AS LEIS SECRETAS DA ECONOMIA

O Brasil tem, além da jabuticaba, a peculiaridade de subverter as leis normais da Economia sempre que parece conveniente. No país de saborosa história, garantidora de que um prefeito teria determinado a revogação da Lei da Gravidade que dificultava determinado projeto, tudo pode acontecer.

Porém a Economia tem alguns princípios, tão singelos quanto inescapáveis, e que afetam todos, de países a pessoas físicas:

a) se a soma das partes for mantida maior do que o todo, por tempo demasiado, haverá consequências, e não serão boas;

b) não há almoço grátis, ou, na versão de Machado de Assis citada por Gustavo Franco: “não se pode ir à Glória sem pagar o bonde”.

Isso impede ou dificulta sobremaneira a subversão pretendida, ou ainda, cria tal confusão que as crises cíclicas e normais da economia repetem-se em ciclos anormais em nossas paragens.

Gustavo Franco conviveu com dois observadores privilegiados e mordazes da economia brasileira: Roberto Campos, que dispensa apresentações, e Alexandre Kafka (parente distante), representante do Brasil no FMI por décadas. Campos e Kafka sistematizaram seu assombro com o que observaram em dez leis que regeriam nossa economia, as chamadas Leis do Kafka, a partir da constatação de que “a economia brasileira não obedecia a nenhuma das leis conhecidas e, portanto, deveriam ser investigadas as normas secretas de seu funcionamento”. Franco atualizou essas leis, ampliando-as consideravelmente, para 74 “leis, axiomas e maldições” que, a seu ver, ainda são insuficientes para abranger todo o “método da nossa loucura” e nos dá: As leis secretas da economia – revisitando Roberto Campos e as Leis do Kafka.

Não se trata de um livro de economia para não economistas, ainda que os profissionais de área possam dele tirar grande proveito, e nós outros, leigos, também tenhamos muito a ganhar com sua leitura. O talento, o conhecimento, e o senso de humor de Gustavo Franco produziram uma obra que nos revela como foram (e continuam sendo) feitas muitas mágicas, algumas maldades, e uma ou outra salsicha, nos mais altos escalões da República.

São seis blocos, cada um abrangendo um conjunto das leis:

O mercado – Racionalidade coletiva e indeterminação. O mercado financeiro e de seguros em seu esplendor. O pequeno investidor que arrisca algum caraminguá lerá este tópico com apreensão, surpresa, talvez perda de ilusões de controle e, conforme o estágio de seus investimentos, às lágrimas ou gargalhadas ao entender, enfim, o que faz (fazem) com seu sofrido capital, e como. É mais uma vez o axioma das salsichas e das guerras; se soubéssemos como são feitas perderíamos o sono.

Autoridades e política econômica – Guia prático antropológico. Franco à moda de Sun Tzu ou de Maquiavel, discorre com todo o peso de ex-presidente do Banco Central do Brasil, sobre a Autoridade, no caso a Autoridade Monetária, e o convívio com o ofidiário das finanças nacionais. A Autoridade, longe da sabedoria que manda ouvir muito e falar pouco, deve ouvir tudo e só falar sim ou, com muito mais frequência, não. Uma esfinge silente. A maioria de nós jamais ocupará a posição de Autoridade Monetária, mas nunca se sabe...

Reguladores e bancos – Lógica pessoal, limites, regularidades e irregularidades. Regular a atividade bancária inclui, quem diria?, promover casamentos de conveniência e conjurar fantasmas. As fusões, aquisições, liquidações, passam por processos complicados, com recorrência a siglas quase exotéricas: PROER, PROES, FGC... no final, quase tudo acaba fazendo sentido, quase.

Decisões – Paixões, interesses e burocracias. [Lei do Kafka n.10, Da Conservação do Ente Burocrático] O ente burocrático é indestrutível, ou o instrumento é mais importante do que os objetivos, ou o fim serve aos meios.

Parágrafo único. Toda vez que dois órgãos públicos precisarem examinar o mesmo processo em separado, nenhuma decisão será tomada. E quando se tornar imperativa uma decisão consensual e negociada, ela terá o condão de manter tudo exatamente como sempre foi.

Finanças públicas – Sonhos e ilusões, o público e o privado. Há um princípio enunciado por John Maynard Keynes segundo o qual “em certos momentos, o gasto público feito de forma improdutiva e irresponsável pode ser a cura milagrosa para uma economia em depressão”. A afirmação é tomada em sentido absoluto por muitos administradores públicos, não levando em conta as ressalvas: em certos momentos e pode ser. O dinheiro público é gasto de forma improdutiva e irresponsável em quase todos os momentos, e espera-se pelo prometido milagre. A conta teórica do despautério é debitada à memória do pobre lorde. Não é sequer considerada a tese pela qual o dinheiro do governo emana do contribuinte, e em benefício público deve ser empregado.

[Lei Geral do Contingenciamento] O Orçamento Geral da União conterá todas as aspirações nacionais, mas como as possibilidades são muito limitadas, o secretário do Tesouro, ouvido o presidente, vai liberar dinheiro seletivamente, a fim de realizar os sonhos da nação que a conveniência política indicar.

Câmbio, preços públicos e globalização – As novas regras de um mundo plano. Roberto Campos (1961): “Libera-se a taxa de câmbio para promover exportações, mas limitam-se as vendas a fim de preservar o mercado interno. Estabelece-se o mercado livre de câmbio, mas quando este começa a se comportar livremente, reagindo à oferta e à procura, intervém a autoridade cambial para discipliná-lo”. Conforme constatamos, em mais de cinquenta anos tivemos muitas idas e vindas, mas a essência permanece a mesma.

[Teorema da Beligerância Encenada] As medidas de restrição às entradas de capital especulativo e covarde serão tanto mais eficazes, quanto mais agressivas e instáveis se mostrarem as Autoridades.

As leis secretas da economia comentadas por Gustavo Franco não passam de um grande espelho, e é fácil nos vermos refletidos, e ao nosso belo país tropical, indisciplinado, improvisador e um tanto malandro, que somente chega às soluções certas pelo processo estapafúrdio de primeiro tentar todas as evidentemente erradas. 

* Wanda Camargo – educadora e Assessora da Presidência das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.