzsche
Por João Paulo Filgueiras | 22/04/2014 | FilosofiaUma das maiores diferenças entre o Ocidente e o assim chamado Oriente, que abrange um conjunto de civilizações que vão do Egito ao Japão, é que os povos do oriente são bastante intuitivos enquanto os ocidentais desenvolveram o uso da razão. Então os orientais seriam culturas femininas, religiosas enquanto os ocidentais poderiam ser denominados como culturas masculinas, misóginas até certo ponto. O que explica o desempenho superior destes povos e a suas conquistas políticas e militares.
A supremacia da razão foi uma ideia dos gregos, ou helenos. Por não terem uma religião mística e sim um conjunto de deuses antropomorfos, com características humanas, e ao mesmo tempo, estarem tão próximos ao Egito e as culturas do Oriente Médio com um alto grau de cultura, os gregos, povo de mercadores, absorveram boa parte do conhecimento intelectual destes povos. Mas, ao contrário deles, não tiveram um conhecimento místico, nem precisaram divinizar seus líderes, como faziam os egípcios com os faraós, já que tinham sociedades mais liberais e fundaram a democracia, oligarquia e ditadura, embora seu poderio econômico se baseasse na escravidão de povos vencidos em batalhas, uma boa parte de suas populações gozava de um alto grau de liberdade e participação política. Então os gregos se dedicaram a utilidade prática desses saberes. Daí surgiu à razão, conjunto de silogismos lógicos que foram desenvolvidos e aperfeiçoados pelos seus filósofos, professores com alto grau de cultura e liberdade intelectual para pensar e ensinar às elites das cidades-estados gregas às virtudes morais e servir de exemplo. A razão permitiu aos gregos um pensamento claro e um nível de organização intelectual e social superior ao dos povos vizinhos.
Esta razão foi transmitida a sociedade romana, preservada pelos monges católicos e pelos sábios islâmicos e ressurgiu no ambiente cultural europeu durante o Renascimento, sendo à base do Iluminismo.
No século XIX, um filósofo alemão, Nietzsche foi o primeiro a questionar o valor da razão como base para a organização cultural de um povo. Para ele, a razão não teria surgido durante o auge da civilização helênica e sim no seu declínio. Existiriam três formas de racionalização, nas quais os povos superiores conseguiriam sublimar seus desejos irracionais, que converge para o pensamento de Freud e Carl Yang: O ascetismo dos orientais, como o indiano que renunciavam aos desejos; o imperialismo de povos como os romanos, que dominavam o mundo exterior adaptando-o aos seus desejos; o teatro dos gregos, que realizavam seus desejos de uma forma figurada, evitando machucar os outros, como no caso romano, ou de sofrer internamente, como no ascetismo indiano. Freud dizia que o artista é alguém incapaz de renunciar aos próprios sentimentos e o realiza nas suas obras, embora afirme não ter lido Nietzsche. Outro conceito do filósofo alemão é o de Apolo e Dionísio, a filosofia e o teatro.
Segundo ele, a cultura ocidental fora vigorosa no período renascentista, mas se desgastara durante a Modernidade, período em que dominara as Américas e na sua época, a África e a Ásia. O iluminismo seria um sintoma de decadência, uma sociedade envelhecida e fraca que buscava uma forma de organização para sobreviver por mais um pouco de tempo. A Europa estava no auge, e todos acreditavam na ideia que pregava que o progresso ocidental levaria a um mundo perfeito, de progresso positivista ao marxista, burguês ou proletário, mas sempre positivo e inevitável, pois estava baseado em um destino universal definido.
As críticas do gênio alemão dissoaram como loucura de um homem frustrado que não conseguira se ajustar e descontava sua infelicidade em um mundo perfeito. Alguns anos após sua morte, as potência européias, que já tinham dividido o mundo entre si, Grã-Bretanha e França, encontraram três novas adversárias, Alemanha e Itália unificadas e um Império Austro-Húngaro, que exigiam uma nova divisão para garantir seus direitos. O conflito levou a quase meio século de guerras com milhões de mortos onde a Europa, destinada pelo destino a guiar eternamente as “raças inferiores” da Terra no caminho do progresso, se viu enfraquecida e eclipsada por duas potências semibárbaras que defendiam as duas grandes correntes de pensamento europeu, o iluminismo francês, defendido pela elite econômica dos Estados Unidos, e o Marxismo dos operários europeus, elaborados por intelectuais do Império Alemão, aplicados na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os europeus então perceberam que sua razão realmente era sintoma de decadência.
Os EUA representaram o ideal que o autor propunha para a nova civilização superior, eram um povo europeu que vindo das classes baixas e incultas das nações da Europa, assumiu características bárbaras durante a sua adaptação ao novo mundo. Aquele país foi o que menos atenção recebeu da sua metrópole, que via nele apenas um depósito para os restos indesejáveis de sua enorme população. E fez vista grossa para o seu desenvolvimento e independência, pois era uma nação irmã, com um povo igual ao seu e que, portanto, não merecia ser temido ou explorado. Sem ninguém para lhe dizer o que fazer, sem constituir sequer uma nação unificada, sendo uma aliança de dezenas de estados com leis próprias, os americanos foram se expandindo, ocupando terras da França, Espanha e México, durante as Guerras Mundiais Européias, teve papel significativo, recebeu a elite que fugia daqueles países, forneceu alimentos, armas e todo tipo de assistência para os seus aliados e efetivamente decidiu, junto com os Soviéticos, o destino das duas guerras. Com o final da Segunda, sua economia representava metade do PIB mundial, era sem dúvida a nação que representava a livre iniciativa e a liberdade que ele esperava de sua Europa.
Também representou o Império que dominou a parte do mundo dedicado ao sistema capitalista, inclusive a Europa Ocidental e ocupou posição hegemônica mundial, no início do século XXI, que se tornou como a Grécia nos tempos de Alexandre Magno, e recriou genialmente o teatro de Dionísio, agora encenados em telas de cinema e transmitidos em televisores do mundo todo transmitindo os valores americanos para todo o mundo.