AS AVENTURAS DE CHICO E AURÉLIA – EPISÓDIO 7: CONVERSA FIADA

A manhã se abria. Estava quente. Seria mais um dia abafado? Daqueles que antecedem a chuva? Ou o sol chegaria com tudo e espantaria as nuvens, a umidade e o calor? E não é que o sol foi chegando, chegando, e... Fez uma linda manhã.

A mãe de Aurélia colocou-se de pé. Tão rápida quanto pode. Fez café no bule antigo. Era esmaltado de verde já meio apagado pelo uso e pelo tempo. Desenhos? Sim. Era possível identificar ali um galho de flores rosáceas de miolos amarelos e folhas largas. Café pronto...  Saiu para comprar pão. Pensou “Poderia pedir para o Chico ir até a vendinha da esquina, mas pensando melhor, poderia não. É perigoso. Ele é pequeno. De casa até a esquina, poderia acontecer algo de ruim. Nunca se sabe! De mais a mais... Toda vez que peço para ele ir comprar pão, ele compra e vem comendo o miolo no caminho. Quando ele chega à nossa casa, o pão está só a casquinha. Nunca briguei com ele por causa disso. Aliás, acho tão engraçadinho isso que ele faz... Acho que é por isso que ainda o deixo ir comprar pão, mesmo com medo de ele ir sozinho. Gosto de ver suas artes de criança.” E com esses pensamentos, foi e voltou com o pão bengala fresquinho, para o café de Chico, Aurélia e ela.

Tomar café com os meninos, antes de começar as tarefas do dia-a-dia, era um privilégio do qual a mãe não abria mão...  As tarefas da mãe seriam as de todas as donas de casas. As tarefas de Chico e Aurélia eram as de sempre: brincar de manhã, brincar à tarde e se possível brincar a vida toda.

Tomaram o café quentinho com o pão bengala fatiado e com fartura de manteiga. Barriguinha cheia, pezinho na areia. Seguiram... Cada um com sua tarefa.

A mãe de Chico e Aurélia juntou toda a roupa suja, colocou em uma bacia de alumínio areado e dirigiu-se para a bica de água. Era tudo muito simples e meio improvisado. Uma caixa d’água de pedra, no formato de um grande queijo fresco, era enchida por uma torneira que trazia a água diretamente dos canos da rua. Da caixa d’água saia outra torneira sobre um tanque. Era aí que a mãe de Chico e Aurélia lavava as roupas da família diariamente.

Naquele dia, excepcionalmente, Chico e Aurélia decidiram brincar perto da mãe, enquanto esta lavava as roupas.

Chico observou muito atentamente a caixa d’água e percebeu que ali havia um pequeno peixe. Estava vivo e nadava pra lá e pra cá. Às vezes, comia musgo que ficava grudado nas paredes da caixa. Ele disse a mãe “A senhora já viu que tem um peixinho ali dentro?” E a mãe olhou para ele e sorriu. “Sim. Já tinha notado. É o Senhor Joaquim.” Chico continuou intrigado. “Como assim? Quem é ele? Por que está a ali? De onde ele veio?”.

A mãe pacientemente respondeu ao filho “Esse peixinho, o Senhor Joaquim, vive dentro da caixa d’água há alguns dias. Seu pai, o encontrou num riacho perto daqui, achou que você gostaria de ter um animalzinho de estimação, então o trouxe. Chico com seus olhinhos arregalados questionou “Para mim?”E a mãe viu alegria em seus olhinhos. “Sim. “É para você.” Então, Chico percebeu que sua responsabilidade agora aumentará. Além de tomar conta da irmã, teria de cuidar de seu novo amigo. Seria fácil.

“Chico, a mamãe irá ajudá-lo nessa tarefa. Todos os dias, você e eu colocaremos pedacinhos de pão na água para ele comer e iremos acompanhar seu crescimento. Mas acredite, ele não vai ficar grande não. Não deve crescer mais do que o tamanho que ele já está.”

“Combinado, mamãe.” E dirigiu para Aurélia que estava ali apenas observando aquela novidade. “Aurélia, eu ganhei um peixinho. Você também pode ajudar a cuidar dele. Ele será meu e seu. Seremos sócios no peixe.”

Aurélia achou aquilo engraçado.  Sócios em um peixe. E riu-se.

A mãe vendo o sorriso da filha, disse-lhe “Aurélia, você sabia que vocês dois eram anjos?” E os meninos se entreolharam e depois olharam para a mãe sem entender nada. “Como assim, mamãe? Anjos têm asas. Chico e eu não temos. Bom, galinha tem asa, mas não é anjo. Ou é? Ah! Não sei.”

Então, a mãe conta aos dois, que eles moravam no céu, entre nuvens brancas e fofas, e que um dia Deus decidiu transformá-los em crianças e dá-los a ela.

“Mas e as asas, mamãe? Eu não tenho asas. Chico também não tem. Só se ele escondeu. Chico, você escondeu? Deixe-me ver? Vira.” E saiu rodando o irmão à procura de asas que com certeza não estavam ali e nunca estiveram.

A mãe vendo a cena tão hilária, diz às crianças “Deus, tirou as asinhas e depois me deu os dois, Aurélia.” Deslumbre total, que não durou nem um minuto. E lá veio mais uma pergunta “Doeu para tirar as asas, mamãe?” E entre sorrisos, a mãe explicou que foi tudo um passe de mágica. Um estalar de dedos e as pequenas asas desapareceram.

“Uau. Ainda bem.” Disseram os dois quase ao mesmo tempo.

“Bem, meninos. Chega de conversa fiada. Vão brincar ali no quintal. Mamãe precisa lavar as roupas e aproveitar o sol.”

Os dois anjos foram brincar e o outro anjo ficou lavando as roupas.