AS AVENTURAS DE CHICO E AURÉLIA – EPISÓDIO 5: CANÇÃO DE NINAR

“Atenção, senhores pais. O programa a seguir não é aconselhável para menos de 10 anos.”

- Meninos, vocês já sabem o que isso significa. Ir ao banheiro, escovar os dentes, colocar o pijama e ir dormir.

- Está bem, mamãe. Vamos, Aurélia.

- Na hora, Chico. Vai você primeiro. Eu te espero na porta.

- Não.  Primeiro, as damas.

- Não sou dama.

- Ah não? O que você é então? Damo?

-Mas você é bobo demais, Chico. Sou criança!

- Criança ou dama, vá indo senão mamãe fica brava.

- Fica nada. A mamãe é mais doce que o mel e tem o coração mais fofo que algodão!

Aurélia vai ao banheiro e depois coloca o pijama. É seguida por Chico. Os dois vão até onde estão o pai e a mãe na sala. Os pais estavam sentados assistindo à TV e conversando mansamente entre eles.

-Sua benção, papai.

-Deus te abençoe, Chico. Dê um abraço apertado no papai.

O menino obedeceu. Chico ficava meio sem jeito de abraçar o pai. Não que tivesse medo dele. Não era isso. Era respeito. Medo não.

- Sua benção, mamãe.

- Deus te abençoe, Chico. Vou querer um abraço também.

Chico obedeceu. Abraçar a mãe era mais fácil. Ela o abraçava várias vezes durante o dia. Que cheiro bom tinha seus cabelos. Não era cheiro de produtos químicos. Era cheiro de mãe. O menino abraçou a mãe, tão apertado, que sentiu o coração dela bater no peito. “Sou igual a minha mãe.” O menino pensou. E ele estava certo. Dentro da mãe batia um coração cheio de amor, dentro dele também batia um coração transbordando de amor. Então, os dois eram iguais. Por esse motivo, por esse único motivo, eles eram iguais. Chico não entendia muito bem o mundo, mas sabia que todos os seus medos acabavam dentro do abraço da mãe.

A baixinha vinha logo atrás, repetindo todos os gestos que o irmão fazia. Por que fazer tudo igual? Não teria personalidade? Não, nada disso. A menina idolatrava o irmão. Para ela o irmão era uma espécie de ajudante de super herói. Ajudante. Porque herói mesmo era o pai. Por isso, ela o imitava em tudo. O irmão era uma espécie de bandeirante, abrindo caminhos e ela vinha logo atrás dando apoio. Mesmo que fosse uma travessura, ela dava todo apoio. Os pais estavam sempre de olho. Corrigindo, orientando para que brincassem, deixassem a imaginação fluir à vontade sem ter perigo de machucar ou provocar acidentes. Os dois estavam crescendo assim: como dois passarinhos dentro de um ninho, sendo cuidados por pais amorosos.

As camas estavam arrumadas. Roupa de cama limpa e com cheirinho de talco. Para viver bem não é necessário dinheiro. O que realmente é preciso é ter boa vontade, coragem, água e sabão. Assim, é possível ter uma casa limpinha; um lar, mesmo que humilde e condições dignas para se viver. E isso nunca faltou na casinha humilde dos meninos.

Chico e Aurélia rezam antes de dormir. Rezavam todo dia a mesma oração. Já sabiam de cor e salteado. Com certeza, você, caro leitor, também reza ou já rezou para dormir. Cada um reza a sua maneira. Os meninos rezavam assim: “Jesus Cristo, meu amigo, fica sempre comigo.” Só isso. Era o suficiente para dormir uma noite inteira sem nem virar na cama. O que vale não é a quantidade de palavras que se fala em uma oração. O que importa mesmo é a fé que a pessoa que ora tem e isso os meninos tinham demais. Fé é acreditar naquilo que você nunca viu, mas sabe que existe.

Rezaram e deitaram. Não tinham sono. As travessuras do dia estavam fresquinhas na cabeça. Estavam meio agitados. Chico olhava para o teto.

-Aurélia, você já dormiu?

-Não.

-Não consigo dormir.

-Vou cantar para você dormir.

-Agora eu vi tudo. Não sou criança não.

-Ah, não é criança? O que você é então?

-Sou homem.

-Homem de nove anos?

-Sim. Um homem pequeno, mas um homem.

Aurélia deu uma risadinha.

-Homem grande ou pequeno, pra mim tanto faz. Vou cantar para você dormir.

“Dorme, Francisco. Francisco, quer dormir.” E repetiu isso um monte de vezes.

De sua cama, Chico não aguentou e começou a rir.

-Sua música só tem duas frases!

-Uai, só sei essa. Não. Espere. Sei cantar “dorme, neném”.

-Não, Aurélia. Essa não. Aí já é demais.

Os dois riram.

Os pais ouviram risadinhas gostosas vindas do quarto. A mãe de Aurélia diz ao marido:

- Os meninos perderam o sono.

E depois de alguns minutos, os dois (pai e mãe) começam a ouvir passinhos pelo chão. Barulho de pezinhos gordos caminhando.

-Chico e Aurélia, o que está acontecendo por aí?

-Mamãe, estou procurando...

-Procurando o que, minha filha?

-Uai, o sono que a senhora disse que o Chico e eu perdemos.

- Anjinho da mamãe, é só uma maneira de falar.

-Ainda bem, mamãe. Já estava quase desistindo de procurar. É difícil procurar uma coisa sem saber o que é.

Riso geral. Tanto na sala, quanto no quarto.

O pai e a mãe dos meninos continuaram assistindo à TV e quando perceberam, não vinha mais nenhum som do quarto.

Eles dormiram.

* * *