AS PERCEPÇÕES DOS MORADORES SOBRE A INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO COM UM OLHAR DE DIREITOS HUMANOS: Um experimento no Bairro de Bonsucesso – Zona da Leopoldina[1]

Newvone Ferreira da Costa

Mestre em Educação, Havana. Professora adjunta da UNISUAM

[email protected]

Lidia Medeiros

Doutora em Sociologia pelo PPCIS – UERJ. Professora adjunta da UNISUAM

[email protected]

 

Introdução
 

Este texto analisa os resultados do projeto de pesquisa “AS PERCEPÇÕES DOS MORADORES SOBRE A INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO; Um experimento no Bairro de Bonsucesso – Zona da Leopoldina”, desenvolvida no período de fevereiro a dezembro de 2014, tendo como objetivo investigar as percepções dos moradores do bairro de Bonsucesso a respeito das mudanças vislumbradas a partir da implementação da UPP (policial e social) na região, no Complexo do Alemão em 30 de maio de 2012, em relação à violência e pano de fundo falaremos sobre direitos humanos.

O governo de Sérgio Cabral, a partir de 2007, elaborou uma política de Segurança Pública que vem, desde então, representando uma nova etapa na abordagem do problema da violência no Estado do Rio de Janeiro.

Tomamos como estudo de caso o Complexo do Alemão, com UPPs atendem uma comunidade composta por 7 favelas e se estende até uma região conhecida como Pedra do Sapo, considerada ponto crítico pelo intenso comércio de drogas.

Os eventos acontecidos em 2010 no Complexo do Alemão (invasão e fuga de dezenas de suspeitos de associação ao tráfico) representaram um marco no tratamento do problema na região. A retomada pelas forças de segurança aconteceu no fim de novembro de 2010, fazendo com que uma nova visão e significados para a segurança pública na região da Leopoldina. Esta foi a maior ofensiva contra o tráfico de drogas e contou com uma tropa de 2.780 homens, sendo 1.280 policiais militares, 400 policiais civis 300 policiais federais e 800 militares do Exército. Uma união de forças estaduais e federais para retomada do território sem precedentes no país

Os significados e o teor desta nova visão a respeito das ações na área da segurança e da nova visibilidade conferida à Zona da Leopoldina carecem de uma investigação mais aprofundada que articulem estas medidas às transformações efetivas que vêm ocorrendo no Bairro de Bonsucesso. Segundo a Região Administrativa X-RA tem como área de abrangência os bairros de Olaria, Bonsucesso, Ramos e a população residente no Complexo do Alemão ultrapassam 180 mil moradores, o que faz com que esta área já esteja sendo considerado um bairro da Zona Norte do município do Rio de Janeiro.

Atualmente, segundo reportagem veiculada pela rádio Band News em 08/10/2014, existem 275 comunidades nas quais já foram instaladas Unidades de Polícia Pacificadora, perfazendo um total de 42 Unidades e 105 comunidades, abrangendo, aproximadamente, 190 mil habitantes estão logrando para um estado civilizatório, vivendo em paz, sem pagar pedágio, o ir e vir com tranquilidade, é uma conquista mínima porem conseguem viver e gostaram da implantação das Unidades de Policia Pacificadora. A reportagem informa que no aspecto policial houve muitas melhorias, porém no aspecto social o projeto deixa a desejar, pois os serviços de ordem social ainda são muito precários não tem saneamento básico, não houve nenhuma melhoria urbana, iluminação, educação e saúde enfim a UPP Social não funciona.

Ainda de acordo com a reportagem, as 170 comunidades restantes com Unidades de Policia Pacificadoras moram 500 mil habitantes sem controle policial, não se tem a liberdade de ir e vir tem o pagamento de pedágio e os moradores tem uma enorme sensação de insegurança, informam ainda que acontecem tiroteios constantes e ainda tem traficantes com bastantes armamentos, pois os mesmos ficam ostentando as armas e o pior de tudo são as expulsões de moradores pelos traficantes.

Outras informações importantes para reflexão:

            A Unidade Policial Pacificadora que deu certo que é a comunidade do Salgueiro tem aproximadamente 3.350 mil moradores e 150 policiais, a relação é de 1 policial para 25 moradores.

A Unidade Policial Pacificadora que deu errado que é comunidade Camarista Méier tem aproximadamente 16.500 mil moradores para um efetivo de 250 policiais então a relação é de 1 policial para aproximadamente 70 moradores.

Com isso não temos duvida que as comunidades em que as UPP têm funcionado apresentam certos aspectos em comum como:

  • Topografia menos acidentada;
  • O trafico não tem importância na comunidade (perda do controle);
  • O número de policiais é compatível com o número de moradores.
  • Pequeno contingente de moradores

Agora abordando o nosso campo de pesquisa que é o Complexo do Alemão que está inserido no bloco das comunidades que ainda não atingiram o objetivo principal do projeto de governo que é o funcionamento das UPPs social e policial de forma integrada, porque não tem contingente de policiais para o numero de moradores e a topografia do Complexo do Alemão ajuda os traficantes terem o controle das drogas e das armas.

Nesse sentido, o principal objetivo na pesquisa que originou os dados apresentados neste artigo foi de realizar um levantamento das percepções dos moradores a respeito dos impactos e das mudanças verificadas a partir da implementação da Política de Segurança Pública do Governo do Estado do Rio de Janeiro representada pelas UPPs, buscando verificar seu conhecimento a respeito desta política e satisfação com os resultados obtidos por ela até o momento.

E é nesse sentido que não podemos abordar a política de segurança pública no Rio de Janeiro denominado de Unidades de Pacificação Policial e Social sem analisá-la no âmbito dos Direitos Humanos porque sabemos que as implicações das mudanças regressivas das políticas sociais e os direitos humanos tem sido desastrosas e bem conhecida por aqueles que conseguem enxergar para alem da aparência, se as UPP social não estão dando certo porque a política social deixou de ser universal para se tornar focalizada na indigência, com toda gama de atentados aos direitos sociais que essa orientação provoca. Nessas circunstancias, ocorre o seguinte circulo vicioso:o desmonte dos direitos sociais tem como consequência a quebra do protagonismo do Estado na provisão e na garantia da política social, ficando essa provisão por conta do mercado e das organizações da sociedade civil, que não tem poderes para garantir direitos.

Temos ainda em escala muito grande a crise de identidade nas policiais militares que é decorrente desta retomada da sua função de policiamento nas comunidades e que para eles exige a revisão de seus valores institucionais, ainda hoje marcados pela forte influência do militarismo. Estas duas orientações divergentes são incongruentes no que se refere ao trabalho da policia, pois para que a política do Governo do Estado do Rio de Janeiro logre alcançar resultados satisfatórios é necessário reestruturar a forma como a policia se relaciona com os indivíduos a fim de propiciar a construção de uma ordem democrática que assegure os direitos e garantias individuais, como afirma Rodrigues (2007, p.220),

A existência de um número crescente de direitos suscita a questão dos vários aspectos dos direitos humanos. Na verdade não se trata, simplesmente, de direitos, no sentido estritamente jurídico da palavra, mas de um conjunto de valores que implicam varias dimensões ética, jurídica, política, econômica, social, cultural e educativa.

                                        

A pesquisa – coleta de dados

A pesquisa foi realizada no Complexo do Alemão e nas ruas do bairro de Bonsucesso entre os meses de abril e novembro de 2014. A equipe contou com a participação de 25 alunos voluntários de graduação (Serviço Social, História e Psicologia), e 02 professoras do Curso de Serviço Social da UNISUAM/RJ na condição de coordenadoras. A equipe de campo realizou entrevistas com moradores de diversas idades e a condição para inclusão na pesquisa era a região de moradia, que deveria se restringir a Bonsucesso (além da área do Complexo do Alemão localizada no bairro).

De acordo com a perspectiva histórica critica que norteou o desenvolvimento do projeto, inexiste neutralidade na pesquisa. Toda e qualquer ação que permeia esse processo é direcionada pela visão de mundo, pelo norte teórico que ilumina a ação, pelas finalidades que se busca atingir. Nesse movimento, não existe uma imposição, isoladamente, do sujeito ou do objeto. Em uma perspectiva dialética ambos são constituídos “pelo processo histórico-social. Um depende do outro e ambos dependem da realidade histórica” (Severino, 1994, p.138). O real “se constitui da totalidade do universo, totalidade esta que vai realizando um processo histórico, do qual cada momento é resultante de múltiplas determinações (naturais, sociais, culturas)” (idem).

Em um processo dialético de conhecimento da realidade é fundamental “a critica e o conhecimento critico para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico-social” (Frigoto, 1999, p.81). Nessa direção, “a teoria materialista histórica sustenta que o conhecimento efetivamente se dá pela práxis. A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão teórica sobre a realidade não é reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação para transformar” (idem).

As informações coletadas originaram-se de fontes empíricas, com base em um instrumento construído em conjunto com os sujeitos envolvidos, além de fontes documentais, relativas à segurança pública e aos Direitos Humanos.

Decidiu-se pela utilização integrada das metodologias da pesquisa quantitativa e qualitativa, privilegiando-se essa última, na medida em que “parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vinculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade dos sujeitos; (...) o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado” (Chizzotti, 2001, p.79).

Os debates relativos à construção de um país democrático, iniciadas com a Constituição de 1988, se ampliam para os diversos âmbitos da vida social e consagram os princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que articulou em seus artigos um sistema de proteção aos Direitos Humanos no Brasil. Afirma em seu texto que um dos fundamentos da república é a dignidade da pessoa humana, que constitui o suporte de todos os Direitos Humanos consagrados.

Nesse sentido, a partir de meados da década de 1990 um debate em torno da construção de uma segurança pública cidadã toma corpo, buscando romper com a violência como obstáculo ao pleno gozo da cidadania; avança-se rumo à proteção plena da cidadania, embora uma perspectiva de proteção à pessoa e ao patrimônio ainda permaneça como relevante. Uma aproximação de fato com uma política de segurança cidadã se materializou no novo século com a criação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), o que demonstra o desejo por uma política cujo foco seja o cidadão.

A perspectiva de segurança cidadã defende uma abordagem multidisciplinar para fazer frente à natureza multicausal da violência, em que políticas públicas setoriais são implementadas de forma integrada, com vistas à prevenção à violência. Nesse sentido, não se busca somente a ação das forças policiais, mas se reserva espaço de atuação para as mais diversas políticas setoriais, como educação, saúde, esporte, cultura, dentre outras.

Outra medida que segue a mesma direção é a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) em 1997, cuja função primordial é assessorar o Ministro da Justiça na definição e implementação da política de segurança pública em âmbito nacional, além de acompanhar sistematicamente, em todo o território nacional, as atividades dos órgãos responsáveis pela segurança pública. Esta secretaria tem como foco de atuação a articulação das unidades federativas, com vistas à estrutura de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) que não busca a unificação da segurança pública em âmbito nacional, mas a integração das ações, já que reconhece a autonomia dos Estados na implementação da política. Os eixos do SUSP são: 1) Gestão unificada da informação; 2) Gestão do sistema de segurança; 3) Formação a aperfeiçoamento de policiais; 4) Valorização das perícias; 5) Prevenção; e 6) Ouvidorias independentes e corregedorias unificadas.

O projeto das UPPs no Rio de Janeiro, seguindo esta direção, contribui para o debate sobre a política de segurança pública criada para as comunidades. As Unidades de Policia Pacificadoras policiais e sociais são apresentadas, hoje, como a ação mais significativa em termos de políticas públicas produzidas no Estado nos últimos anos.

            Porém, acreditando que segurança pública é o resultado da articulação de diversas políticas sociais, com o objetivo de defender, garantir e promover a dignidade humana, o esforço para levar políticas sociais de qualidade não acompanha o fortalecimento do policiamento ostensivo nessas áreas.

A pesquisa realizada no Complexo do Alemão e entorno (bairro de Bonsucesso) teve como propósito testar a eficiência e a eficácia desta política de segurança inovadora, buscando levantar a fala dos moradores a respeito do conhecimento demonstrado sobre as UPPs (policial e social), além da sua experiência com relação à violência no local. Procura-se, com isso, perceber os impactos dos novos direcionamentos dados à política de segurança no Brasil e, em particular no Rio de Janeiro, sobre a vivência e experiência cotidiana do cidadão.

Os dados foram levantados através de questionário aplicado em 2% da população residente no Complexo e no bairro de Bonsucesso (o bairro de Bonsucesso tem uma área de aproximadamente 219,97ha e tem uma população de 18 711 o IDH é de 0,861², nós utilizamos 2% desse número e teremos que alcançar, aproximadamente, 360 pessoas. Fonte: http://pt.wikipedia.org/w/index.php.).

O total de entrevistas realizadas com moradores do bairro foi de 472 e, embora demonstrem alto índice de conhecimento formal, isto é, ciência ou não da existência do programa, os entrevistados possuem um conhecimento bastante limitado do significado das UPPs como política de segurança para as comunidades carentes da Cidade do Rio de Janeiro. O receio de se expor também é verificado, quando o entrevistado prefere não responder a alguns dos questionamentos ou se recusa a opinar sobre sua concordância ou não com o projeto.

Embora parte do cotidiano da população, as UPPs instaladas no local não parecem ter trazido resultados significativos no que se refere à principal proposta de sua implantação: integração social e territorial dos moradores ao restante da cidade. Alguns segmentos, com os jovens, na verdade, apresentam um alto índice de rejeição ao projeto, em função do grau de interferência que o programa realiza em sua vida cotidiana e comunitária (cobranças a respeito das motivações para o trânsito pela comunidade, restrições no uso dos espaços públicos, limitações na realização de festividades e no uso e volume de aparelhos musicais e, em alguns casos mais pontuais, repressão ao modo de vida e circulação pela favela).

Gráfico 1 – IDADE DOS ENTREVISTADOS

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA.

TOTAL: 472 entrevistados

Gráfico 2 – SEXO

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

                   Quanto ao perfil dos entrevistados, de acordo com os gráficos, são jovens entre 15 e 35 anos, homens em sua maioria e com renda individual de até R$ 1.000,00. No que se refere à profissão, a maior parte dos entrevistados atua no setor de serviços, conforme é possível constatar no anexo 1. O anexo 2 apresenta a extensa lista de ruas de moradia dos entrevistados, demonstrando a abrangência e o alcance que a pesquisa obteve no bairro.

Gráfico 3: COR

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

Gráfico 4: Renda individual dos participantes

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

            A análise das respostas referentes ao conhecimento/desconhecimento do teor da atual Política de Segurança do Estado Rio de Janeiro indica que a propaganda e o noticiário têm sido eficientes em difundir a ideia das UPPs como possibilidade de vencer os desafios da retomada dos territórios controlados pelo tráfico. Por outro lado, no entanto, os impactos práticos desta intervenção ainda não foram percebidos pela população do bairro e do Complexo, considerando que 81% deles dizem não terem percebido uma redução nos níveis de violência na região. Esta percepção talvez tenha direcionado as respostas relativas à concordância ou não com a política desenvolvida pelo governo do estado. Considerando apenas as respostas diretas ao questionamento, 41% dizem concordar com a intervenção. Porém, ainda surpreende o número de pessoas que não sabem dizer ou preferem não se manifestar sobre o assunto. Isto indica que a política do medo, um dos pilares da implantação das UPPs, ainda não foi superada.

Gráfico 2 – CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DAS UPPs

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

            Embora tenham conhecimento das linhas gerais da política de segurança representada pelas UPPs e muitos reconheçam os avanços representados por esta iniciativa, à desconfiança e incredulidade ainda são expressivas. Algumas das falas dos entrevistados demonstram sua visão sobre o programa:

  • “Ela serve para diminuir a criminalidade”
  • “Melhorar a vida das pessoas da comunidade e evitar o tráfico”
  • “Diminuir o tráfico de drogas”
  • “Diminuir a criminalidade nas comunidades”
  • “Tirar o poder do tráfico”
  • “Veio para dar mais tranquilidade e segurança para todos”
  • “Segurança e mais recursos para a comunidade”

A recusa em responder à pergunta referente à aprovação da política, representando 30% do total de entrevistados, indica, por um lado, o receio que ainda impera no tratamento da questão da violência e do tráfico em comunidades carentes, por outro lado, revela a indiferença em relação aos rumos das políticas públicas na área da segurança, que recorrentemente não atendem às expectativas da população e, em recorrentemente, reforça o estigma atribuído a ela: “Duplamente excluídos por serem “outros” e por serem “incultos” e “perigosos”, os pobres urbanos vivem, neste olhar etnocêntrico e homogneizador, o avesso da civilização” (Zaluar, p.12), vistos como “classe perigosa” (Valladares, 1991).

Gráfico 3 – APROVAÇÃO/DESAPROVAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA DE SEGURANÇA REPRESENTADA PELAS UPPs

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

            Os relatos dos entrevistados demonstram sua incredulidade, mas também a esperança de que esta solução, uma vez que se torne permanente, seja aprimorada e logre sucesso, expressando seu desejo de “que fosse algo para ficar de vez”; reconhecendo que “a demanda é grande demais para os policiais”; “o governo tem que se empenhar para isso dar certo”; “se eles continuarem empenhados no projeto vai dar certo sim”; “ainda precisa de muito trabalho, porém em um futuro próximo funcionará”; “na parte da rua em que moro diminuiu os assaltos com a chegada da UPP”.

Gráfico 4 – MUDANÇAS PERCEBIDAS QUANTO À VIOLÊNCIA NO LOCAL APÓS A IMPLANTAÇÃO DAS UPPs

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

Os resultados demonstram que o panorama mudou pouco, sobretudo sob o ponto de vista da experiência pessoal dos moradores com a integração ao restante da cidade e à sensação de segurança dentro das comunidades e no bairro.

A tentativa de integração das comunidades carentes da cidade ao restante da cidade representada pela retomada dos territórios por parte das forças de segurança pública tem esbarrado nos mesmos impasses de outras políticas (como o Programa Favela-Bairro; POUSO; Morar Carioca; PAC etc.) que, sob o ponto de vista urbanístico tinham a mesma perspectiva: a desconfiança dos moradores das favelas e a adesão limitada dos moradores do “asfalto”.

            A política de pacificação das favelas do Rio de Janeiro, iniciada em dezembro de 2008, tem sido objeto de reflexão por parte dos pesquisadores, movimentos sociais e população em geral. Trata-se de um exemplo pratico de um policiamento tipo comunitário, com seus problemas e percalços, que idealmente deveria aproximar a policia e a comunidade em áreas onde o histórico desse relacionamento é ruim e persistem altos níveis de violência e pobreza que é o caso do Complexo do Alemão.

            O conceito de policiamento comunitário envolve a noção de participação social, pois esta baseado em relação de reciprocidade, confiança e aproximação entre as forças policiais e a sociedade civil, respeitando sempre a Declaração dos Direitos Humanos. Esta aproximação deve ser construída por meio de diálogo entre as policias e a sociedade para a busca conjunta da solução dos problemas de segurança pública.

            Embora tenha grau variável nas diferentes UPPs instaladas, pode-se dizer que no Complexo do Alemão a aproximação entre a polícia e a comunidade enfrenta, em geral, dois grandes obstáculos. Por um lado, a estrutura da policia, sobretudo a militar, que é fortemente hierarquizada e hermética. Por outro, o medo que os moradores têm de sofrer retaliação por parte de membros de grupos armados de facções criminosas diferentes no Complexo do Alemão.

            Outro elemento fundamental é a UPP social que tem a função de estabelecer o dialogo com atores locais, com vistas a articular as demandas da comunidade a oferta de serviços públicos por diversos órgãos das secretarias de governo municipal e estadual. Porem no Complexo do Alemão a UPP Social não funcionou e isso fez com que a organização da sociedade civil ficasse reduzida para nenhum diálogo. Houve um esvaziamento das associações de moradores como mobilizadoras de reivindicações de melhorias urbanas

            Analisamos que existe essa lacuna no programa de pacificação do Complexo do Alemão, que é a ausência de instituições publicas para cumprirem o papel de UPP Social.

 

 

Considerações finais

            Nesse cenário de violências e crimes, vítimas e vitimizadores,      descobrir, apurar, trazer a tona, investigar socialmente, buscar, revelar, correr atrás, localizar, identificar, mostrar são ingredientes palpitantes da pesquisa.

Os desafios por políticas públicas de enfrentamento dessa problemática continuam postos, consideram que a articulação dos órgãos de segurança pública nos seus níveis local, estadual e federal, é fundamental para elaboração e execução de políticas em interfaces com as demais políticas públicas (especialmente educação e saúde) e a sociedade civil local no enfrentamento mais estratégico da criminalidade e da violência.

Neste sentido, não podemos desconhecer a importância de políticas de intervenção e que estas são de fato necessárias para desafiar e alterar os dados da criminalidade e da violência urbana que atinge a vida de parcela significativa da população do Complexo do Alemão e do Bairro de Bonsucesso.

Contudo, não podemos ignora a estratégia de serem “políticas de intervenção que tenham sempre por referência o chão que elas pisam, os contextos de vida (objetivo, subjetivo e trajectivos) daqueles a quem elas se dirigem” (PAIS, 2010, p. 141). No que se refere à participação da população nestas políticas a questão fundamental ainda indica uma intervenção quase sempre voltada para uma “educação para o trabalho” colado ao conceito de cidadania normativa e, portanto, definida como “categoria estável de direitos e obrigações”. Ainda, para este autor: “raramente essa problematização questiona o sentido do sistema de educação que temos a desigual estrutura de oportunidades de sistema de emprego...” (PAIS, 2010, pp.141-2).

No caso desse estudo, expomos, pelo menos, dois aspectos a ser considerados pelas políticas públicas: primeiro, o enfrentamento da drogadição e o desarmamento, tendo em vista que o Bairro de Bonsucesso e Complexo do Alemão não contam com uma saúde, uma assistência social efetiva, ainda não contam com diagnósticos precisos sobre a problemática das drogas e, ainda mais, quando associada à utilização de armas de fogo, que lhes possibilitem elaborar políticas públicas de enfrentamento dessa realidade;

Por fim, que reflexões e ações se apresentam frente ao dimensionamento que assumem as questões vivenciadas pela população dos territórios estigmatizados como os complexos de favelas do Rio de Janeiro. A discussão pode se aprofundar na relação com a força das organizações da sociedade civil, no poder de articulação e pressão dos seus dispositivos de interlocução com os gestores públicos para horizontalização das políticas públicas nessas áreas, com ênfase na ampliação e integração de políticas e ações setoriais de intervenção de curto, médio e longo prazo, trazendo e fortalecendo os Direitos Humanos.

Considerando, ainda, o fato de que a problemática da criminalidade e da violência não se soluciona apenas com ações e intervenções policiais, são questões que dizem respeito à resolução negociada dos conflitos e tensões da convivência urbana, sem desconhecer as práticas legais e ilegais que dizem respeito à racionalidade da vida em sociedade e de funcionamento dos dispositivos estatais. Portanto, são questões que estão relacionadas às condições de possibilidades da segurança urbana nas sociedades democráticas, nos seus espaços públicos e na convivência com os diferentes e iguais. Essas são questões que desafiam os governos democráticos e suas políticas.

Referências Bibliográficas.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 2001.

FRIGOTO, G, O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA. I, (org). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1999.

PAIS, José Machado. Lufa-lufa cotidiana: ensaios sobre cidade, cultura e vida urbana. Lisboa: ICS, 2010.

RODRIGUES, Maria de Lourdes Alves. Formação de Conselheiros em Direitos Humanos, Secretaria Especial dos Direitos Humanos .Ágere Cooperação em Advocacy: 2007.

SEVERINO, A.J. Filosofia. São Paulo: Cortez,1994.

VALLADARES, Licia do Prado (1991). Cem Anos Pensando a Pobreza (Urbana) no Brasil. BOSCHI, Renato (org.) Corporativismo e Desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, Rio Fundo Editora. pp.81-111.

ZALUAR, Alba. A Máquina e a Revolta.As organizações populares e o significado da pobreza.Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 1985.

 



[1]Agradecemos à UNISUAM pelo apoio para a realização desta pesquisa, sobretudo a Coordenação de Pós-graduação e Pesquisa e a Coordenação do Curso de Serviço Social.

AS PERCEPÇÕES DOS MORADORES SOBRE A INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO COM UM OLHAR DE DIREITOS HUMANOS: Um experimento no Bairro de Bonsucesso – Zona da Leopoldina[1]

Newvone Ferreira da Costa

Mestre em Educação, Havana. Professora adjunta da UNISUAM

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Lidia Medeiros

Doutora em Sociologia pelo PPCIS – UERJ. Professora adjunta da UNISUAM

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Introdução
 

Este texto analisa os resultados do projeto de pesquisa “AS PERCEPÇÕES DOS MORADORES SOBRE A INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO; Um experimento no Bairro de Bonsucesso – Zona da Leopoldina”, desenvolvida no período de fevereiro a dezembro de 2014, tendo como objetivo investigar as percepções dos moradores do bairro de Bonsucesso a respeito das mudanças vislumbradas a partir da implementação da UPP (policial e social) na região, no Complexo do Alemão em 30 de maio de 2012, em relação à violência e pano de fundo falaremos sobre direitos humanos.

O governo de Sérgio Cabral, a partir de 2007, elaborou uma política de Segurança Pública que vem, desde então, representando uma nova etapa na abordagem do problema da violência no Estado do Rio de Janeiro.

Tomamos como estudo de caso o Complexo do Alemão, com UPPs atendem uma comunidade composta por 7 favelas e se estende até uma região conhecida como Pedra do Sapo, considerada ponto crítico pelo intenso comércio de drogas.

Os eventos acontecidos em 2010 no Complexo do Alemão (invasão e fuga de dezenas de suspeitos de associação ao tráfico) representaram um marco no tratamento do problema na região. A retomada pelas forças de segurança aconteceu no fim de novembro de 2010, fazendo com que uma nova visão e significados para a segurança pública na região da Leopoldina. Esta foi a maior ofensiva contra o tráfico de drogas e contou com uma tropa de 2.780 homens, sendo 1.280 policiais militares, 400 policiais civis 300 policiais federais e 800 militares do Exército. Uma união de forças estaduais e federais para retomada do território sem precedentes no país

Os significados e o teor desta nova visão a respeito das ações na área da segurança e da nova visibilidade conferida à Zona da Leopoldina carecem de uma investigação mais aprofundada que articulem estas medidas às transformações efetivas que vêm ocorrendo no Bairro de Bonsucesso. Segundo a Região Administrativa X-RA tem como área de abrangência os bairros de Olaria, Bonsucesso, Ramos e a população residente no Complexo do Alemão ultrapassam 180 mil moradores, o que faz com que esta área já esteja sendo considerado um bairro da Zona Norte do município do Rio de Janeiro.

Atualmente, segundo reportagem veiculada pela rádio Band News em 08/10/2014, existem 275 comunidades nas quais já foram instaladas Unidades de Polícia Pacificadora, perfazendo um total de 42 Unidades e 105 comunidades, abrangendo, aproximadamente, 190 mil habitantes estão logrando para um estado civilizatório, vivendo em paz, sem pagar pedágio, o ir e vir com tranquilidade, é uma conquista mínima porem conseguem viver e gostaram da implantação das Unidades de Policia Pacificadora. A reportagem informa que no aspecto policial houve muitas melhorias, porém no aspecto social o projeto deixa a desejar, pois os serviços de ordem social ainda são muito precários não tem saneamento básico, não houve nenhuma melhoria urbana, iluminação, educação e saúde enfim a UPP Social não funciona.

Ainda de acordo com a reportagem, as 170 comunidades restantes com Unidades de Policia Pacificadoras moram 500 mil habitantes sem controle policial, não se tem a liberdade de ir e vir tem o pagamento de pedágio e os moradores tem uma enorme sensação de insegurança, informam ainda que acontecem tiroteios constantes e ainda tem traficantes com bastantes armamentos, pois os mesmos ficam ostentando as armas e o pior de tudo são as expulsões de moradores pelos traficantes.

Outras informações importantes para reflexão:

            A Unidade Policial Pacificadora que deu certo que é a comunidade do Salgueiro tem aproximadamente 3.350 mil moradores e 150 policiais, a relação é de 1 policial para 25 moradores.

A Unidade Policial Pacificadora que deu errado que é comunidade Camarista Méier tem aproximadamente 16.500 mil moradores para um efetivo de 250 policiais então a relação é de 1 policial para aproximadamente 70 moradores.

Com isso não temos duvida que as comunidades em que as UPP têm funcionado apresentam certos aspectos em comum como:

  • Topografia menos acidentada;
  • O trafico não tem importância na comunidade (perda do controle);
  • O número de policiais é compatível com o número de moradores.
  • Pequeno contingente de moradores

Agora abordando o nosso campo de pesquisa que é o Complexo do Alemão que está inserido no bloco das comunidades que ainda não atingiram o objetivo principal do projeto de governo que é o funcionamento das UPPs social e policial de forma integrada, porque não tem contingente de policiais para o numero de moradores e a topografia do Complexo do Alemão ajuda os traficantes terem o controle das drogas e das armas.

Nesse sentido, o principal objetivo na pesquisa que originou os dados apresentados neste artigo foi de realizar um levantamento das percepções dos moradores a respeito dos impactos e das mudanças verificadas a partir da implementação da Política de Segurança Pública do Governo do Estado do Rio de Janeiro representada pelas UPPs, buscando verificar seu conhecimento a respeito desta política e satisfação com os resultados obtidos por ela até o momento.

E é nesse sentido que não podemos abordar a política de segurança pública no Rio de Janeiro denominado de Unidades de Pacificação Policial e Social sem analisá-la no âmbito dos Direitos Humanos porque sabemos que as implicações das mudanças regressivas das políticas sociais e os direitos humanos tem sido desastrosas e bem conhecida por aqueles que conseguem enxergar para alem da aparência, se as UPP social não estão dando certo porque a política social deixou de ser universal para se tornar focalizada na indigência, com toda gama de atentados aos direitos sociais que essa orientação provoca. Nessas circunstancias, ocorre o seguinte circulo vicioso:o desmonte dos direitos sociais tem como consequência a quebra do protagonismo do Estado na provisão e na garantia da política social, ficando essa provisão por conta do mercado e das organizações da sociedade civil, que não tem poderes para garantir direitos.

Temos ainda em escala muito grande a crise de identidade nas policiais militares que é decorrente desta retomada da sua função de policiamento nas comunidades e que para eles exige a revisão de seus valores institucionais, ainda hoje marcados pela forte influência do militarismo. Estas duas orientações divergentes são incongruentes no que se refere ao trabalho da policia, pois para que a política do Governo do Estado do Rio de Janeiro logre alcançar resultados satisfatórios é necessário reestruturar a forma como a policia se relaciona com os indivíduos a fim de propiciar a construção de uma ordem democrática que assegure os direitos e garantias individuais, como afirma Rodrigues (2007, p.220),

A existência de um número crescente de direitos suscita a questão dos vários aspectos dos direitos humanos. Na verdade não se trata, simplesmente, de direitos, no sentido estritamente jurídico da palavra, mas de um conjunto de valores que implicam varias dimensões ética, jurídica, política, econômica, social, cultural e educativa.

                                        

A pesquisa – coleta de dados

A pesquisa foi realizada no Complexo do Alemão e nas ruas do bairro de Bonsucesso entre os meses de abril e novembro de 2014. A equipe contou com a participação de 25 alunos voluntários de graduação (Serviço Social, História e Psicologia), e 02 professoras do Curso de Serviço Social da UNISUAM/RJ na condição de coordenadoras. A equipe de campo realizou entrevistas com moradores de diversas idades e a condição para inclusão na pesquisa era a região de moradia, que deveria se restringir a Bonsucesso (além da área do Complexo do Alemão localizada no bairro).

De acordo com a perspectiva histórica critica que norteou o desenvolvimento do projeto, inexiste neutralidade na pesquisa. Toda e qualquer ação que permeia esse processo é direcionada pela visão de mundo, pelo norte teórico que ilumina a ação, pelas finalidades que se busca atingir. Nesse movimento, não existe uma imposição, isoladamente, do sujeito ou do objeto. Em uma perspectiva dialética ambos são constituídos “pelo processo histórico-social. Um depende do outro e ambos dependem da realidade histórica” (Severino, 1994, p.138). O real “se constitui da totalidade do universo, totalidade esta que vai realizando um processo histórico, do qual cada momento é resultante de múltiplas determinações (naturais, sociais, culturas)” (idem).

Em um processo dialético de conhecimento da realidade é fundamental “a critica e o conhecimento critico para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico-social” (Frigoto, 1999, p.81). Nessa direção, “a teoria materialista histórica sustenta que o conhecimento efetivamente se dá pela práxis. A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão teórica sobre a realidade não é reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação para transformar” (idem).

As informações coletadas originaram-se de fontes empíricas, com base em um instrumento construído em conjunto com os sujeitos envolvidos, além de fontes documentais, relativas à segurança pública e aos Direitos Humanos.

Decidiu-se pela utilização integrada das metodologias da pesquisa quantitativa e qualitativa, privilegiando-se essa última, na medida em que “parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vinculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade dos sujeitos; (...) o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado” (Chizzotti, 2001, p.79).

Os debates relativos à construção de um país democrático, iniciadas com a Constituição de 1988, se ampliam para os diversos âmbitos da vida social e consagram os princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que articulou em seus artigos um sistema de proteção aos Direitos Humanos no Brasil. Afirma em seu texto que um dos fundamentos da república é a dignidade da pessoa humana, que constitui o suporte de todos os Direitos Humanos consagrados.

Nesse sentido, a partir de meados da década de 1990 um debate em torno da construção de uma segurança pública cidadã toma corpo, buscando romper com a violência como obstáculo ao pleno gozo da cidadania; avança-se rumo à proteção plena da cidadania, embora uma perspectiva de proteção à pessoa e ao patrimônio ainda permaneça como relevante. Uma aproximação de fato com uma política de segurança cidadã se materializou no novo século com a criação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), o que demonstra o desejo por uma política cujo foco seja o cidadão.

A perspectiva de segurança cidadã defende uma abordagem multidisciplinar para fazer frente à natureza multicausal da violência, em que políticas públicas setoriais são implementadas de forma integrada, com vistas à prevenção à violência. Nesse sentido, não se busca somente a ação das forças policiais, mas se reserva espaço de atuação para as mais diversas políticas setoriais, como educação, saúde, esporte, cultura, dentre outras.

Outra medida que segue a mesma direção é a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) em 1997, cuja função primordial é assessorar o Ministro da Justiça na definição e implementação da política de segurança pública em âmbito nacional, além de acompanhar sistematicamente, em todo o território nacional, as atividades dos órgãos responsáveis pela segurança pública. Esta secretaria tem como foco de atuação a articulação das unidades federativas, com vistas à estrutura de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) que não busca a unificação da segurança pública em âmbito nacional, mas a integração das ações, já que reconhece a autonomia dos Estados na implementação da política. Os eixos do SUSP são: 1) Gestão unificada da informação; 2) Gestão do sistema de segurança; 3) Formação a aperfeiçoamento de policiais; 4) Valorização das perícias; 5) Prevenção; e 6) Ouvidorias independentes e corregedorias unificadas.

O projeto das UPPs no Rio de Janeiro, seguindo esta direção, contribui para o debate sobre a política de segurança pública criada para as comunidades. As Unidades de Policia Pacificadoras policiais e sociais são apresentadas, hoje, como a ação mais significativa em termos de políticas públicas produzidas no Estado nos últimos anos.

            Porém, acreditando que segurança pública é o resultado da articulação de diversas políticas sociais, com o objetivo de defender, garantir e promover a dignidade humana, o esforço para levar políticas sociais de qualidade não acompanha o fortalecimento do policiamento ostensivo nessas áreas.

A pesquisa realizada no Complexo do Alemão e entorno (bairro de Bonsucesso) teve como propósito testar a eficiência e a eficácia desta política de segurança inovadora, buscando levantar a fala dos moradores a respeito do conhecimento demonstrado sobre as UPPs (policial e social), além da sua experiência com relação à violência no local. Procura-se, com isso, perceber os impactos dos novos direcionamentos dados à política de segurança no Brasil e, em particular no Rio de Janeiro, sobre a vivência e experiência cotidiana do cidadão.

Os dados foram levantados através de questionário aplicado em 2% da população residente no Complexo e no bairro de Bonsucesso (o bairro de Bonsucesso tem uma área de aproximadamente 219,97ha e tem uma população de 18 711 o IDH é de 0,861², nós utilizamos 2% desse número e teremos que alcançar, aproximadamente, 360 pessoas. Fonte: http://pt.wikipedia.org/w/index.php.).

O total de entrevistas realizadas com moradores do bairro foi de 472 e, embora demonstrem alto índice de conhecimento formal, isto é, ciência ou não da existência do programa, os entrevistados possuem um conhecimento bastante limitado do significado das UPPs como política de segurança para as comunidades carentes da Cidade do Rio de Janeiro. O receio de se expor também é verificado, quando o entrevistado prefere não responder a alguns dos questionamentos ou se recusa a opinar sobre sua concordância ou não com o projeto.

Embora parte do cotidiano da população, as UPPs instaladas no local não parecem ter trazido resultados significativos no que se refere à principal proposta de sua implantação: integração social e territorial dos moradores ao restante da cidade. Alguns segmentos, com os jovens, na verdade, apresentam um alto índice de rejeição ao projeto, em função do grau de interferência que o programa realiza em sua vida cotidiana e comunitária (cobranças a respeito das motivações para o trânsito pela comunidade, restrições no uso dos espaços públicos, limitações na realização de festividades e no uso e volume de aparelhos musicais e, em alguns casos mais pontuais, repressão ao modo de vida e circulação pela favela).

Gráfico 1 – IDADE DOS ENTREVISTADOS

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA.

TOTAL: 472 entrevistados

Gráfico 2 – SEXO

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

                   Quanto ao perfil dos entrevistados, de acordo com os gráficos, são jovens entre 15 e 35 anos, homens em sua maioria e com renda individual de até R$ 1.000,00. No que se refere à profissão, a maior parte dos entrevistados atua no setor de serviços, conforme é possível constatar no anexo 1. O anexo 2 apresenta a extensa lista de ruas de moradia dos entrevistados, demonstrando a abrangência e o alcance que a pesquisa obteve no bairro.

Gráfico 3: COR

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

Gráfico 4: Renda individual dos participantes

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

            A análise das respostas referentes ao conhecimento/desconhecimento do teor da atual Política de Segurança do Estado Rio de Janeiro indica que a propaganda e o noticiário têm sido eficientes em difundir a ideia das UPPs como possibilidade de vencer os desafios da retomada dos territórios controlados pelo tráfico. Por outro lado, no entanto, os impactos práticos desta intervenção ainda não foram percebidos pela população do bairro e do Complexo, considerando que 81% deles dizem não terem percebido uma redução nos níveis de violência na região. Esta percepção talvez tenha direcionado as respostas relativas à concordância ou não com a política desenvolvida pelo governo do estado. Considerando apenas as respostas diretas ao questionamento, 41% dizem concordar com a intervenção. Porém, ainda surpreende o número de pessoas que não sabem dizer ou preferem não se manifestar sobre o assunto. Isto indica que a política do medo, um dos pilares da implantação das UPPs, ainda não foi superada.

Gráfico 2 – CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DAS UPPs

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

            Embora tenham conhecimento das linhas gerais da política de segurança representada pelas UPPs e muitos reconheçam os avanços representados por esta iniciativa, à desconfiança e incredulidade ainda são expressivas. Algumas das falas dos entrevistados demonstram sua visão sobre o programa:

  • “Ela serve para diminuir a criminalidade”
  • “Melhorar a vida das pessoas da comunidade e evitar o tráfico”
  • “Diminuir o tráfico de drogas”
  • “Diminuir a criminalidade nas comunidades”
  • “Tirar o poder do tráfico”
  • “Veio para dar mais tranquilidade e segurança para todos”
  • “Segurança e mais recursos para a comunidade”

A recusa em responder à pergunta referente à aprovação da política, representando 30% do total de entrevistados, indica, por um lado, o receio que ainda impera no tratamento da questão da violência e do tráfico em comunidades carentes, por outro lado, revela a indiferença em relação aos rumos das políticas públicas na área da segurança, que recorrentemente não atendem às expectativas da população e, em recorrentemente, reforça o estigma atribuído a ela: “Duplamente excluídos por serem “outros” e por serem “incultos” e “perigosos”, os pobres urbanos vivem, neste olhar etnocêntrico e homogneizador, o avesso da civilização” (Zaluar, p.12), vistos como “classe perigosa” (Valladares, 1991).

Gráfico 3 – APROVAÇÃO/DESAPROVAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA DE SEGURANÇA REPRESENTADA PELAS UPPs

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

            Os relatos dos entrevistados demonstram sua incredulidade, mas também a esperança de que esta solução, uma vez que se torne permanente, seja aprimorada e logre sucesso, expressando seu desejo de “que fosse algo para ficar de vez”; reconhecendo que “a demanda é grande demais para os policiais”; “o governo tem que se empenhar para isso dar certo”; “se eles continuarem empenhados no projeto vai dar certo sim”; “ainda precisa de muito trabalho, porém em um futuro próximo funcionará”; “na parte da rua em que moro diminuiu os assaltos com a chegada da UPP”.

Gráfico 4 – MUDANÇAS PERCEBIDAS QUANTO À VIOLÊNCIA NO LOCAL APÓS A IMPLANTAÇÃO DAS UPPs

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

Os resultados demonstram que o panorama mudou pouco, sobretudo sob o ponto de vista da experiência pessoal dos moradores com a integração ao restante da cidade e à sensação de segurança dentro das comunidades e no bairro.

A tentativa de integração das comunidades carentes da cidade ao restante da cidade representada pela retomada dos territórios por parte das forças de segurança pública tem esbarrado nos mesmos impasses de outras políticas (como o Programa Favela-Bairro; POUSO; Morar Carioca; PAC etc.) que, sob o ponto de vista urbanístico tinham a mesma perspectiva: a desconfiança dos moradores das favelas e a adesão limitada dos moradores do “asfalto”.

            A política de pacificação das favelas do Rio de Janeiro, iniciada em dezembro de 2008, tem sido objeto de reflexão por parte dos pesquisadores, movimentos sociais e população em geral. Trata-se de um exemplo pratico de um policiamento tipo comunitário, com seus problemas e percalços, que idealmente deveria aproximar a policia e a comunidade em áreas onde o histórico desse relacionamento é ruim e persistem altos níveis de violência e pobreza que é o caso do Complexo do Alemão.

            O conceito de policiamento comunitário envolve a noção de participação social, pois esta baseado em relação de reciprocidade, confiança e aproximação entre as forças policiais e a sociedade civil, respeitando sempre a Declaração dos Direitos Humanos. Esta aproximação deve ser construída por meio de diálogo entre as policias e a sociedade para a busca conjunta da solução dos problemas de segurança pública.

            Embora tenha grau variável nas diferentes UPPs instaladas, pode-se dizer que no Complexo do Alemão a aproximação entre a polícia e a comunidade enfrenta, em geral, dois grandes obstáculos. Por um lado, a estrutura da policia, sobretudo a militar, que é fortemente hierarquizada e hermética. Por outro, o medo que os moradores têm de sofrer retaliação por parte de membros de grupos armados de facções criminosas diferentes no Complexo do Alemão.

            Outro elemento fundamental é a UPP social que tem a função de estabelecer o dialogo com atores locais, com vistas a articular as demandas da comunidade a oferta de serviços públicos por diversos órgãos das secretarias de governo municipal e estadual. Porem no Complexo do Alemão a UPP Social não funcionou e isso fez com que a organização da sociedade civil ficasse reduzida para nenhum diálogo. Houve um esvaziamento das associações de moradores como mobilizadoras de reivindicações de melhorias urbanas

            Analisamos que existe essa lacuna no programa de pacificação do Complexo do Alemão, que é a ausência de instituições publicas para cumprirem o papel de UPP Social.

 

 

Considerações finais

            Nesse cenário de violências e crimes, vítimas e vitimizadores,      descobrir, apurar, trazer a tona, investigar socialmente, buscar, revelar, correr atrás, localizar, identificar, mostrar são ingredientes palpitantes da pesquisa.

Os desafios por políticas públicas de enfrentamento dessa problemática continuam postos, consideram que a articulação dos órgãos de segurança pública nos seus níveis local, estadual e federal, é fundamental para elaboração e execução de políticas em interfaces com as demais políticas públicas (especialmente educação e saúde) e a sociedade civil local no enfrentamento mais estratégico da criminalidade e da violência.

Neste sentido, não podemos desconhecer a importância de políticas de intervenção e que estas são de fato necessárias para desafiar e alterar os dados da criminalidade e da violência urbana que atinge a vida de parcela significativa da população do Complexo do Alemão e do Bairro de Bonsucesso.

Contudo, não podemos ignora a estratégia de serem “políticas de intervenção que tenham sempre por referência o chão que elas pisam, os contextos de vida (objetivo, subjetivo e trajectivos) daqueles a quem elas se dirigem” (PAIS, 2010, p. 141). No que se refere à participação da população nestas políticas a questão fundamental ainda indica uma intervenção quase sempre voltada para uma “educação para o trabalho” colado ao conceito de cidadania normativa e, portanto, definida como “categoria estável de direitos e obrigações”. Ainda, para este autor: “raramente essa problematização questiona o sentido do sistema de educação que temos a desigual estrutura de oportunidades de sistema de emprego...” (PAIS, 2010, pp.141-2).

No caso desse estudo, expomos, pelo menos, dois aspectos a ser considerados pelas políticas públicas: primeiro, o enfrentamento da drogadição e o desarmamento, tendo em vista que o Bairro de Bonsucesso e Complexo do Alemão não contam com uma saúde, uma assistência social efetiva, ainda não contam com diagnósticos precisos sobre a problemática das drogas e, ainda mais, quando associada à utilização de armas de fogo, que lhes possibilitem elaborar políticas públicas de enfrentamento dessa realidade;

Por fim, que reflexões e ações se apresentam frente ao dimensionamento que assumem as questões vivenciadas pela população dos territórios estigmatizados como os complexos de favelas do Rio de Janeiro. A discussão pode se aprofundar na relação com a força das organizações da sociedade civil, no poder de articulação e pressão dos seus dispositivos de interlocução com os gestores públicos para horizontalização das políticas públicas nessas áreas, com ênfase na ampliação e integração de políticas e ações setoriais de intervenção de curto, médio e longo prazo, trazendo e fortalecendo os Direitos Humanos.

Considerando, ainda, o fato de que a problemática da criminalidade e da violência não se soluciona apenas com ações e intervenções policiais, são questões que dizem respeito à resolução negociada dos conflitos e tensões da convivência urbana, sem desconhecer as práticas legais e ilegais que dizem respeito à racionalidade da vida em sociedade e de funcionamento dos dispositivos estatais. Portanto, são questões que estão relacionadas às condições de possibilidades da segurança urbana nas sociedades democráticas, nos seus espaços públicos e na convivência com os diferentes e iguais. Essas são questões que desafiam os governos democráticos e suas políticas.

Referências Bibliográficas.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 2001.

FRIGOTO, G, O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA. I, (org). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1999.

PAIS, José Machado. Lufa-lufa cotidiana: ensaios sobre cidade, cultura e vida urbana. Lisboa: ICS, 2010.

RODRIGUES, Maria de Lourdes Alves. Formação de Conselheiros em Direitos Humanos, Secretaria Especial dos Direitos Humanos .Ágere Cooperação em Advocacy: 2007.

SEVERINO, A.J. Filosofia. São Paulo: Cortez,1994.

VALLADARES, Licia do Prado (1991). Cem Anos Pensando a Pobreza (Urbana) no Brasil. BOSCHI, Renato (org.) Corporativismo e Desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, Rio Fundo Editora. pp.81-111.

ZALUAR, Alba. A Máquina e a Revolta.As organizações populares e o significado da pobreza.Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 1985.

 



[1]Agradecemos à UNISUAM pelo apoio para a realização desta pesquisa, sobretudo a Coordenação de Pós-graduação e Pesquisa e a Coordenação do Curso de Serviço Social.

AS PERCEPÇÕES DOS MORADORES SOBRE A INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO COM UM OLHAR DE DIREITOS HUMANOS: Um experimento no Bairro de Bonsucesso – Zona da Leopoldina[1]

Newvone Ferreira da Costa

Mestre em Educação, Havana. Professora adjunta da UNISUAM

[email protected]

Lidia Medeiros

Doutora em Sociologia pelo PPCIS – UERJ. Professora adjunta da UNISUAM

[email protected]

 

Introdução
 

Este texto analisa os resultados do projeto de pesquisa “AS PERCEPÇÕES DOS MORADORES SOBRE A INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO; Um experimento no Bairro de Bonsucesso – Zona da Leopoldina”, desenvolvida no período de fevereiro a dezembro de 2014, tendo como objetivo investigar as percepções dos moradores do bairro de Bonsucesso a respeito das mudanças vislumbradas a partir da implementação da UPP (policial e social) na região, no Complexo do Alemão em 30 de maio de 2012, em relação à violência e pano de fundo falaremos sobre direitos humanos.

O governo de Sérgio Cabral, a partir de 2007, elaborou uma política de Segurança Pública que vem, desde então, representando uma nova etapa na abordagem do problema da violência no Estado do Rio de Janeiro.

Tomamos como estudo de caso o Complexo do Alemão, com UPPs atendem uma comunidade composta por 7 favelas e se estende até uma região conhecida como Pedra do Sapo, considerada ponto crítico pelo intenso comércio de drogas.

Os eventos acontecidos em 2010 no Complexo do Alemão (invasão e fuga de dezenas de suspeitos de associação ao tráfico) representaram um marco no tratamento do problema na região. A retomada pelas forças de segurança aconteceu no fim de novembro de 2010, fazendo com que uma nova visão e significados para a segurança pública na região da Leopoldina. Esta foi a maior ofensiva contra o tráfico de drogas e contou com uma tropa de 2.780 homens, sendo 1.280 policiais militares, 400 policiais civis 300 policiais federais e 800 militares do Exército. Uma união de forças estaduais e federais para retomada do território sem precedentes no país

Os significados e o teor desta nova visão a respeito das ações na área da segurança e da nova visibilidade conferida à Zona da Leopoldina carecem de uma investigação mais aprofundada que articulem estas medidas às transformações efetivas que vêm ocorrendo no Bairro de Bonsucesso. Segundo a Região Administrativa X-RA tem como área de abrangência os bairros de Olaria, Bonsucesso, Ramos e a população residente no Complexo do Alemão ultrapassam 180 mil moradores, o que faz com que esta área já esteja sendo considerado um bairro da Zona Norte do município do Rio de Janeiro.

Atualmente, segundo reportagem veiculada pela rádio Band News em 08/10/2014, existem 275 comunidades nas quais já foram instaladas Unidades de Polícia Pacificadora, perfazendo um total de 42 Unidades e 105 comunidades, abrangendo, aproximadamente, 190 mil habitantes estão logrando para um estado civilizatório, vivendo em paz, sem pagar pedágio, o ir e vir com tranquilidade, é uma conquista mínima porem conseguem viver e gostaram da implantação das Unidades de Policia Pacificadora. A reportagem informa que no aspecto policial houve muitas melhorias, porém no aspecto social o projeto deixa a desejar, pois os serviços de ordem social ainda são muito precários não tem saneamento básico, não houve nenhuma melhoria urbana, iluminação, educação e saúde enfim a UPP Social não funciona.

Ainda de acordo com a reportagem, as 170 comunidades restantes com Unidades de Policia Pacificadoras moram 500 mil habitantes sem controle policial, não se tem a liberdade de ir e vir tem o pagamento de pedágio e os moradores tem uma enorme sensação de insegurança, informam ainda que acontecem tiroteios constantes e ainda tem traficantes com bastantes armamentos, pois os mesmos ficam ostentando as armas e o pior de tudo são as expulsões de moradores pelos traficantes.

Outras informações importantes para reflexão:

            A Unidade Policial Pacificadora que deu certo que é a comunidade do Salgueiro tem aproximadamente 3.350 mil moradores e 150 policiais, a relação é de 1 policial para 25 moradores.

A Unidade Policial Pacificadora que deu errado que é comunidade Camarista Méier tem aproximadamente 16.500 mil moradores para um efetivo de 250 policiais então a relação é de 1 policial para aproximadamente 70 moradores.

Com isso não temos duvida que as comunidades em que as UPP têm funcionado apresentam certos aspectos em comum como:

  • Topografia menos acidentada;
  • O trafico não tem importância na comunidade (perda do controle);
  • O número de policiais é compatível com o número de moradores.
  • Pequeno contingente de moradores

Agora abordando o nosso campo de pesquisa que é o Complexo do Alemão que está inserido no bloco das comunidades que ainda não atingiram o objetivo principal do projeto de governo que é o funcionamento das UPPs social e policial de forma integrada, porque não tem contingente de policiais para o numero de moradores e a topografia do Complexo do Alemão ajuda os traficantes terem o controle das drogas e das armas.

Nesse sentido, o principal objetivo na pesquisa que originou os dados apresentados neste artigo foi de realizar um levantamento das percepções dos moradores a respeito dos impactos e das mudanças verificadas a partir da implementação da Política de Segurança Pública do Governo do Estado do Rio de Janeiro representada pelas UPPs, buscando verificar seu conhecimento a respeito desta política e satisfação com os resultados obtidos por ela até o momento.

E é nesse sentido que não podemos abordar a política de segurança pública no Rio de Janeiro denominado de Unidades de Pacificação Policial e Social sem analisá-la no âmbito dos Direitos Humanos porque sabemos que as implicações das mudanças regressivas das políticas sociais e os direitos humanos tem sido desastrosas e bem conhecida por aqueles que conseguem enxergar para alem da aparência, se as UPP social não estão dando certo porque a política social deixou de ser universal para se tornar focalizada na indigência, com toda gama de atentados aos direitos sociais que essa orientação provoca. Nessas circunstancias, ocorre o seguinte circulo vicioso:o desmonte dos direitos sociais tem como consequência a quebra do protagonismo do Estado na provisão e na garantia da política social, ficando essa provisão por conta do mercado e das organizações da sociedade civil, que não tem poderes para garantir direitos.

Temos ainda em escala muito grande a crise de identidade nas policiais militares que é decorrente desta retomada da sua função de policiamento nas comunidades e que para eles exige a revisão de seus valores institucionais, ainda hoje marcados pela forte influência do militarismo. Estas duas orientações divergentes são incongruentes no que se refere ao trabalho da policia, pois para que a política do Governo do Estado do Rio de Janeiro logre alcançar resultados satisfatórios é necessário reestruturar a forma como a policia se relaciona com os indivíduos a fim de propiciar a construção de uma ordem democrática que assegure os direitos e garantias individuais, como afirma Rodrigues (2007, p.220),

A existência de um número crescente de direitos suscita a questão dos vários aspectos dos direitos humanos. Na verdade não se trata, simplesmente, de direitos, no sentido estritamente jurídico da palavra, mas de um conjunto de valores que implicam varias dimensões ética, jurídica, política, econômica, social, cultural e educativa.

                                        

A pesquisa – coleta de dados

A pesquisa foi realizada no Complexo do Alemão e nas ruas do bairro de Bonsucesso entre os meses de abril e novembro de 2014. A equipe contou com a participação de 25 alunos voluntários de graduação (Serviço Social, História e Psicologia), e 02 professoras do Curso de Serviço Social da UNISUAM/RJ na condição de coordenadoras. A equipe de campo realizou entrevistas com moradores de diversas idades e a condição para inclusão na pesquisa era a região de moradia, que deveria se restringir a Bonsucesso (além da área do Complexo do Alemão localizada no bairro).

De acordo com a perspectiva histórica critica que norteou o desenvolvimento do projeto, inexiste neutralidade na pesquisa. Toda e qualquer ação que permeia esse processo é direcionada pela visão de mundo, pelo norte teórico que ilumina a ação, pelas finalidades que se busca atingir. Nesse movimento, não existe uma imposição, isoladamente, do sujeito ou do objeto. Em uma perspectiva dialética ambos são constituídos “pelo processo histórico-social. Um depende do outro e ambos dependem da realidade histórica” (Severino, 1994, p.138). O real “se constitui da totalidade do universo, totalidade esta que vai realizando um processo histórico, do qual cada momento é resultante de múltiplas determinações (naturais, sociais, culturas)” (idem).

Em um processo dialético de conhecimento da realidade é fundamental “a critica e o conhecimento critico para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico-social” (Frigoto, 1999, p.81). Nessa direção, “a teoria materialista histórica sustenta que o conhecimento efetivamente se dá pela práxis. A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão teórica sobre a realidade não é reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação para transformar” (idem).

As informações coletadas originaram-se de fontes empíricas, com base em um instrumento construído em conjunto com os sujeitos envolvidos, além de fontes documentais, relativas à segurança pública e aos Direitos Humanos.

Decidiu-se pela utilização integrada das metodologias da pesquisa quantitativa e qualitativa, privilegiando-se essa última, na medida em que “parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vinculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade dos sujeitos; (...) o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado” (Chizzotti, 2001, p.79).

Os debates relativos à construção de um país democrático, iniciadas com a Constituição de 1988, se ampliam para os diversos âmbitos da vida social e consagram os princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que articulou em seus artigos um sistema de proteção aos Direitos Humanos no Brasil. Afirma em seu texto que um dos fundamentos da república é a dignidade da pessoa humana, que constitui o suporte de todos os Direitos Humanos consagrados.

Nesse sentido, a partir de meados da década de 1990 um debate em torno da construção de uma segurança pública cidadã toma corpo, buscando romper com a violência como obstáculo ao pleno gozo da cidadania; avança-se rumo à proteção plena da cidadania, embora uma perspectiva de proteção à pessoa e ao patrimônio ainda permaneça como relevante. Uma aproximação de fato com uma política de segurança cidadã se materializou no novo século com a criação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), o que demonstra o desejo por uma política cujo foco seja o cidadão.

A perspectiva de segurança cidadã defende uma abordagem multidisciplinar para fazer frente à natureza multicausal da violência, em que políticas públicas setoriais são implementadas de forma integrada, com vistas à prevenção à violência. Nesse sentido, não se busca somente a ação das forças policiais, mas se reserva espaço de atuação para as mais diversas políticas setoriais, como educação, saúde, esporte, cultura, dentre outras.

Outra medida que segue a mesma direção é a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) em 1997, cuja função primordial é assessorar o Ministro da Justiça na definição e implementação da política de segurança pública em âmbito nacional, além de acompanhar sistematicamente, em todo o território nacional, as atividades dos órgãos responsáveis pela segurança pública. Esta secretaria tem como foco de atuação a articulação das unidades federativas, com vistas à estrutura de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) que não busca a unificação da segurança pública em âmbito nacional, mas a integração das ações, já que reconhece a autonomia dos Estados na implementação da política. Os eixos do SUSP são: 1) Gestão unificada da informação; 2) Gestão do sistema de segurança; 3) Formação a aperfeiçoamento de policiais; 4) Valorização das perícias; 5) Prevenção; e 6) Ouvidorias independentes e corregedorias unificadas.

O projeto das UPPs no Rio de Janeiro, seguindo esta direção, contribui para o debate sobre a política de segurança pública criada para as comunidades. As Unidades de Policia Pacificadoras policiais e sociais são apresentadas, hoje, como a ação mais significativa em termos de políticas públicas produzidas no Estado nos últimos anos.

            Porém, acreditando que segurança pública é o resultado da articulação de diversas políticas sociais, com o objetivo de defender, garantir e promover a dignidade humana, o esforço para levar políticas sociais de qualidade não acompanha o fortalecimento do policiamento ostensivo nessas áreas.

A pesquisa realizada no Complexo do Alemão e entorno (bairro de Bonsucesso) teve como propósito testar a eficiência e a eficácia desta política de segurança inovadora, buscando levantar a fala dos moradores a respeito do conhecimento demonstrado sobre as UPPs (policial e social), além da sua experiência com relação à violência no local. Procura-se, com isso, perceber os impactos dos novos direcionamentos dados à política de segurança no Brasil e, em particular no Rio de Janeiro, sobre a vivência e experiência cotidiana do cidadão.

Os dados foram levantados através de questionário aplicado em 2% da população residente no Complexo e no bairro de Bonsucesso (o bairro de Bonsucesso tem uma área de aproximadamente 219,97ha e tem uma população de 18 711 o IDH é de 0,861², nós utilizamos 2% desse número e teremos que alcançar, aproximadamente, 360 pessoas. Fonte: http://pt.wikipedia.org/w/index.php.).

O total de entrevistas realizadas com moradores do bairro foi de 472 e, embora demonstrem alto índice de conhecimento formal, isto é, ciência ou não da existência do programa, os entrevistados possuem um conhecimento bastante limitado do significado das UPPs como política de segurança para as comunidades carentes da Cidade do Rio de Janeiro. O receio de se expor também é verificado, quando o entrevistado prefere não responder a alguns dos questionamentos ou se recusa a opinar sobre sua concordância ou não com o projeto.

Embora parte do cotidiano da população, as UPPs instaladas no local não parecem ter trazido resultados significativos no que se refere à principal proposta de sua implantação: integração social e territorial dos moradores ao restante da cidade. Alguns segmentos, com os jovens, na verdade, apresentam um alto índice de rejeição ao projeto, em função do grau de interferência que o programa realiza em sua vida cotidiana e comunitária (cobranças a respeito das motivações para o trânsito pela comunidade, restrições no uso dos espaços públicos, limitações na realização de festividades e no uso e volume de aparelhos musicais e, em alguns casos mais pontuais, repressão ao modo de vida e circulação pela favela).

Gráfico 1 – IDADE DOS ENTREVISTADOS

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA.

TOTAL: 472 entrevistados

Gráfico 2 – SEXO

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

                   Quanto ao perfil dos entrevistados, de acordo com os gráficos, são jovens entre 15 e 35 anos, homens em sua maioria e com renda individual de até R$ 1.000,00. No que se refere à profissão, a maior parte dos entrevistados atua no setor de serviços, conforme é possível constatar no anexo 1. O anexo 2 apresenta a extensa lista de ruas de moradia dos entrevistados, demonstrando a abrangência e o alcance que a pesquisa obteve no bairro.

Gráfico 3: COR

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

Gráfico 4: Renda individual dos participantes

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

            A análise das respostas referentes ao conhecimento/desconhecimento do teor da atual Política de Segurança do Estado Rio de Janeiro indica que a propaganda e o noticiário têm sido eficientes em difundir a ideia das UPPs como possibilidade de vencer os desafios da retomada dos territórios controlados pelo tráfico. Por outro lado, no entanto, os impactos práticos desta intervenção ainda não foram percebidos pela população do bairro e do Complexo, considerando que 81% deles dizem não terem percebido uma redução nos níveis de violência na região. Esta percepção talvez tenha direcionado as respostas relativas à concordância ou não com a política desenvolvida pelo governo do estado. Considerando apenas as respostas diretas ao questionamento, 41% dizem concordar com a intervenção. Porém, ainda surpreende o número de pessoas que não sabem dizer ou preferem não se manifestar sobre o assunto. Isto indica que a política do medo, um dos pilares da implantação das UPPs, ainda não foi superada.

Gráfico 2 – CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DAS UPPs

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

            Embora tenham conhecimento das linhas gerais da política de segurança representada pelas UPPs e muitos reconheçam os avanços representados por esta iniciativa, à desconfiança e incredulidade ainda são expressivas. Algumas das falas dos entrevistados demonstram sua visão sobre o programa:

  • “Ela serve para diminuir a criminalidade”
  • “Melhorar a vida das pessoas da comunidade e evitar o tráfico”
  • “Diminuir o tráfico de drogas”
  • “Diminuir a criminalidade nas comunidades”
  • “Tirar o poder do tráfico”
  • “Veio para dar mais tranquilidade e segurança para todos”
  • “Segurança e mais recursos para a comunidade”

A recusa em responder à pergunta referente à aprovação da política, representando 30% do total de entrevistados, indica, por um lado, o receio que ainda impera no tratamento da questão da violência e do tráfico em comunidades carentes, por outro lado, revela a indiferença em relação aos rumos das políticas públicas na área da segurança, que recorrentemente não atendem às expectativas da população e, em recorrentemente, reforça o estigma atribuído a ela: “Duplamente excluídos por serem “outros” e por serem “incultos” e “perigosos”, os pobres urbanos vivem, neste olhar etnocêntrico e homogneizador, o avesso da civilização” (Zaluar, p.12), vistos como “classe perigosa” (Valladares, 1991).

Gráfico 3 – APROVAÇÃO/DESAPROVAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA DE SEGURANÇA REPRESENTADA PELAS UPPs

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

            Os relatos dos entrevistados demonstram sua incredulidade, mas também a esperança de que esta solução, uma vez que se torne permanente, seja aprimorada e logre sucesso, expressando seu desejo de “que fosse algo para ficar de vez”; reconhecendo que “a demanda é grande demais para os policiais”; “o governo tem que se empenhar para isso dar certo”; “se eles continuarem empenhados no projeto vai dar certo sim”; “ainda precisa de muito trabalho, porém em um futuro próximo funcionará”; “na parte da rua em que moro diminuiu os assaltos com a chegada da UPP”.

Gráfico 4 – MUDANÇAS PERCEBIDAS QUANTO À VIOLÊNCIA NO LOCAL APÓS A IMPLANTAÇÃO DAS UPPs

FONTE: PESQUISA ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS MORADORES DE BONSUCESSO A RESPEITO DA INSTALAÇÃO DAS UPPs POLICIAL E SOCIAL NO COMPLEXO DO ALEMÃO, UNISUAM, 2014. COORDENAÇÃO: DRA. LIDIA MEDEIROS E MS. NEWVONE FERREIRA DA COSTA

TOTAL: 472 entrevistados

Os resultados demonstram que o panorama mudou pouco, sobretudo sob o ponto de vista da experiência pessoal dos moradores com a integração ao restante da cidade e à sensação de segurança dentro das comunidades e no bairro.

A tentativa de integração das comunidades carentes da cidade ao restante da cidade representada pela retomada dos territórios por parte das forças de segurança pública tem esbarrado nos mesmos impasses de outras políticas (como o Programa Favela-Bairro; POUSO; Morar Carioca; PAC etc.) que, sob o ponto de vista urbanístico tinham a mesma perspectiva: a desconfiança dos moradores das favelas e a adesão limitada dos moradores do “asfalto”.

            A política de pacificação das favelas do Rio de Janeiro, iniciada em dezembro de 2008, tem sido objeto de reflexão por parte dos pesquisadores, movimentos sociais e população em geral. Trata-se de um exemplo pratico de um policiamento tipo comunitário, com seus problemas e percalços, que idealmente deveria aproximar a policia e a comunidade em áreas onde o histórico desse relacionamento é ruim e persistem altos níveis de violência e pobreza que é o caso do Complexo do Alemão.

            O conceito de policiamento comunitário envolve a noção de participação social, pois esta baseado em relação de reciprocidade, confiança e aproximação entre as forças policiais e a sociedade civil, respeitando sempre a Declaração dos Direitos Humanos. Esta aproximação deve ser construída por meio de diálogo entre as policias e a sociedade para a busca conjunta da solução dos problemas de segurança pública.

            Embora tenha grau variável nas diferentes UPPs instaladas, pode-se dizer que no Complexo do Alemão a aproximação entre a polícia e a comunidade enfrenta, em geral, dois grandes obstáculos. Por um lado, a estrutura da policia, sobretudo a militar, que é fortemente hierarquizada e hermética. Por outro, o medo que os moradores têm de sofrer retaliação por parte de membros de grupos armados de facções criminosas diferentes no Complexo do Alemão.

            Outro elemento fundamental é a UPP social que tem a função de estabelecer o dialogo com atores locais, com vistas a articular as demandas da comunidade a oferta de serviços públicos por diversos órgãos das secretarias de governo municipal e estadual. Porem no Complexo do Alemão a UPP Social não funcionou e isso fez com que a organização da sociedade civil ficasse reduzida para nenhum diálogo. Houve um esvaziamento das associações de moradores como mobilizadoras de reivindicações de melhorias urbanas

            Analisamos que existe essa lacuna no programa de pacificação do Complexo do Alemão, que é a ausência de instituições publicas para cumprirem o papel de UPP Social.

 

 

Considerações finais

            Nesse cenário de violências e crimes, vítimas e vitimizadores,      descobrir, apurar, trazer a tona, investigar socialmente, buscar, revelar, correr atrás, localizar, identificar, mostrar são ingredientes palpitantes da pesquisa.

Os desafios por políticas públicas de enfrentamento dessa problemática continuam postos, consideram que a articulação dos órgãos de segurança pública nos seus níveis local, estadual e federal, é fundamental para elaboração e execução de políticas em interfaces com as demais políticas públicas (especialmente educação e saúde) e a sociedade civil local no enfrentamento mais estratégico da criminalidade e da violência.

Neste sentido, não podemos desconhecer a importância de políticas de intervenção e que estas são de fato necessárias para desafiar e alterar os dados da criminalidade e da violência urbana que atinge a vida de parcela significativa da população do Complexo do Alemão e do Bairro de Bonsucesso.

Contudo, não podemos ignora a estratégia de serem “políticas de intervenção que tenham sempre por referência o chão que elas pisam, os contextos de vida (objetivo, subjetivo e trajectivos) daqueles a quem elas se dirigem” (PAIS, 2010, p. 141). No que se refere à participação da população nestas políticas a questão fundamental ainda indica uma intervenção quase sempre voltada para uma “educação para o trabalho” colado ao conceito de cidadania normativa e, portanto, definida como “categoria estável de direitos e obrigações”. Ainda, para este autor: “raramente essa problematização questiona o sentido do sistema de educação que temos a desigual estrutura de oportunidades de sistema de emprego...” (PAIS, 2010, pp.141-2).

No caso desse estudo, expomos, pelo menos, dois aspectos a ser considerados pelas políticas públicas: primeiro, o enfrentamento da drogadição e o desarmamento, tendo em vista que o Bairro de Bonsucesso e Complexo do Alemão não contam com uma saúde, uma assistência social efetiva, ainda não contam com diagnósticos precisos sobre a problemática das drogas e, ainda mais, quando associada à utilização de armas de fogo, que lhes possibilitem elaborar políticas públicas de enfrentamento dessa realidade;

Por fim, que reflexões e ações se apresentam frente ao dimensionamento que assumem as questões vivenciadas pela população dos territórios estigmatizados como os complexos de favelas do Rio de Janeiro. A discussão pode se aprofundar na relação com a força das organizações da sociedade civil, no poder de articulação e pressão dos seus dispositivos de interlocução com os gestores públicos para horizontalização das políticas públicas nessas áreas, com ênfase na ampliação e integração de políticas e ações setoriais de intervenção de curto, médio e longo prazo, trazendo e fortalecendo os Direitos Humanos.

Considerando, ainda, o fato de que a problemática da criminalidade e da violência não se soluciona apenas com ações e intervenções policiais, são questões que dizem respeito à resolução negociada dos conflitos e tensões da convivência urbana, sem desconhecer as práticas legais e ilegais que dizem respeito à racionalidade da vida em sociedade e de funcionamento dos dispositivos estatais. Portanto, são questões que estão relacionadas às condições de possibilidades da segurança urbana nas sociedades democráticas, nos seus espaços públicos e na convivência com os diferentes e iguais. Essas são questões que desafiam os governos democráticos e suas políticas.

Referências Bibliográficas.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 2001.

FRIGOTO, G, O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA. I, (org). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1999.

PAIS, José Machado. Lufa-lufa cotidiana: ensaios sobre cidade, cultura e vida urbana. Lisboa: ICS, 2010.

RODRIGUES, Maria de Lourdes Alves. Formação de Conselheiros em Direitos Humanos, Secretaria Especial dos Direitos Humanos .Ágere Cooperação em Advocacy: 2007.

SEVERINO, A.J. Filosofia. São Paulo: Cortez,1994.

VALLADARES, Licia do Prado (1991). Cem Anos Pensando a Pobreza (Urbana) no Brasil. BOSCHI, Renato (org.) Corporativismo e Desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, Rio Fundo Editora. pp.81-111.

ZALUAR, Alba. A Máquina e a Revolta.As organizações populares e o significado da pobreza.Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 1985.

 



[1] Agradecemos à UNISUAM pelo apoio para a realização desta pesquisa, sobretudo a Coordenação de Pós-graduação e Pesquisa e a Coordenação do Curso de Serviço Social.