AS CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA INFANTIL NO ESTÍMULO AO LETRAMENTO E O PAPEL DO PROFESSOR NESSE PROCESSO

PONCIANO, Kelin Juver[1]

 

RESUMO
 

O presente artigo trata-se de uma pesquisa que tem como objetivo destacar a importância da literatura infantil no processo de letramento anterior a alfabetização e definir o papel do professor nesse contexto. Os resultados foram obtidos através de uma pesquisa bibliográfica documental de diferentes autores do campo linguístico, literário e comportamental, onde comprovou-se a relação de influência dos conhecimentos literários na formação linguística do leitor infantil, bem como a literatura como facilitadora do processo de assimilação e produção de significados no letramento e posterior alfabetização. Apresenta também o papel fundamental da ilustração como ponte entre o interesse e o aprendizado no leitor iniciante, principalmente na fase pré-escolar. Também destaca a importância do professor enquanto mediador na interação da criança em processo de letramento com o livro literário utilizado, tendo conhecimento prévio do material disponibilizado para essa finalidade, podendo assim incentivar o leitor a criar e compreender historias e contextos de acordo com suas vivências pessoais e bagagens culturais.

 

Palavras chave: Literatura. Letramento. Alfabetização.

1 INTRODUÇÃO 

O presente artigo visa identificar as possíveis contribuições da literatura infantil no processo de estímulo ao letramento e o papel do professor nessa interação.

Com o acesso à tecnologia sendo possibilitado cada vez mais cedo para as crianças, percebemos um crescente desinteresse das mesmas nos processos de aprendizado. Os livros físicos já não interessam mais a todos, o papel deu lugar aos aparelhos eletrônicos e, com isso, a capacidade de absorção de conteúdo tornou-se mais difícil. Mesmo assim, tentamos a todo custo resgatar os métodos de trabalho com livros impressos e seu manuseio pelos pequenos, afim de incentivá-los ao hábito da leitura

Considerando essa abordagem, buscamos identificar como a literatura infantil, com suas gravuras e textos, pode despertar o interesse da criança pelo aprendizado, contribuir com a aquisição de conhecimento linguístico e auxiliar nos processos de letramento e alfabetização e qual nosso papel, enquanto educadores, nesse processo.

O tema a ser pesquisado surgiu da observação pessoal do interesse de algumas crianças em livros de histórias que pudessem ser manuseados por elas enquanto outras não demonstravam sequer interesse na história contada, limitando-se apenas aos jogos e brincadeiras eletrônicas. Dentro dessa observação notou-se uma diferença significativa no desempenho daquelas que tiveram incentivos à leitura, ainda que compreendessem somente as ilustrações.

Ao longo da especialização despertou-se a curiosidade em encontrar uma possível associação da literatura infantil com o processo de letramento, não como aprimoramento da alfabetização, mas como introdutório desse processo através de vivências da criança no seu dia a dia, tanto na escola, quanto nas relações familiares. Este tema traz consigo, também, a necessidade de definir o papel do professor nesse processo de estímulo através da leitura.

A pesquisa desenvolvida visa buscar elementos dessa relação entre contexto de vivências e interesse pelos processos linguísticos com base naquilo que o sujeito traz consigo em termos de conhecimento alfabético.

Sendo assim, delimitamos a pesquisa afim de analisar essa possível contribuição da Literatura Infantil na relação estímulo X aprendizagem no processo de letramento e aquisição de bagagem cultural para futura alfabetização e estabelecer a função do professor nesse contexto.

Também buscamos estabelecer um vínculo entre o incentivo à leitura e um maior aproveitamento no processo de letramento e analisamos algumas das teorias existentes acerca de Literatura Infantil, Letramento, Alfabetização e Interações Sociais para estabelecer uma relação entre elas.

 

2 AS CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA NO PROCESSO DE LETRAMENTO

 

 

Ao nascer a criança já é uma significação no universo das significações, como disse Lev Vygotsky (1998), psicólogo russo, em sua teoria sócio interacionista, que enfatiza a linguagem como um sistema simbólico importante, num contexto de mediação entre sujeito e objeto. Em Pensamento e Linguagem (1998), já teorizava sobre a interação da criança com o objeto, não necessariamente corporal, mas através de signos, objetos e símbolos culturais, os quais constituiriam a linguagem.

Sabemos que o contato com o universo linguístico começa já no nascimento, onde a criança desenvolve um dialeto próprio para se comunicar com o mundo ao seu redor, a linguagem é um instrumento de viabilização da comunicação, é ela que torna o ser humano um ser social, histórico e cultural. (VYGOTSKY, 1998)

Para essa contextualização não aprofundamos as contribuições de Vigotsky (1998) na aquisição da linguagem, mas o utilizamos como parâmetro para demonstrar a importância da comunicação da criança, em suas diferentes formas, desde o nascimento até a idade escolar, onde passa a ter contato com os trabalhos de letramento e alfabetização.

Por letramento entende-se aqui a leitura de contextos, interpretação do universo particular e coletivo em que estamos inseridos, sem necessariamente utilizar-se de palavras escritas, pois a criança aprende a ler o mundo em que vive muito antes de aprender a decodificar números, letras e símbolos linguísticos:

 

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 2008, p. 9)

 

Desta forma, vamos considerar no processo de letramento o manuseio de livros infantis, tendo a literatura como leitura de mundo a qual Freire se referia. Detemo-nos este ponto, onde a criança utiliza-se da literatura para ampliar cultura e facilitar o código de significação da mesma no processo de ensino e aprendizagem, “ensino e leitura são atividades que [...] se confundem, constituindo-se, desde então, no fundamento do processo de socialização do indivíduo.” (ZILBERMAN, 2012)

Uma criança se constitui como sujeito letrado a partir do momento em que passa a ter contato com as diferentes formas em que as letras lhe são visíveis. Desde placas nas ruas, outdoors, embalagens, revistas, histórias contadas por adultos e até mesmo o fato de ouvirem o que é falado perto delas. “Por meio da oralidade, as crianças participam de diferentes situações de interação social e aprendem sobre elas próprias, sobre a natureza e sobre a sociedade.” (LEAL; ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006).

Sendo assim, o livro infantil passa a ter um papel importante nesse contexto, onde pode atuar como facilitador do conhecimento desta criança em relação ao universo letrado. Podendo servir como estimulo para o aprendizado, o livro ultrapassa sua função de ser apenas uma história para ninar ou distrair a criança. Ele assume aqui a função de auxiliar na alfabetização.

 

A obra transmuta-se, assim, na mediadora entre o indivíduo e sua circunstância, e decifrá-la quer dizer tomar parte na objetividade que deu lugar à sua existência. Por isso, ler passa a significar igualmente viver a realidade por intermédio do modelo de mundo transcrito no texto. (ZILBERMAN, 2012, p.18)

 

Como a criança ainda não sabe decodificar os símbolos linguísticos, ela detêm-se no interesse às imagens, figuras, gravuras e ilustrações contidas nos livros de literatura infantil.

 

A criança conhece o livro antes de saber lê-lo, da mesma maneira que descobre a linguagem antes de dominar o seu uso. Os diferentes códigos – verbais, visuais, gráficos – se antecipam a ela, que os encontra como se estivessem prontos, à espera de que os assimile paulatinamente ao longo do tempo. (ZILBERMAN, 2012, p.116)

 

Nessa pesquisa, determinou-se a utilização da possibilidade visual no processo de letramento, pois “esses materiais, como se disse, são conhecidos pela criança antes de sua alfabetização; e o fato de que ela deseja compreendê-los pode ser estimulador da aprendizagem, antecipando-a em alguns casos.” (ZILBERMAN, 2012)

Esse contato precoce com a literatura será a chave para o estimulo e incentivo à leitura e escrita. Deve começar em casa, partindo da família o ato de oferecer os livros e proporcionar o contato da criança com esse universo mágico das páginas coloridas. “Ela pode ser motivadora da aprendizagem das crianças, conduzidas estas ao contato com os livros em casa, entre os pais e os amigos, ou na sala de aula [...].” (ZILBERMAN, 2012). Passando por esse processo, a criança se sentirá mais atraída pelo universo linguístico quando estiver no processo de alfabetização e este, por sua vez, se tornará mais prazeroso do ponto de vista pedagógico.

 

A alfabetização, como é concebida pela sociedade contemporânea, não pode dispensar a ação pedagógica, que se vale de um espaço característico, a sala de aula, e de um agente especialmente talhado para essa tarefa, o professor. (ZILBERMAN, 2012, P.116)

 

Lembrando sempre que a natureza linguística da criança é oral, torna-se interessante que pais e professores proporcionem os momentos de contação de histórias, com diferentes recursos e possibilidades de interação para também permitir que a criança possa criar as suas histórias, partindo da sua imaginação atrelada a sua bagagem cultural

 

O letramento é um processo que se inicia antes mesmo de a criança aprender a ler, supondo a convivência com universo de sinais escritos e sendo precedido pelo domínio da oralidade. Outros fatores associam-se ao processo de letramento, já que a convivência com a escrita começa no âmbito da família e intensifica-se na escola, quando o mundo do livro é introduzido à infância. (ZILBERMAN, 2012, p. 129)

 

A introdução da criança ao mundo da escrita gira em torno de dois fatores: alfabetização, vista como uma tecnologia e o letramento, que segundo Magda Soares é “o desenvolvimento de competências (habilidades, conhecimentos, atitudes) de uso efetivo dessa tecnologia em práticas sociais que envolvem a língua escrita”. (SOARES, 2003, p.90 apud RIBEIRO 2003.) A alfabetização então “é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e para escreve, ou seja, o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e a ciência da escrita. (p. 91)

Segundo o documento do Ministério da Educação e Cultura e Secretaria de Educação Básica: Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental/2012, o termo letramento é utilizado para indicar a inserção dos indivíduos nos diversos espaços sociais

 

Cada pessoa, ao ter que interagir em situações em que a escrita se faz presente, torna-se letrada. Não há indivíduos iletrados em uma sociedade em que a escrita está presente nas relações sociais, pois de forma autônoma ou mediada por outras pessoas, todos participam dessas situações. (MEC/SEB 2012)

 

Ainda de acordo com o documento, a alfabetização nos dá as ferramentas necessária para decodificar a linguagem e dominar os sistemas de escrita. Está atrelada ao letramento como conceitos complementares

 

O termo Alfabetização pode ser entendido em dois sentidos principais. Em um sentido stricto, alfabetização seria o processo de apropriação do sistema de escrita alfabético. Para que o indivíduo se torne autônomo nas atividades de leitura e escrita, ele precisa compreender os princípios que constituem o sistema alfabético, realizar reflexões acerca das relações sonoras e gráficas das palavras, reconhecer e automatizar as correspondências som-grafia. É certo, portanto, que, na alfabetização, a criança precisa dominar o sistema alfabético, o que demanda que o professor trabalhe explicitamente com as relações existentes entre grafemas e fonemas. No entanto, esse aprendizado não é suficiente. O aprendiz precisa avançar rumo a uma alfabetização em sentido lato, a qual supõe não somente a aprendizagem do sistema de escrita, mas também os conhecimentos sobre as práticas, usos e funções da leitura e da escrita, o que implica o trabalho com todas as áreas curriculares e em todo o processo do Ciclo de Alfabetização. Dessa forma, a alfabetização em sentido lato se relaciona ao processo de letramento envolvendo as vivências culturais mais amplas. (MEC/SEB 2012)

 

“No Brasil, os conceitos de alfabetização e letramento se mesclam, se superpõem e frequentemente se confundem” (SOARES, 2003, p.5 apud CARVALHO, 2011). Pressupomos então que a alfabetização seja a decodificação dos símbolos alfabéticos e o letramento em si seja a capacidade do indivíduo de ler o mundo para além da palavra escrita, entender o contexto de escrita e leitura. O letramento permite que a pessoa não seja apenas um deposito de palavras, mas sim compreenda o que lê, com base em sua bagagem histórico-cultural.

“[...]o universo escolar, no âmbito da linguagem, privilegia as práticas de leitura e escrita do campo verbal; a palavra sustenta prioritariamente o conceito de letramento.” (RAMOS; PANOZZO, 2015. p.111), logo, podemos considerar nesse processo não só a utilização das palavras, mas mesclando a estas as diversas formas de linguagens utilizadas para comunicar o mundo, dentre elas as imagens, ilustrações, símbolos, músicas. Damos a esta mescla de ferramentas a definição de multiletramento, onde trabalhamos todas as capacidades de interpretação que o leitor pode desenvolver.

 

A leitura abriga distintas linguagens, e suas combinações estão presentes no mundo sociocultural em fronteiras alargadas e cambiantes, de modo que o conceito de multiletramento acolhe as possibilidades atuais de letramento. (RAMOS; PANOZZO, 2015. p.111).

 

O texto, de modo geral, não se apresenta somente escrito, mas em suas diferentes formas visuais, permitindo assim uma formação de sentido mais ampla, pois “o leitor contemporâneo defronta‑se com imagens, sons, movimentos e com a escrita, elementos esses diversos: visuais, sonoros, gestuais, linguísticos que, combinados, alteram conceitos como o de letramento” (RAMOS; PANOZZO, 2015. p.111), implicando assim em mudanças sociais nas formas de leitura, produção e circulação de textos.

O papel do professor na introdução do conceito imagético ao leitor inicial baseia-se em um conhecimento prévio das obras a serem trabalhadas, “cabe anteriormente ao professor conhecer e apropriar‑se dessa exploração de elementos do sistema visual e de seus significados.” (RAMOS; PANOZZO, 2015. p.114) construindo uma pré-análise do material em termos semióticos, pois “no contexto escolar do leitor iniciante, nem sempre a imagem é incluída como partícipe da leitura” (p. 114).

            No contato com o texto visual, o leitor desenvolve uma forma de leitura do olhar (RAMOS; PANOZZO, 2015), onde aprende a analisar o contexto imagético e relacionar ao seu contexto de vivências, “construindo e ampliando um conjunto básico de conhecimentos específicos da visualidade” (p. 126). A partir do momento em que passa a ocorrer a compreensão do princípio alfabético – processo de leitura e escrita – não só como um conjunto de signos e símbolos, mas também com a significação de ambos, passa a utilizar a literatura como meio de introdução aos processos de aprendizagem.

A utilização da literatura como aliada no processo de multiletramento e, posteriormente, alfabetização precisa levar em conta a fase em que o leitor se encontra. Um leitor em idade pré-escolar vai direcionar seu interesse nas formas, cores e traços das ilustrações e, a partir desse conceito, buscar entender a história. Sabendo disso, cabe ao professor fazer a seleção adequada das obras a serem disponibilizadas ao aluno, com base em seu conhecimento prévio da disponibilidade e adequação das mesmas aos interesses de quem está em formação.  Segundo Ramos e Panozzo (2015, p. 126) “isso não elimina a possibilidade de o mediador estimular o diálogo na leitura espontânea dos leitores iniciantes”, sendo assim o professor pode utilizar-se das ilustrações para estimular também seu leitor a criar as histórias a partir de sua percepção do que lhe foi apresentado.

Ainda pouco utilizada na base do processo de letramento, a literatura infantil sofre com a falta de espaço no ambiente escolar e com o pouco investimento das editoras especializadas em literatura infanto-juvenil. A maior parte da produção literária para crianças e direcionada ao público de alfabetização, já nas séries iniciais do ensino fundamental, devido ao alto custo de produção, sendo que o maior comprador desse material é o Governo, através de editais específicos para aquisição esse material

 

Em 2008, o PNBE (Programa Nacional da Biblioteca Escolar) teve como objetivo a distribuição de acervos de literatura infantil para a Educação Infantil e as series iniciais do Ensino Fundamental. Incluiu, pela primeira vez, as instituições de Educação Infantil entre os destinatários dos acervos que encaminha às escolas, iniciativa que tem, para além de seus significativos efeitos pragmáticos - propiciar, às crianças de zero a seis anos, acesso ao livro - um também valor simbólico: sinaliza a importância e mesmo necessidade, nem sempre reconhecidas, da presença do livro e da leitura no processo educativo da criança antes que tenha início sua alfabetização formal no ensino fundamental. A iniciativa inovadora, nunca vivida anteriormente pelas editoras, oferece a oportunidade de identificar como elas vêm se posicionando, na produção de literatura para a criança de até seis anos de idade. (SOARES, 2008, p.22)

 

            Na preferência pelos gêneros textuais a serem utilizados na Educação Infantil predominam os livros na categoria verso, possivelmente pela presença “dos gêneros parlendas, cantigas, trava-línguas, adivinhas, gêneros tradicionalmente utilizados com intensidade nas atividades desenvolvidas em instituições de Educação Infantil”. (SOARES, 2008. p.28)

            Outro tipo de livro que tem fundamental importância na Educação Infantil são os livros de imagens, pois proporcionam à criança maior interação com o objeto e capacidade de criar suas próprias histórias a partir do imaginário infantil, beneficiando o processo de letramento do indivíduo. Livros com imagens e palavras auxiliam no processo de alfabetização já em andamento

 

[...] se livros de imagem representam, para a criança pequena, uma excelente entrada no mundo dos livros, quando estão sendo dados apenas os passos iniciais no processo de alfabetização, não são menos valiosos quando esse processo está já em pleno desenvolvimento: livros de imagem, como livros em que texto e ilustração se associam, suscitam formas específicas de interação com o universo gráfico, despertam diferentes modos de ler e de apreciar os livros e por isso têm lugar importante na formação de leitores tanto infantil quanto juvenis e também adultos. (SOARES, 2008, pg. 29)

 

Já dizia a pequena Alice, personagem de Lewis Carroll no clássico Alice no País das Maravilhas, de 1865: “De que serve um livro sem figuras nem diálogos?”. Partindo do questionamento da personagem icônica da literatura infanto-juvenil, buscamos compreender a importância das ilustrações para despertar a preferência das crianças por determinados livros em detrimento de outros.

O imaginário infantil é permeado por imagens de encantamento, logo, não poderia ser diferente com os livros destinados a esse pequeno-grande público. “O atrativo instantâneo que ilustrações de livros de literatura infantil exercem em crianças de qualquer época e, de modo especial, naquelas que hoje crescem em mundo acentuadamente visual, é fato inegável e de constatação óbvia.” (CADEMARTORI, 2008. p.79).  A atração pelas cores, formas e sentimentos que as mesmas proporcionam é imediata. “Crianças são ávidas leitoras de imagens, que nelas exercem poder encantatório, tão logo os pequenos leitores abram o livro e comecem a folheá-lo.” (p.80). O brilho nos olhos reflete a magia transmitida através daquelas figuras, as quais tem papel importantíssimo na aproximação do pequenos leitores com o conteúdo literário.

A criança, ao analisar as ilustrações do livro infantil, tem duas percepções da mesma: a primeira, onde percebe o óbvio, identifica exatamente o que a ilustração apresenta; e a segunda, onde entra o caráter subjetivo, com análise das entrelinhas, onde “[...]os pequenos focam seus olhares, com redobrado interesse e mais investimento de tempo, na observação do inesperado, daquilo que os surpreende, por se mostrar com caráter de extraordinário.” (CADEMARTORI, 2008. p.86). E é nesse ponto que surgem os questionamentos a respeito da obra, “[...]formam-se deduções, são levantadas hipóteses, a serem confirmadas ou negadas, à medida que o leitor infantil avança em sua leitura e conversa com colegas e professores a respeito.” (p.86)

Cademartori (2008) defende que Alice se interessaria mais por livros que envolvessem-na em suas histórias conectando a escrita com a ilustração, não apenas como complemento, mas também como contraponto. Já os livros com ilustrações pontuais, com ícones em meio ao texto interessariam muito mais a sua irmã do que a ela

 

[...]porque não conseguem provocar a mente infantil em seus primeiros anos de desenvolvimento, não a estimulam para que descubra sentidos novos e, em alguns casos, sonde ou dissolva o que se mostra estranho, divergente ou ambíguo na ilustração. (p.87)

 

Não menos importantes na elaboração de um livro infantil, as fontes tipográficas também exercem um papel fundamental para despertar o interesse do leitor, sendo escolhidas propositalmente de acordo com a faixa etária a ser trabalhada. Tanto as letras, quanto os espaços em branco entre os textos contribuem para o ritmo de leitura. (CADEMARTORI, 2008. p.88)

A utilização de literatura no contexto escolar concentra um caráter fantasioso em suas obras, dissociado da realidade em que a criança está inserida, apresentando fantasia em excesso, polarizando o bem e o mal e obtendo um caráter mais moralista dentro do pedagógico. Uma boa forma de modificarmos a literatura infantil que conhecemos é aplicar a ela um caráter realista, com situações do cotidiano, dosando fantasia e realidade de forma a preparar a criança para os desafios reais da vida ao mesmo tempo que em que transforma a mesma em um leitor literário

 

[...] a escola opta pela literatura de entretenimento que melhor se adapta a função de coadjuvante pedagógico; censura os temas que considera delicados, polêmicos, perigosos, ousados; promove uma assepsia temática em seu diálogo com a literatura; coíbe a discussão dos enigmas da existência humana e da complexidade das relações sociais que poderiam ser problematizadas por meio da ficção. (PAIVA, 2008. p.45)

 

Essa abordagem simplista da escola subestima a capacidade da criança de convergir literatura e realidade, condicionando-a ao papel de coadjuvante de sua própria educação. Sabemos que

 

Não há necessidade de ser um leitor sofisticado para reagir a dramas humanos exatamente com essa oscilação entre imaginação e existência concreta de quem experimenta esteticamente os efeitos da literatura. (PAIVA, 2008. p.45)

        

Por trás das paredes da escola ainda há o receio de introduzir assuntos reais em histórias da literatura infantil que poderiam servir como identificação da vida real para as crianças, prefere-se o caráter fantasioso. Sendo assim, temas como morte, separação, dor, medo, dentre outros, são evitados, num contexto onde poderiam servir para auxiliar até mesmo em problemas psicológicos que a criança possa ter, pois

 

[...] a literatura, através do estabelecimento de uma distância entre o drama na ficção e o mundo cotidiano, se transforma em possibilidades de construção de respostas existenciais, necessárias aos projetos pessoais e coletivos. (PAIVA, 2008. p.46)

 

            É natural que a criança não compreenda, ainda na Educação Infantil, temas complexos como a morte, por exemplo, “[...] prevalece, quase sempre, a perspectiva mística que tem na velha e repisada frase "virou uma estrela" a resposta para a resolução do conflito, da dor [...] (PAIVA, 2008. p.47). É nesse momento que a literatura serve como aliada, utilizando do seu caráter metafórico, “com amplo grau de abertura, como um recurso de caráter psicológico oferecido à criança como alternativa para que ela tente, interiormente, justificar acontecimentos que ainda não compreende totalmente.” (PAIVA, 2008. p.47).

            Na contramão das temáticas reais, temos os contos de fadas, trabalhados exaustivamente dentro das escolas, tratados como sendo o único meio possível de literatura para os pequenos, logo

 

O que temos em mente é um tipo de exaustão das temáticas tratadas pela literatura infantil. Não pelo esgotamento de suas possibilidades estéticas, mas, sobretudo, pelo esvaziamento do seu potencial artístico, já que, agora, o que parece prioritário é a sua apresentação e livros com capas coloridas e elegantes e escritos dentro de parâmetros discursivos ditados pela educação. (PAIVA, 2008. p.50)

 

Nesse contexto, o livro perde seu caráter questionador e passa a ser apenas um passatempo dentro da sala de aula, sem uma função socioeducativa específica.

É errado tratar a literatura infantil apenas como leitura introdutória no processo de letramento, pois ela atende a uma função maior, seu caráter pedagógico não deve ser considerado apenas no âmbito iniciante e sim ampliado para que sua utilização seja de valia em situações do cotidiano. O correto, nesse caso, é não menosprezar a literatura infantil e sim utilizá-la como leitura do mundo, tornando-a aliada na construção do sujeito pensante, capaz de transformar a realidade em que está inserido.

 

2.1 METODOLOGIA

 

Para o desenvolvimento do estudo aqui apresentado, utilizou-se exclusivamente uma pesquisa bibliográfica, tendo uma base documental de dados secundários: materiais impressos e digitais escritos pelos principais autores relacionados a cada tópico. Juntamente com as teorias mais conhecidas, utilizaremos artigos acadêmicos para complementar ideias e pontos relevantes.

Partindo das observações e coleta de materiais para a pesquisa, constatou-se que a metodologia a ser utilizada para a o desenvolvimento do presente trabalho é baseada, dentro dos métodos gerais das ciências sociais, no método de pesquisa fenomenológico:

 

Consiste em mostrar o que é dado e esclarecer este dado. Não explica mediante leis nem deduz a partir de princípios, mas considera imediatamente o que está presente à consciência, o objeto. Consequentemente, tem uma tendência orientada totalmente para o objetivo. (GIL, 1989, p.33)

Dentro dos métodos gerais das ciências sociais, temos os métodos específicos que proporcionam os meios técnicos para garantir a objetividade e a precisão nas análises. Neste caso, optou-se pelo método comparativo, que ressalta as diferenças e similaridades do material analisado a partir de uma pesquisa descritiva e explicativa do fenômeno, pois as teorias que serviram para análise apresentam similaridades, mas também discordâncias sobre o tema a ser pesquisado:

 

Algumas vezes o método comparativo é visto como mais superficial em relação a outros. No entanto, há situações em que seus procedimentos são desenvolvidos mediante rigoroso controle e seus resultados proporcionam elevado grau de generalização. (GIL, 1989, pág. 36)

 

            A base de dados do objeto é documental, onde temos uma análise de abordagem do conteúdo entre um documento e outro, visando explicitar seus pontos de vista para responder aos questionamentos propostos.

Esta pesquisa bibliográfica serviu para traçarmos um paralelo de possíveis contribuições que o contato precoce com a literatura possa ter futuramente na aquisição da linguagem oral e escrita, estimulando o cognitivo infantil.

Foram apresentados os pontos centrais das teorias e pesquisas desenvolvidas pelos principais teóricos e acadêmicos da área de educação e com base nessa pesquisa, buscamos definir a participação e relevância do professor enquanto facilitador do aprendizado.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Com base nos estudos bibliográficos apresentados ao longo desta pesquisa, concluímos que a Literatura Infantil tem um grande papel incentivador nos processos de aprendizagem da criança. Através dela é possível preparar o sujeito para a alfabetização através de um processo de letramento que englobe produção de sentidos, relação com vivencias pessoais e o conteúdo linguístico característico de cada fase do desenvolvimento.

Como Vygotsky já considerava, a criança aprende através da interação com o objeto e com o meio, sendo assim, utiliza-se não só do livro didático, mas também de situações do dia a dia para obter conhecimentos nas diferentes áreas, desde a placa de transito até os mais robustos encontrados na escola.

O ser humano torna-se um ser social através da linguagem, a qual possibilita-o a interagir com os demais em sociedade. Essa linguagem não se delimita a oral, mas também escrita e imagética. Sendo assim a criança necessita ser incentivada a relacioná-las e interpretá-las ao longo da vida. Para tanto, faz-se uso da literatura como ponte para a aquisição desse conhecimento.

Dentro desse universo de significações temos o letramento, processo pelo qual a criança entra em contato com as diferentes formas de linguagem, não só na alfabetização, mas anterior a ela. O letramento a torna um ser letrado, mas não alfabetizado. Para isso deverá conhecer as ferramentas da língua na qual está inserida.

O livro infantil passa a ser um facilitador nesse processo, pois utiliza em sua composição diferentes formas de comunicação, tendo não só a palavra escrita, mas também as ilustrações, capazes de despertar interesse e questionamentos nos pequenos leitores. A ilustração auxilia não só na compreensão do texto, como no complemento da história, onde a criança pode partir da sua subjetividade para interpretá-la. Essa amplitude da apresentação textual permite uma produção de sentido mais elaborada por parte da criança e de seu mediador, aqui apresentado na figura do professor.

O professor, por sua vez tem o papel de mediar o encontro da criança com o livro, tendo conhecimento prévio do material a ser utilizado, os elementos visuais e seus significados e instigar o interlocutor a criar suas próprias histórias, interpretar através de seus parâmetros e compreender de acordo com seu tempo de aprendizado. O professor- mediador estimula o diálogo entre a leitura e o leitor em formação.

A imagem tem papel fundamental no interesse das crianças por determinados livros em detrimento e outros, já que o imaginário infantil é permeado por significados de encantamento, facilmente espelhados nas ilustrações, aproximando assim o pequeno leitor com os conteúdos literários.

A análise das ilustrações pela criança traz duas constatações: a óbvia, onde identifica exatamente o que a ilustração apresenta e a subjetiva, que parte da sua bagagem cultural previamente adquirida, gerando ai os questionamentos referentes às obras.

E suma, a literatura infantil não deve obedecer um caráter puramente pedagógico, mas deve servir também para contextualizar vivencias das crianças, podendo assim ser fator determinante na transformação do pequeno leitor em um cidadão letrado, alfabetizado e consciente do seu papel enquanto indivíduo social. A literatura tem o poder de transformar pessoas e o mundo em que vivem.

 

REFERÊNCIAS

 

 

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CADEMARTORI, Ligia. Para Não Aborrecer Alice: A Ilustração No Livro Infantil. In: PAIVA, Aparecida (Org.); SOARES, Magda (Org.). Literatura Infantil: Políticas e Concepções. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. P. 79-90.

 

CARROL, Lewis. Alice No País Das Maravilhas. Tradução de Nicolau Sevcenko. São Paulo: Scipione, 1986. P.9

 

CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e Letrar: um diálogo entre a teoria e a prática. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

 

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 49 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

 

GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1989.

 

LEAL, Telma Ferraz; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de; MORAIS, Artur Gomes de. Letramento e alfabetização: pensando a prática pedagógica. In: BEAUCHAMP, Jeanete (Org.); PAGEL, Sandra Denise(Org.); NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do (Org.). Ensino Fundamental De Nove Anos: Orientações Para A Inclusão Da Criança De Seis Anos De Idade. 2006. p. 71-83. Disponível em: http://www.forpedi.com.br/downloads/forpedi_anexo_2611121506570.pdf#page=87.  Acesso em 20 nov 2017

 

PAIVA, Aparecida. A Produção Literária Para Crianças: Onipresença e Ausência De Temáticas. In: PAIVA, Aparecida (Org.); SOARES, Magda (Org.). Literatura Infantil: Políticas e Concepções. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. P. 35-52.

 

RAMOS, Flávia Brocchetto; PANOZZO, Neiva Senaide Petry. 1966- Mergulhos de leitura: a compreensão leitora da literatura infantil. Caxias do Sul: Educs, 2015. P. 111-128. E-book disponível em https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/mergulhos_ebook.pdf. Acesso em 02 fev 2018

 

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[1] Jornalista, graduada em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, UFSM; pós-graduada em Educação Infantil, Uninter; pós graduada em Educomunicação e Tecnologia, Uninter; graduanda em Letras, Uninter.