AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013 E SEUS REFLEXOS EM 2014

 

Resumo: Este artigo parte de uma reflexão política, a partir da compreensão de ideologia, consciência coletiva, movimentos sociais e Estado, obtidas da análise das manifestações ocorridas no Brasil em Julho de 2013 e sua influência no desfecho das eleições de 2014, sob a ótica de teóricos da chamada sociologia contemporânea, sociologia política e teóricos dos movimentos sociais. Pretendemos contextualizar as concepções de autores como Alberto Melucci, Carlos Eduardo Sell, Bourdieu, Giddens e outros, com os elementos expressos no fenômeno. Nesse sentido, buscamos compreender as manifestações como elemento de conquista e mudança da forma de relação estabelecida entre o governo brasileiro e a sociedade atual, partindo do panorama da atuação do capitalismo na sua forma atual, “globalizado”, sua relação com a esfera politica e as consequências desse panorama.

Palavras chave: Crise politica, ideologia, falsa consciência e falsa representação.

Resumen: Este artículo es parte de una reflexión política, desde la comprensión de la ideología, conciencia colectiva, los movimientos sociales y el Estado, obtenido a partir del análisis de los acontecimientos que tuvieron lugar en Brasil en julio de 2013 y su influencia en el resultado de las elecciones de 2014, desde el punto de vista de los teóricos de llamar la sociología contemporánea, la sociología política y los teóricos de los movimientos sociales. Tenemos la intención de contextualizar las opiniones de los autores como Alberto Melucci, Carlos Eduardo Venta, Bourdieu, Giddens y otros, con los elementos expresados en el fenómeno. En este sentido, entendemos las manifestaciones como elemento de progreso y cambiamos la forma de la relación establecida entre el gobierno brasileño y la sociedad actual, basado en el rendimiento del panorama del capitalismo en su forma actual, "globalizado", su relación con la esfera política y las consecuencias de este panorama.

Palabras clave: crisis política, la ideología, la falsa conciencia y representación falsa.

1 – Introdução

            O presente trabalho vai de encontro a um esforço de compreender teoricamente a ligação entre as manifestações de Julho de 2013 e as eleições de 2014 Ocorridas no Brasil, a fim de elucidar um debate sobre uma “realidade social” brasileira. De acordo com o papel da sociologia, procuramos levantar aspectos dessa realidade e ao mesmo tempo construir condições para uma compreensão expansiva da mesma. Considerando que um dos papeis da sociologia é revelar para a sociedade suas diferenças impostas no tempo e no espaço, tal como suas ações e condições de forma abrangente, isto é, a partir da *consciência coletiva construir a *consciência em si. Nesse processo, que é histórico, a política da qual partilhamos atualmente é baseada na política de representação, tal modelo, teve sua origem no estado de bem-estar social na primeira metade do século XX com ações assistencialistas do governo para a sociedade no contexto de crise, contudo, a partir de então, muitos países como o Brasil desenvolveram uma série de direitos sociais e inclusive o direito de propriedade privada, que, também era uma emergência liberal útil ao sistema capitalista. Foi exatamente nesse sentido que se fundamentou um dos argumentos em defesa do liberalismo econômico e neoliberalismo, e essas, foram as condições fundamentais para o estabelecimento do modelo social atual, que é a formação do capitalismo globalizado e sua relação consubstancial com os Estados Nação.

            A opção de analisar as manifestações surgiu exatamente dessa reflexão, por compreender que o problema das manifestações está na essência dessa estrutura social descrita acima, onde o capitalismo depende do Estado e o Estado depende do capital e juntos dependem da manutenção da ordem antagônica da sociedade, nesse contexto, emergem as contradições desse sistema. A principal contradição revela que um País como o Brasil, inserido na globalização como uma economia emergente, no auge do governo petista que internamente implementou sua política baseada em programas assistencialistas e construiu uma imagem populista de representação da grande camada de baixa renda da sociedade brasileira, acabou encontrando seus limites de aceitação na contradição entre sua política internacional e sua política interna. Compreendemos também que essa reflexão nos remete a analisar fenômenos que se expressam como consequências dessa estrutura, essa é a primeira característica das manifestações que pretendemos tratar a seguir.

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*Ver conceito de sujeito coletivo em similaridade com o conceito de consciência coletiva em: SADER, Eder. Ideias e questões. In: Quando novos personagens entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-1980. RJ: Paz e Terra, 1988. Pág. 55

*Ver conceito de consciência em si em: MARX, Karle ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Ed. Martin Claret. 3ª ed. São Paulo, 2009.

2 – As manifestações e suas características

            Para contextualizar as características das manifestações pretende-se começar pela compreensão de que o fenômeno foi uma consequência da formação da estrutura da sociedade atual, nesse processo, continuamente houve manifestações, desde o fim da ditadura militar com a emergência da democracia política na essência dos movimentos sociais. Porém, essa emergência culminou em um reajuste político em favor do neoliberalismo econômico, nesse contexto, a divisão social já estava posta e, portanto a dependência econômica do país também. Essa era a expressão de uma nova roupagem do capitalismo que deveria manter a ordem, Por outro lado, historicamente o capitalismo apresentou crises cíclicas decorrentes de sua lógica de expansão, e, certamente a crise dessa nova forma se expressa em crises no interior dos Estados-Nação dependentes, na contradição entre as políticas interna e externa de governos que tentam operar a política de representação, portanto a crise do sistema revelada pela inconformidade dos manifestantes quando levantaram a bandeira da reforma política, é a primeira característica tratada nesse trabalho. Mas, no caso, as manifestações de Julho de 2013 estiveram entrelaçadas em duas dimensões distintas, de um lado, o conflito antagonista, do outro, a crise. De acordo com Melucci.

“A crise se refere sempre aos processos de desagregação de um sistema: disfunções nos mecanismos de adaptação, desequilíbrio entre partes ou subsistemas, paralisias ou bloqueio de algum destes, dificuldade de integração. A amplitude e a qualidade de uma crise dependem, naturalmente, dos níveis dos sistemas que são atingidos. Uma crise provoca desintegração e induz reações que tendem a reestabelecer o equilíbrio. Um conflito antagonista, ao contrario, manifesta uma oposição que diz respeito ao controle e à destinação de recursos cruciais. Na história concreta de uma sociedade estas duas dimensões estão frequentemente entrelaçadas e tornam mais difícil a análise dos processos de mobilização coletiva”. (Melucci. 2001. P.34).

            A revolta das manifestações de forma depressiva em relação aos símbolos do sistema capitalista como bancos, lojas de grife, lojas revendedoras de automóveis, e ao mesmo tempo expressando uma emergência por reforma política oriunda das mais variadas demandas como melhorias na saúde, educação, segurança e etc... Revela um estado de consciência coletiva da sociedade em relação à realidade social, essa é, portanto a segunda característica das manifestações.  Quando emerge um nível de consciência coletiva em ação coletiva, indica uma redução da falsa consciência estabelecida pelas instituições representativas de poder.

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            A terceira característica e não deixado de lado a analise de como começou as manifestação, foi o movimento crescente do movimento, o ação do MPL-“movimento passe livre” contra o aumento da tarifa de ônibus funcionou como um pavio de pólvora aceso para despertar revoltosos de todo país. Nesse contexto, em similaridade com movimentos internacionais como *Occupy Wall Street nos Estados Unidos, emergiu também a diversidade de individualidades interligadas e difusas nos movimentos do Brasil, como: os Black books, jovens, trabalhadores, partidários e etc... Conforme descreve Giovanne Alves.

“Trata-se de individualidades pulsantes de indignação e rebeldia criativa, cada uma com sua preocupação e dramas humanos singulares de homens e mulheres proletários; com sonhos e pequenas utopias pessoais capazes de dar um sentido à vida por meio da ressignificação do cotidiano como espaço de reivindicação coletiva de direitos usurpados”. (Giovanni Alves P. 36).

            A quarta característica foi a organização das manifestações via rede social num movimento de interação e colaboração que ajudou a tomada das ruas das grandes capitais brasileiras simultaneamente, mostrando que os movimentos sociais não dependem exclusivamente de uma organização dirigida ou a uma liderança, ou ideologia comum para que seus adeptos se utilizem dos recursos e ferramentas disponíveis para o implemento da ação.

A quinta característica é o fato das manifestações emergirem no contexto de pré-copa do mundo de futebol, nesse contexto, o governo brasileiro buscava casar com sua política de alta representação interna o grande evento produto da FIFA que é uma das mais altas instituições representativas do capitalismo globalizado, seria uma grande sacada de um governo que tinha altos indicadores de satisfação popular e sua intenção de se alto representar entre as grandes potências econômicas mundiais. No entanto, no ato de pronunciamento de abertura do evento feito pela presidenta Dilma, a cena foi marcada por uma vaia que um estádio de futebol inteiro lhes dirigia com transmissão ao vivo em rede mundial e as manifestações eclodindo nas grandes cidades do país. Ainda assim, a presidenta Dilma seria reeleita em 2014. Vejamos como esse fato se deu sob a análise de alguns aspectos.

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*Ver movimento Occupy Wall Street em: ALVES, Giovanne -  http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Movimentos-Sociais/Ocupar-Wall-Street-e-depois-%0D%0A/2/17889. Acesso em 08/12/2014.

3 – Falsa consciência e falsa representação

            Obviamente o que impulsionou as manifestações foi um conjunto de fatores, porém, pretende-se chamar a atenção para o fato de o fenômeno ter expressado uma crise na funcionalidade das estruturas dominantes sobre as classes dominadas no que diz respeito ao estabelecimento de regras e imposições de poder. Levando em consideração a *tradição idealista neo-Kantiana, algo saiu errado quando a prefeitura de São Paulo tentou aumentar a tarifa de passagem de ônibus ao mesmo tempo em que o Governo Federal inaugurava obras em que havia investido desproporcionalmente em ralação às demandas sociais para a realização do evento.

            “... Na tradição idealista, a objetividade de sentido de mundo define-se pela concordância das subjetividades estruturantes (senso = consenso)”. (Bourdieu. 2005. P. 8).

            Sob a ótica dessa definição, entende-se por concordâncias das subjetividades estruturantes a sociedade instituída como tal, dialeticamente antagônica, onde a passividade ocorre por meios de uma falsa consciência implantada na classe dominada por sistemas simbólicos arbitrários de representação de poder e legitimação da classe dominante que funcionam como estruturas estruturantes.

            “... O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo”... (Bourdieu. 2005.)

            Porém, as manifestações chegaram muito perto de uma interferência na funcionalidade da ordem pública, no momento em que a ameaça foi real, foi o momento mais tenso do fenômeno, e isso pode ser considerado como um indicativo de que houve uma falha na imposição da falsa consciência que a classe dominante faz sobre a classe dominada com a fantasia do grande evento esportivo, conforme descreve Bourdieu sobre a tradição marxista a respeito das produções simbólicas como instrumento de dominação.

“A cultura dominante contribuiu para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os de outras classes); para a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida”. (Bourdieu. 2005. P. 10).

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*Ver tradição idealista neo-Kantiana como instrumento metodológico de apreensão do modus operandi, da lógica especifica de cada uma das formas simbólicas em: BOURDIEU, Pierre. Sobre o poder simbólico. Introdução a uma sociologia reflexiva. A gênese do conceito de hábitos e de campo. In: O poder simbólico. RJ: Bertrand Brasil, 2005. Pág. 9.

 

            Entre as condições favoráveis para a eclosão do fenômeno, observam-se duas que podem ser consideradas como fundamentais. A primeira é fato do aumento da tarifa de ônibus não ter atingido somente a classe trabalhadora do grande centro urbano, mas, ter atingido a classe estudantil que na essência de sua categoria distinguida pelo gênero da juventude, traz em si uma força motriz de mobilização por seus ideais. Historicamente e culturalmente o *modo de ser jovem e acima de tudo estudante, traz em si a capacidade de integrar as diferenças na interação social natural e também as ideologias e perspectivas diversas num processo de fusão no mesmo espaço físico caracterizando uma unidade entre as diversas individualidades no processo de mobilização.

            Outra condição consideravelmente fundamental foi o uso das redes sociais como recurso potencial de abrangência que certamente influenciaram na proporção das manifestações em massa, esses recursos também tiveram a função de condução no processo de mobilização, numa espécie de difusão de ideias nas redes sociais para depois uma fusão nas ruas. Obviamente, essa é uma característica do fenômeno na era moderna, que inclui aproveitamento dos recursos tecnológicos, certamente, isso influencia na crise do estabelecimento da falsa consciência pelo recurso da informação aberta nas redes sociais, como diria Giddens.

“... A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constantemente seu caráter”. (Giddens. 1991. P. 45).

4 – Ideologias

            No que diz respeito à posição do governo diante do fenômeno e as ideologias das próprias manifestações, é possível partir dos pressupostos das analises de ideologias políticas de Carlos Eduardo Sell, pois, através deste autor é possível obter uma via de compreensão do fenômeno e enquadrar as manifestações e a ação política do posicionamento do governo brasileiro em duas categorias e modelos distintos. De acordo comeste autor, ideologias podem ser classificadas em duas categorias. A primeira refere-se a ideologias no sentido negativo; falsas ideias. A segunda refere-se a ideologias no sentido positivo; projetos políticos.

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*Ver sobre o modo de ser jovem em: MELUCCI, Alberto. Para uma teoria dos movimentos sociais. In: A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Tópico 2. Ser jovem, uma escolha ou um destino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

No sentido negativo, considerando o conceito marxista de que “... as ideologias são justamente as ideias que a classe proprietária dos meios de produção difunde para legitimar e perpetuar sua dominação”. (Sell, 2006. P.52). Neste sentido, se enquadra a forma pragmática da ação e o posicionamento do governo brasileiro diante do fenômeno, com o discurso que caracterizava uma proposta de reforma política, dava a falsa impressão que o governo estaria reconhecendo as demandas das manifestações e seguiria um programa político ajustado em relação a elas. Porém, as ideias proposta pela presidenta Dilma mostraram em pouco tempo decorrido das manifestações, aquela posição foi uma retomada na ideologia da instituição da falsa consciência, com o objetivo de reestabelecer a concordância entre as subjetividades estruturantes e a passividade dentro da sociedade antagônica.

            No sentido positivo, considerando o conceito de Norberto Bobbio, esse autor diz que:

“Ideologia no sentido positivo ‘designa o genus, ou a species diversamente definida, dos sistemas de crença política: um conjunto de ideias e de valores respeitantes a ordem publica e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos’”. (Sell, 2006. P. 52).

            No segundo sentido se enquadram as manifestações, por expressarem que eram movidas por sentidos que visam o bem comum, um pensamento coletivo da uma parte expressiva da sociedade que expuseram propostas e projetos políticos.

            Para Sell, “... cada ideologia contém uma determinada visão de como deve ser organizada a sociedade e qual deve ser a relação entre a sociedade e o Estado”. (Sell, 2006. p. 56). As manifestações reivindicavam uma série de direitos negados pelas ações políticas do governo brasileiro que se postava como desviado de princípios que fundamentam uma sociedade organizada no sentido amplo.

5 – Conclusão

Segundo Sell, as ideologias políticas estão sempre ligadas a grupos sociais, movimentos e partidos políticos, no caso das manifestações, cada reivindicação expressava uma demanda de uma classe distinta como os usuários de transporte publico em São Paulo, os profissionais de saúde e educação e segurança, a negação à PEC 37 pela democracia e etc... Esse panorama mostra que as manifestações formavam um conjunto de ideologias que compunham uma forma geral organizada no sentido de bem comum para a diversidade. No entanto as manifestações não produziram na prática uma ruptura entre sociedade e governo, de fato, os adeptos daquele movimento representavam um numero pequeno diante eleitorado nacional, mas, ao seu termino, as manifestações deixaram para a sociedade uma expectativa de qual seria sua influencia nas urnas em 2014. A presidenta Dilma foi reeleita, mas, as manifestações anteciparam em pouco mais de um ano a instabilidade do governo e divisão da sociedade vistas no resultado das eleições. O movimento também produziu uma perspectiva de que para alcançar as mudanças, certamente é pela via da educação livre e não ideologicamente e socialmente padronizada para a reprodução da sociedade passiva, a perspectiva diz que é necessário lutar pela democracia e por uma otimização das funções da tecnologia da informação, no sentido de aproveitamento amplo como um recurso para uma emancipação social no sentido de superação da falsa consciência para a inversão das falsas representações.

           

             

REFERENCIAS:

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991. Introdução. Pág. 45.

MELUCCI, Alberto. Para uma teoria dos movimentos sociais. In: A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. Pág.34.

SELL, Carlos Eduardo. Introdução à sociologia política: Política e sociedade na modernidade tardia. Rio de Janeiro: Vozes, 2006. Pág. 51-78.

SADER, Eder. Ideias e questões. In: Quando novos personagens entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-1980. RJ: Paz e Terra, 1988. Pág. 55

BOURDIEU, Pierre. Sobre o poder simbólico. Introdução a uma sociologia reflexiva. A gênese do conceito de hábitos e de campo. In: O poder simbólico. RJ: Bertrand Brasil, 2005. Pág. 8-10.

ALVES, Giovanne. Em: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Movimentos-Sociais/Ocupar-Wall-Street-e-depois-%0D%0A/2/17889. Acesso em 08/12/2014.