As lágrimas de Gaia. 

                               O céu vai escurecendo lentamente. A cidade parece que vai ser abraçada pelo céu escuro. O vento pára. No horizonte se vê uma coluna esbranquiçada se aproximar. As gotas começam a cair. Milhões delas. Como um exército quase infinito, elas caem sobre tudo e sobre todos. Em segundos estão nos telhados das casas, nas copas das árvores, sobre as calçadas e sobre o asfalto. Sobre os guarda-chuvas e sombrinhas dos habitantes prevenidos. Nos corpos vestidos dos incautos. Sobre os veículos e no chão. O vento reaparece e faz com que elas avancem. Há um cheiro diferente no asfalto recém molhado. Por alguns instantes as ruas ficam desertas. Sob as marquises dos prédios, dos abrigos nas paradas e das copas das árvores da rua, o povo se protege ou tenta se proteger. O sinal de trânsito apaga ou interrompe o seu ciclo programado. Os carros no cruzamento gritam suas buzinas.                         

Faz correr as pessoas na rua. Faz fechar as portas e janelas das casas.  Faz o motorista ligar o para-brisa. Faz o moleque tomar banho. Água que faz nascer a semente, crescer a planta e amadurecer os frutos. Água, segundos antes gasosa e agora líquida, condensada pelo abraço entre os seus vapores na atmosfera. Água que entope o bueiro mal cuidado. Água que marca (ou marcava) a hora na cidade de Belém. “Não há nenhum ser, vivo ou não, existente na Amazônia, que não sofra a influência da água”, disse o cientista. Água que falta no Nordeste ou que está guardada no interior da terra ou na propriedade do mau político. Água que cai do céu. Água que lava e leva a terra. Água da chuva, a infinita bondade da natureza para saciar a sede de seus filhos, para lavar sua impurezas e afogar as suas mágoas. As lágrimas de Gaia.