As “Dez Pragas” do Rio e a Maldição do Planalto!

                                              "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. (João 8,32)

Antes de mais nada devo pedir permissão literária, ou melhor ainda, permissão poética, ao historiador e companheiro de lutas da Resistência (corrente do PSOL), Felipe Demier, para utilizar uma citação bíblica antes do início do texto. Também costumo utilizar citações antes de iniciar meus artigos, mas não lembro de já ter citado alguma passagem bíblica na abertura. É verdade também que Demier não se limita a citar passagens da Bíblia; é bastante eclético em suas escolhas, que vai desde Balzac (um dos preferidos de Marx) até o contemporâneo Renato Russo, passando evidentemente por Marx, Trotsky, Goya, Aristóteles, Platão, JJ Rousseau e muitos outros, entre eles o escritor Kafka, que para nosso desespero foi chamado de “kafta” (um espetinho típico da cozinha árabe) pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, do (des) governo medíocre e desprezível de Jair Messias Bolsonaro (JMB).

Um dos livros do Demier, lançado recentemente, com o título “Crônicas do caminho do caos: democracia blindada, golpe e fascismo no Brasil atual”, o artigo de apresentação do livro “Como foi possível?”, começa com a citação de um trecho da música “Há tempos” de Renato Russo, que tem tudo a ver com este artigo e com a conjuntura política nefasta imposta ao Brasil pós-Golpe de 2016 e depois da estratégia fracassada das elites econômica e política brasileiras, ser chancelada pela pífia votação de seu candidato e queridinho da FIESP, o ex-governador Tucano, Geraldo Alckmin. Quando tentaram consertar mais uma estupidez político-eleitoral que fizeram, se calar frente a chuva de “fake news” promovida e patrocinada pelos apoiadores do candidato, do até então desconhecido PSL (Partido do Laranjal), JMB e sua turminha braba parceira de milicianos, também moradores e vizinhos de seu Condomínio “Vivendas da Barra Pesada”. O resultado não poderia ser mais trágico: foi eleito um neofascista para representante maior do executivo brasileiro e, dessa forma, conduziram seus três fiéis escudeiros, conhecidos como 01, 02 e 03, para dentro do Palácio do Planalto. Tudo com apoio ideológico, ainda que tímido e em baixo tom, da maior rede de comunicações do Brasil, sempre a postos para defender seus interesses e de sua parceira de longa data, a FIESP; que apesar de viver em ninho tucano, nada fez para barrar o “messias” insano, preferindo pagar para ver o desastre já anunciado e garantido de acontecer.

Uma das questões denunciadas por Adorno, um dos grandes filósofos do século XX, foi a ameaça imposta pelo nazifascismo para a autodestruição da civilização.  

“A racionalização da sociedade humana, tem em última instância condenado ao Fascismo e a outros regimes totalitários como a completa negação da liberdade humana. Adorno concluiu que o racionalismo oferece pouca esperança à emancipação humana, que pode vir da arte e do panorama geral que oferece a preservação da autonomia individual e felicidade”. (Fonte: www.marxists.org/portugues/adorno/index.htm)

Apesar de milhões de brasileirxs não terem condições de perceber as armadilhas políticas contra a maioria da população, devido à secular falta de democratização dos meios de comunicação em nosso país, tudo tem a ver com a questão da verdade. Somente conhecendo a verdade é possível um povo ser soberano e livre de manipulações midiáticas econômicas e políticas visando preservar ou conquistar poder político. Não é possível conhecer a verdade e se libertar da escravidão ideológica, ouvindo os telejornais das maiores emissoras de TV, que são também empresas capitalistas e que por motivos óbvios não irão utilizar seus próprios meios de comunicação para se prejudicar ou defender políticas que possam inviabilizar seus interesses de lucro e acumulação de capitais. Hoje, a colonização não é mais de territórios além-mar. Hoje, a colonização é da mente, é ideológica, visando manter poder econômico e político. Somente o conhecimento, fruto da ciência, tem capacidade de nos libertar das artimanhas ideológicas de políticos e grandes empresários oportunistas e com interesses financeiros. Isto não tem nenhuma relação com preferência entre esta ou aquela emissora; tem a ver com interesses de classe. Já detalhei em outros artigos que a Rede Globo, que detém, em alguns horários, mais de 80 pontos dos índices de audiência, não toma partido ou defende este ou aquele candidato tendo como critério de escolha, se o candidato é simpático, bondoso ou vai olhar as grandes desigualdades sociais de nosso povo com maior determinação em combatê-las. O que se manifesta e decide, de fato, se as diretorias da Rede Globo, SBT, Record ou qualquer outra grande emissora, vai apoiar o candidato do partido “A” ou “B”, são interesses de classe, interesses comerciais e financeiros que possam viabilizar à TV Globo e as demais emissoras a manter sua capacidade de produzir fluxos de caixa para garantir seus lucros e acumular capitais em escala cada vez mais ampliada. Tem a ver com os interesses de uma empresa privada, pois apesar de ser, em alguns casos, concessão do governo federal, não cumpre as exigências do edital, e funciona com a mesma lógica mercantilista de uma empresa capitalista qualquer. O que se manifesta são interesses financeiros, lucro, superar ou eliminar o concorrente, conquistar novos mercados, acumular capitais e implementar as estratégias comerciais para a expansão e desenvolvimento de qualquer empresa capitalista. Não tem nada a ver com bondade, distribuição de prêmios no “Caldeirão do Huck” ou outro programa qualquer. As estratégias, para conquistar pontos na audiência, se utilizam de todos os tipos de fetiche ou formas de alienação para sensibilizar aqueles que garantem sua audiência e permitem, dessa forma, vender espaços para propagandas, comerciais, “marketing” e outros instrumentos de publicidade que viabilize aumentar as receitas para seus “Impérios da (des) Comunicação”, e com isto, garantir o principal objetivo do Modo de Produção Capitalista (MPC), que é a acumulação de capitais, e não, vender mercadorias e serviços, que são na realidade, meios, e não fins do sistema capitalista.

“E há tempos nem os santos

Têm ao certo a medida da maldade
E há tempos são os jovens que adoecem
E Há tempos o encanto está ausente
E há ferrugem nos sorrisos
E só o acaso estende os braços
A quem procura abrigo e proteção”

(Renato Russo, em Há tempos)

Feitas as considerações iniciais, falemos sobre as Pragas e a Maldição.

De 1983 a 2006 o Rio de janeiro foi governado majoritariamente por governantes de centro-esquerda, com grande apelo populista, trabalhista e nacionalista. Governaram o Estado do Rio, Brizola (1983 a 1987), Moreira Franco (1987 a 1991), novamente Brizola (1991 a 1994), Marcelo Alencar (1995 a 1998), Garotinho (1999 a 2002) e Rosinha (2003 a 2006). Benedita da Silva (PT) substituiu Garotinho por apenas nove meses, quando este teve que desincompatibilizar-se do cargo por conta da candidatura de sua mulher, Rosinha Garotinho. Mas, considerando os poucos meses de governo, não é possível uma análise justa, até porque, quando assumiu o governo, os projetos e programas já estavam definidos. Cabia a governadora se limitar a dançar a música, já escolhida, durante os nove meses que lhe restavam.

Com exceção de Brizola (Mar/83 a Mar/87 e Jan/91 a Jan/94), que tinha uma trajetória política em defesa de um programa de governo com ideias e projetos com características de um governo socialista, mas que não defendia de fato uma economia centralmente planejada como requer um governo socialista, todos os demais governadores são de centro-esquerda, centro ou de direita.

Moreira Franco (mar/87 a mar/91), notadamente um político de direita, ficha suja desde 1982, quando através da “Proconsult”, empresa responsável     pela contagem dos votos da eleição para governador do RJ, de propriedade de um ex-agente do SNI – Serviço Nacional de Inteligência, tentou dar um Golpe, na contagem dos votos; fracassado por conta da reação do candidato Brizola, que denunciou o golpe e conseguiu reverter a situação e garantir sua vitória. Além disso, responde por diversos processos há mais de trinta anos.

Se excluirmos esses dois casos totalmente opostos, todos os demais governadores são de centro-esquerda com apelo populista, como são os casos do casal Garotinho.

Marcello Alencar, não tem como defini-lo politicamente. Por isso é considerado um político de “centro”. É um quadro que tanto pode exercer um cargo de destaque num governo de esquerda, como foi com Brizola, como pode participar de um governo de direita. Como advogado defendeu presos políticos após o Golpe de 64 e durante a ditadura civil-militar que combatemos até 1985, ano de sua tão esperada falência e enterro. No primeiro governo de Brizola foi presidente do BANERJ, banco com papel fundamental em disponibilizar crédito para pequenos e médios agricultores e conceder financiamentos de médio e longo prazos para investimentos em projetos industriais e agrícolas para o interior de todo o Estado do RJ. Funcionava como ponta de lança, para as finanças do Estado do Rio, desde sua fundação em 1945, quando o RJ ainda era a capital federal do país. Era tão forte que possuía agências em todas as capitais brasileiras. O que fez, quando, pelo PSDB, governou o Estado do Rio de 1995 a 1998? Privatizou o BANERJ; entregou uma empresa que dava lucro para o Estado! É lógico que antes, fizeram tudo para inviabilizar financeiramente o Banco para justificar a privatização da parte boa. O passivo, a banda podre, ficou para os contribuintes pagarem com os impostos. Não satisfeito, entregou para o capital nacional e transnacional, diversas outras empresas importantes para o Estado, como a CERJ (Cia. de Eletricidade), a CONERJ (Cia. de navegação que operava a travessia Rio-Niterói), a CEG (Cia. de Gás), a FLUMITRENS (Cia. de Trens Urbanos), o METRÔ, e ainda extinguiu a CTC (Cia. de Transporte Coletivo). Sempre com o mesmo discurso Tucano de privatizar empresas públicas para liberar recursos para a saúde e educação. Pura falácia! Tanto no Estado do RJ quanto no governo federal, sob a batuta ágil e truculenta de FHC, no final de seus mandatos, a saúde estava mais doente e a educação mais pobre e medíocre.

Após 2007 o Estado do RJ foi (des) governado por Sérgio Cabral (Jan/07 a Jan/15), e Pezão (Jan/15 a Jan/19), dois políticos corruptos e envolvidos com toda espécie de crimes e esquemas armados para desviar recursos públicos que deveriam ir para a saúde, educação, assistência social e demais programas sociais do governo.

O governo Witzel (Jan/19 a ???/??), inaugura a fase da barbárie fluminense; a ordem é “mirar na cabecinha” de quem tiver portando fuzil e for localizado por atiradores de elite sobrevoando as comunidades em helicópteros da PM. Mas, para os que mantém um arsenal de 117 fuzis em casa, para vender ao chefe do tráfico que vai colocar nas mãos dos jovens, “soldados” do mesmo chefe do tráfico, o tratamento é “vip”, não só não tem mira laser na cabecinha como tem até mandado judicial, tudo dentro da lei, como deveria ser para todos os brasileiros!

Na cidade do Rio de Janeiro, a tragédia não foi diferente. O carioca teve que suportar durante os últimos trinta anos, cinco grandes desastrosos pesadelos: Marcello Alencar (Jan/89 a Jan/93), Cesar Maia (Jan/93 a Jan/97), Luiz Paulo CONDE (Jan/97 a Jan/01), novamente Cesar Maia; e dessa vez o castigo foi em dobro, o ex-Brizolista traidor, para desgraça dxs cariocas, ficou oito anos (Jan/01 a Jan/09); Eduardo Paes (Jan/09 a Jan/17), que gosta de posar de bom garoto, mas estava muito à vontade na “Farra dos guardanapos” em Paris no dia 14 de setembro de 2009, esbanjando dinheiro público num jantar regado a vinho, uísque, lagosta e bacalhau. E por último, a atual praga da cidade do Rio: Marcelo Crivella (Jan/17 a Jan/21).

De acordo com a Bíblia, as “Dez Pragas do Egito” foram dez calamidades que se abateram sobre os egípcios, uma vez que o “Faraó do Êxodo” se recusou a libertar os escravos Hebreus. A outra versão, que inclusive virou material para o documentário do cineasta James Cameron, chamado “O Êxodo decodificado”, associa as pragas à erupção vulcânica na ilha grega de Santorini (aquela das casinhas brancas), que fica bem próxima ao Egito.

As “Dez Pragas” que castigaram o Estado do Rio e a cidade do Rio - que sobrevive como “Cidade Maravilhosa” somente por suas belezas naturais e acima de tudo por conta da criatividade e teimosia dxs cariocas que insistem em não abandonar o barco -, são políticos eleitos com apoio de grandes empresários que exploram e destroem a cidade há décadas; eles têm nome e sobrenome: (1) Marcelo Alencar, (2) Cesar Maia, (3) Conde, (4) Eduardo Paes e (5) Crivella. As pragas e calamidades que atingiram todo o Estado do Rio, durante os últimos trinta anos; ou está preso, usa “tornozeleira eletrônica” ou já faleceu: (6) Moreira Franco, (7) Marcelo Alencar, que teve o privilégio de arruinar tanto a cidade do Rio quanto o Estado do Rio. Para completar o serviço sujo e decretar a falência do Estado do RJ, vieram a seguir: (8) Sérgio Cabral e (9) Pezão. O primeiro, não podemos negar, teve grande competência para quebrar o Estado do país que mais recebia participações especiais sobre a exploração de petróleo em águas fluminenses. Pezão, com apoio da máquina de Cabral, para fazer jus ao nome, mandou o pezão em cima dos trabalhadores e aposentados. Para aumentar a calamidade, imposta por Crivella, a nível municipal, surgiu, no vácuo do Golpe de Estado, da estupidez e ignorância bolsonaristas forjadas por “fake news”, o míssil balístico desgovernado, (10) Wilson Witzel, com seu arsenal bélico altamente diversificado e disposto a matar mais, mesmo que depois as estatísticas com credibilidade demonstrem que a violência não diminuiu. Nem que para isto seja preciso morrer mais jovens negros, mais pobres e mais moradores das comunidades da periferia e das regiões mais pobres da cidade já não tão maravilhosa.

Mas a tragédia anunciada para 2019, com Crivella destruindo o que sobrou na prefeitura do Rio, e com Witzel tocando o pavor no Estado, não seriam suficientes, pois, todas e quaisquer expectativas negativas que se poderiam esperar, vindas do Planalto, foram amplamente superadas. Depois do desastre com a eleição de Collor na década de 90, ninguém poderia imaginar que o Brasil poderia ter um presidente tão pior e medíocre como tem sido JMB. Mas, uma certeza nós temos, o Brasil tem hoje, um presidente que não tem a menor noção do cargo que ocupa e tem se demonstrado totalmente incapaz de governar um país continental do porte do Brasil, com mais de 210 milhões de habitantes, uma economia entre as dez maiores do mundo e extremamente multicultural. Para piorar ainda mais a conjuntura política, não consegue manter um mínimo de ambiente político estável por mais de três dias. E o mais grave é que não dispomos de meios que viabilizem a democratização dos meios de comunicação de massa, com destaque para a televisiva, que contribuam para aprofundar o debate e possibilitar, dessa forma, não sermos presas fáceis de armadilhas políticas e eleitorais características da disputa de interesses econômicos e políticos dentro da luta de classes.

No rastro dessa alienação midiática que já se arrasta há mais de 50 anos, pouco mais de cinquenta e sete milhões de brasileiros, ainda que, milhões já totalmente arrependidos, elegeram para presidente o único “Messias” que faz “arminha”, que diz para uma mulher que não a estupra porque ela não merece, porque ela é feia; e ainda assim é considerado “mito” por uma grande parcela, principalmente dos extratos médios da população, que não admite fazer parte da classe trabalhadora e pensa como burguês, mesmo recebendo apenas as migalhas que sobram da mesa farta daqueles que os oprime e os mantêm eternamente subjugados e alienados de si mesmo. Parece que a “Maldição do Planalto” voltou a nos assombrar!