Por André Boaratti

 

originalmente publicado em: http://www.professorboaratti.com.br/#!As-contribuições-de-Maquiavel-para-o-exercício-da-liderança/c1jfd/89B436D8-23EA-4491-AAFB-229ECB43390E

 

 

 

  • Introdução

 

O presente texto tem como objetivo abordar as principais ideias da teoria política de Maquiavel que possam ser aplicadas no âmbito da liderança.

 

  • O contexto histórico de Maquiavel

O pensamento de Maquiavel está encravado no período renascentista italiano. Época de efervescência cultural e crítica à sociedade medieval. A Itália renascentista ainda não se constituía como um Estado nação unificado, logo, todo o território italiano era dividido em vários reinados absolutistas dominados por interesses das famílias que detinham o poder político.

O problema é que a Itália, no período medieval, era marcada por constantes conflitos entre esses grupos que detinham o poder. Outro fator decisivo no contexto de Maquiavel, era a configuração do poder político, dominado pelos interesses da Igreja Católica. Ou seja, os reis não passavam de representantes de Deus na Terra, e nesse sentido, não havia o menor espaço para questionamentos ou qualquer forma de participação política. Os dogmas eram as bases que garantiam o poder político na era medieval.

 

  • Maquiavel: principais ideias e contribuições

 

O autor de “O Príncipe”, se preocupou em constituir um poder político na Itália medieval, sob novas bases. A ideia era construir um poder forte e estável o suficiente para acabar com os vários conflitos entre os reinos e unifica-los por meio de um poder centralizado.

Nesse sentido, a teoria política de Maquiavel pouco se aproxima da ideia de que “os fins justificam os meios”. Na verdade, a preocupação de Maquiavel era a concepção de um poder sólido, neutro e forte para acabar com os conflitos mesquinhos que impregnavam o poder político italiano.

Uma das ideias norteadoras da teoria de Maquiavel foi a separação entre política e religião. Segundo Maquiavel, que inclusive era extremamente católico, o poder político necessitava de outras bases para se legitimar perante à população. A religião, transformada em ideologia para justificar a tirania, não contribuía para construir uma sociedade justa, unificada e que aceitasse pontos de vistas divergentes. Pelo contrário, os reinados absolutistas, dominados pela Igreja Católica, não contribuem para construir um poder duradouro, estável, que pudesse evitar conflitos e convulsões sociais.

A dessacralização da política, é a ideia de Maquiavel para o que hoje nós chamamos de Estado Laico: um poder político neutro, que pudesse representar a todos, não apenas uma religião específica. Nesse sentido, Maquiavel exerce contribuições sólidas para a construção do Estado Moderno, que viria acontecer na Revolução Francesa, em 1789.

Outro ponto fundamental na obra O Príncipe, e que faz parte dessa ideia de separação política-religião, é a proposta de que as estruturas de defesa do Estado deveriam ser permanentes (assim como o próprio Estado). Na época de Maquiavel, era comum os reinados fazerem uso de mercenários, ao invés de exércitos próprios, constituídos por cidadãos nacionais pertencentes do próprio local. Maquiavel defendia a ideia de que os cidadãos são mais leais do que os mercenários, na luta pela defesa do próprio povo.

Para Maquiavel, um poder político estável deve construir meios coercitivos eficientes, mas ao mesmo tempo, deve também servir para representar os interesses, os anseios da população. Maquiavel defendia uma espécie de Monarquia Republicana: o governo de um só, porém, voltado para atender os anseios do povo. O poder legítimo, era aquele que se baseava na força e ao mesmo tempo no diálogo.

 

  • A simbologia da Raposa e Leão aplicado no contexto da liderança

 

Maquiavel utilizava para ilustrar o seu pensamento político, duas figuras simbólicas que representavam os dois pilares principais no exercício político ou da liderança: a raposa e o leão.

Um líder, segundo Maquiavel, deveria ser forte o suficiente para fazer valer suas decisões, seja por meio do diálogo ou pela força. O uso da força, para Maquiavel, é uma das bases da política, ou seja, se preciso for, o político poderá exercê-la da forma como ele achar melhor que ela deve ser aplicada de acordo com o contexto.

Porém, Maquiavel deixa claro que um líder não se legitima apenas pelo uso da força, como forma de valer a sua vontade. Pelo contrário, ele sempre deve buscar outros meios para evitar o uso da violência.

Nesse sentido, o princípio do uso legítimo da força física, exercida pelo Estado, surgiu das análises teóricas de Maquiavel: para se manter a coerção social, o líder deve abrir mão de todos os meios para isso, inclusive o uso irrestrito da violência.

Independente se o líder exerce sua função no âmbito público ou privado, sua postura, no contexto da bipolaridade Raposa-Leão, é a mesma: saber ler o contexto e aplicar da dosagem correta, adequada a partir das exigências de cada situação.

Se o líder fazer uso apenas dos atributos do Leão, ou seja, da força, ele não compreenderá o contexto, logo, não saberá de que forma agir. A raposa simboliza a razão, a esperteza, a estratégia. Ela é importante não apenas para a avaliação do contexto, mas também, pelo uso da razão em desvendar os planos dos seus inimigos.

A raposa também representa a capacidade dialógica do líder em saber ouvir os seus aliados e os seus comandados, sempre que for necessário. Porém, segundo Maquiavel, um líder nunca deve basear a sua função somente na ação dialógica, ele também deve saber se impor, sempre que o contexto exigir.

 

  • Conclusão

 

Maquiavel ainda é considerado uma das principais referências no que tange a sua contribuição para as questões políticas. O seu olhar realista descortinou e separou a metafísica da política, tratando a última como um negócio puramente dos homens.

No que se refere a uma análise sobre as contribuições de Maquiavel para a questão da liderança ou gestão, alguns pontos serão elencados a seguir:

  • Dessacralização da política – a separação entre religião e política demonstra a importância de se conceber a esfera das decisões como um espaço neutro, ou seja, no âmbito das organizações não se deve misturar o espaço profissional ou das decisões, com questões pessoais;

 

  • Contexto histórico de Maquiavel – o contexto de Maquiavel, como foi posto no início do texto, era marcado por constantes conflitos, ou seja, não havia organização a partir de um poder central. Assim, a lição tirada aqui é com relação a importância de se estabelecer centros de comandos eficazes no intuito de implementar ordem no caos a partir de um poder central, forte e representativo. Sem um comando central, os interesses conflitantes vão dominar, e as decisões não serão tomadas a partir de critérios racionais;

 

  • Raposa e Leão – as duas figuras simbólicas são clássicas no âmbito da temática do poder, pois toda liderança deve ser exercida de maneira equilibrada. Esse é um dos segredos do poder duradouro: a busca pelo equilíbrio entre esses dois polos antagônicos;

 

  • Poder representativo – apesar de Maquiavel não falar sobre Democracia e outras formas de participação ou representatividade, ele deixa bem claro o cerne da sua preocupação: a manutenção da coesão social a partir do estabelecimento de um poder central, baseado na força e ao mesmo tempo na preocupação em colocar em prática os anseios do povo. Se um líder, no poder, apenas governa tendo em vista a sua própria vontade, o seu poder não será duradouro, pois as pessoas irão questionar, e com isso, haverá desgaste, o qual, impõe um prazo de validade ao poder.

 

Um gestor deve sempre buscar o equilíbrio entre a raposa e o leão, sendo que, para isso, ele deve entender o contexto, e aplicar a dosagem correta entre esses dois referenciais. Saber ler a situação, talvez esse seja o maior desafio do gestor: a sua capacidade de romper com o senso comum e pensar além, no intuito de descobrir as causas reais de cada situação e aplicar as soluções cabíveis. No que se refere a essa questão da importância de se superar o senso comum no âmbito das decisões, será objeto de investigação numa outra oportunidade.