Fernando Machado Albuquerque Fernandes

Graduando em Direito na Faculdade Luciano Feijão – Sobral, Ceará, Brasil

Assunção Nayara Silva de Melo

Graduanda em Direito na Faculdade Luciano Feijão – Sobral, Ceará, Brasil

Luana Ingrid Lino Lima

Graduanda em Direito na Faculdade Luciano Feijão – Sobral, Ceará, Brasil

 

INTRODUÇÃO

O texto parte da premissa de que a liberdade é a regra e a prisão a exceção, retirada da interpretação mais aceita para os direitos fundamentais, a que preleciona que as normas protetivas devem ser interpretação de modo mais abrangente possível e restritivas de forma que garante a menor violação possível (CF, 1988; DIMOULIS; MARTINS, 2014; STRECK, 2014).

Em sendo exceção, cabe ao ordenamento jurídico tipificar expressamente as hipóteses em que será admitida a violação da regra a permissão de prisão. O que é feito na Constituição Federal de 1988 (CF/88) e no Código de Processo Penal (CPP). A mera leitura dos dispositivos constitucionais referente à prisão fornece uma regra básica, pois ele começa com a expressão “ninguém será preso...”, para somente após estabelecer as ressalvas, “senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”.

O estudo do tema é relevante à medida em que estar-se diante de violação de um direito fundamental, a liberdade, sob a ótica da prerrogativa do Estado de exercer o poder punitiva, ius puniendi, porém este poder encontrar limites na Constituição e na lei. Frisa-se que a prisão processual é medida excepcional, e sua aplicação fora das hipóteses legais, representa clara afronta ao sistema acusatório, e as garantias fundamentais decorrentes dos princípios da não culpabilidade, legalidade e proporcionalidade, sempre analisadas a partir do caso concreto.

Caso estes direitos sejam violados ou estarem na iminência de violação, o constituinte originário estabeleceu a garantia do Habeas Corpus, medida gratuita de garantia da liberdade de locomoção (art. 5ª, LXXVII, CF/88).

Assim, o objetivo geral é analisar as hipóteses de cabimento da medida excepcional de restrição da liberdade na ordem jurídica brasileira. Para tanto, usa-se o método indutivo e a pesquisa bibliográfica e documental.

 

ESPÉCIES DA PRISÃO

 

Távora e Alencar (2017) ensinam que a prisão carcer ad poenam é a prisão penal propriamente dita, decorrente de uma pena (prisão-pena) em razão de uma sentença penal transitada em julgada. É uma sanção específica pela violação ou ameaça de um bem jurídico tutelado pelo direito penal. Eles ensinam, ainda, que a prisão carcer ad custodiam, por sua vez, é o cerceamento da liberdade sem uma condenação, é processual, cautelar provisória, precária ou pré-cautelar. Ela pode ser temporária, preventiva ou em flagrante delito.

1. Prisão Pena

Teorias e função geral da pena são duas, uma que sustenta que a pena deve ser aplicada como forma de resposta devido a prática de um crime, é a teoria absoluta ou retributiva. A outra teoria, a relativa ou preventiva, afirma que a pena tem a função de prevenir novo delitos, e pode ser geral – como forma de evitar novos crimes por outras pessoas – e específica – quando visa prevenir a ocorrência de crime por uma pessoa determinada (CUNHA, 2020).

É esta é a pena em razão de sentença penal condenatória com trânsito em julgado, a que ocorrer para cumprir em razão de um crime. Ela é a pena privativa de liberdade, a prisão propriamente dita, ocorre no fim do processo penal e é fixada nos termos dos art. 32 a 42, CP, (BRASIL, 1940).

 

2. Prisão Cautelar

O CPP estabelece medidas cautelares de natureza diversas, as de âmbito patrimonial, relativas à prova e pessoal. Este estudo aborda as medidas pessoais, pois são de restrição da liberdade, as que impõem “sacrifício da liberdade do sujeito passivo da cautela, ora em maior grau de intensidade (prisão preventiva), ora com menor lesividade (medidas cautelares diversas da prisão)” (LIMA, 2020, p. 786).

Ressalte-se que a aplicação dessas medidas cautelares não significa, sob quaisquer óticas, uma antecipação da pena, haja vista o mandamento constitucional de presunção de inocência ou não culpabilidade (CF, 1988). Além deste princípio norteador, outros muitos devem ser observados, em especial o da legalidade, que preleciona que a decretação de toda e qualquer espécie de medida cautelar de natureza pessoal está condicionada a manifestação fundamentada do Poder Judiciário, seja previamente, nos casos da preventiva e da temporária, seja pela necessidade imediata de apreciação do flagrante (LOPES JR, 2021).

3. Flagrante

Esta é a modalidade de prisão dita pré-cautelar, pois ocorrer antes mesmo de um pedido cautelar, ela ocorre no momento da ocorrência de um delito (TÁVORA; ALENCAR, 2017). Está prevista no art. 5º, LXI, CF/88, e nos CPP.

                                         Art. 5º ...

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; (grifo nosso) (CF, 1988)

 

 A prisão em flagrante está regulada nos art. 301 a 310, CPP, e pode ser conceituada como

uma medida pré-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h, onde cumprirá ao juiz (na audiência de custodia) analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão (agora como preventiva) ou não. (LOPES JR, 2021, p. 367)

Ela pode ser em decorrência de um flagrante próprio, quando o agente é surpreendido cometendo o crime, ou impróprio, quando o agente é perseguido logo após a infração penal (NUCCI, 2020a).

4. Temporária

Esta modalidade de prisão não está regulada no CPP, mas em uma lei esparsa, a lei nº 7.960/1989, e tem duração máxima estabelecida de cinco dias e de trinta dias quando se trata de crimes hediondos ou equiparados. Trata-se de uma “prisão cautelar, cuja finalidade é assegurar uma eficaz investigação policial, quando se tratar de apuração de infração penal de natureza grave” (NUCCI, 2020b, p. 953).

A referida lei estabelece que a prisão cabe em duas hipóteses: quando imprescindível para as investigações do inquérito policial e quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. Em quaisquer dessas hipóteses, deve-se ter de autoria ou participação do indiciado nos crimes previstos no art. 1º, III, da dita lei.

 

Art. 1º Caberá prisão temporária:

II - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art.158, caput, e seus §§ 1º e 2º);

e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);      

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);          

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);       

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

p) crimes previstos na Lei de Terrorismo (BRASIL, 1989).  

 

A prisão temporária não é diferente das demais em muitos aspectos, é cautelar, tem a finalidade de investigação no inquérito, seja policial ou do Ministério Público, é provisória e com tempo certo, tem, portanto, função de instrumentalidade (PACELLI, 2021). Tal como ocorre com a prisão pena, está também não entraremos em seus maiores detalhes, pois não é tema central deste estudo monográfico.

5. Preventiva

A prisão preventiva se consubstancia em uma prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, por intermédio de representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal, sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais (TÁVORA; ALENCAR, 2017). Seus requisitos estão nos arts. 312 e 313, CPP, saber:

 

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

§ 1º  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).  

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.    (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:         

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;         

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;  

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;   

IV - (revogado).  

§ 1º  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.  

§ 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. (BRASIL, 1941)

A leitura desses dispositivos mostra que a restrição do direito a liberdade de locomoção do acusado deve resultar não de uma simples ordem judicial, mas de um provimento jurisdicional qualificado por garantias mínimas, como a independência e a imparcialidade do magistrado (LIMA, 2020).

Segundo a redação do art. 282 do CPP, será ela determinada quando impossível a aplicação de medidas cautelares diversas, e desde que presentes os elementos do fumus comissi delicti e do periculum libertatis do agente, e sendo o crime doloso punível com pena máxima superior a 4 anos, ou sendo o agente condenado por outro crime doloso com sentença transitado em julgado, ou ainda, quando o crime envolver violência doméstica e familiar e diante da dúvida quanto a identidade civil do agente.

Em função desse caráter excepcional, o legislador, para fortalecer o sistema acusatório, promulgou a Lei nº 13.964/2019, Lei Anticrime, que acresceu ao art. 316 do CPP, o parágrafo único, para afirma que, uma vez decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal (NUCCI, 2020c). Este dispositivo será analisado mais profundamente em seção seguinte.

 

CONCLUSÃO

Do exposto, foi possível atingir o objetivo fixado de analisar as modalidades de prisão do Brasil, isso utilizando-se do método escolhido. Porém, antes, foi ficou constatado que a prisão é uma medida excepcionalísssima de restrição me liberdade, diante da regra geral que é a liberdade.

O Brasil admite quatro modalidade de prisões, um que é a decorrente de uma sentença penal transitada em julgado, denominado de prisão pena. Esta é a regra entre as prisões, ou seja, a que ocorre ao fim de um processo penal condenatório. Ela está voltada para os fins tradicionais da pena, a prevenção geral e específica, afastando-se da outrora função de vingança.

As outras três modalidades são as ditas processuais, provisórias ou cautelares, ocorrem em decorrência de alguns acontecimentos no decorrer de um processo ou na fase de inquérito, bem como antes disso quando estar-se diante da ocorrência flagrante de crime. As provisórias podem ser em flagrante, temporária ou preventiva.

A prisão em flagrante é a dita pré-cautelar, pois ocorrer antes mesmo de um pedido cautelar, ela ocorre no momento da ocorrência de um delito. A prisão temporária está na lei nº 7.960/1989, e tem duração máxima estabelecida de cinco dias e de trinta dias quando se trata de crimes hediondos ou equiparados.

A preventiva, segundo art. 282 do CPP, será ela determinada quando impossível a aplicação de medidas cautelares diversas, e desde que presentes os elementos do fumus comissi delicti e do periculum libertatis do agente, e sendo o crime doloso punível com pena máxima superior a 4 anos, ou sendo o agente condenado por outro crime doloso com sentença transitado em julgado, ou ainda, quando o crime envolver violência doméstica e familiar e diante da dúvida quanto a identidade civil do agente.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Palacio do Planalto, 1940. Disponível em: . Acesso em: 7 out. 2022

BRASIL. Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Palácio do Planalto, 1941. Disponível em: . Acesso em: 3 out. 2022

BRASIL. Lei no 9.760, de 21 de dezembro de 1989. Dispõe sobre prisão temporária. Palácio do Planalto, 1989. Disponível em: . Acesso em: 7 out. 2022

CF. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Congresso Nacional, 1988. Disponível em: . Acesso em: 3 out. 2022

CUNHA, R. S. Manual de direito penal: parte geral. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. v. único

DIMOULIS, D.; MARTINS, L. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

LIMA, R. B. Manual de Processo Penal. 8. ed. Salvador: Juspodvm, 2020. v. Único

LOPES JR, A. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

NUCCI, G. S. Código de Processo Penal Comentado. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020a.

NUCCI, G. S. Curso de Direito Processual Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020b.

NUCCI, G. S. Pacote Anticrime Comentado. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020c.

PACELLI, E. Curso de Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2021.

STRECK, L. L. Hermenêutica Jurídica e (em) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.

TÁVORA, N.; ALENCAR, R. R. Curso de direito processual penal. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.