Assistimos uma série de reportagens mostrando o drama das famílias atingidas pelas enchentes e uma delas repetida várias vezes no horário nobre da TV foi de uma pequena comunidade que salvou suas 56 vidas agarradas aos galhos de dois pés de jaca. Era possível observar apreensão e alegria por terem sido salvos, especialmente por duas árvores. Os entrevistados tinham gratidão pelas companheiras que antes se lembravam da sua sombra e de seus frutos, mas agora seriam reconhecidas por lhes manter a vida e não os ter deixado serem arrastados feito uma folha seca na fúria da enxurrada, assim como foram suas casas.
É no mínimo lamentável ver grande parte da discussão no parlamento do Código Florestal por lideranças no poder que não sejam capazes de olhar as árvores além da perspectiva de estorvo econômico e que elas atrapalhassem a agricultura e o desenvolvimento.
Essas lideranças precisavam conversar mais com suas bases. O agricultor real, na sua grande maioria, sabe reconhecer a importância das árvores no seu sistema produtivo e seu papel conservador da paisagem. Não suas lideranças, nem os técnicos que vedem insumos e nem os que fornecem financiamento, os quais vendem conjuntamente a idéia de que produzir até o limite máximo da propriedade é que daria renda e ganhos. O que assistimos são as empresas fornecedoras de insumos e os bancos lucrando com esse mecanismo de modernização da agricultura a décadas, mas muito poucos agricultores.
A história já mostrou várias vezes que um sistema econômico mostra robustez e duração no tempo não apenas pela capacidade que tem de crescer e se expandir, mas fundamentalmente pela capacidade de assimilar por tempo determinado seus revezes e suas intemperies.
Desse aprendizado é incompatível esse "esquecimento" de que as árvores são ativos imprescindíveis para a sustentação dos solos e das águas, as principais bases da produtividade agrícola.
Do episódio da salvação das pessoas pelas árvores em Alagoas tiramos ao menos três lições:
1) A mais óbvia é a ambiental: curvas de rio e árvores, especialmente diante das chuvas que têm sido mais concentradas e torrenciais, formam um complexo sistema de contenção e desaceleração da velocidade e da força das enxurradas. Rios retificados e sem matar ciliar, qualquer coisa no ambiente fica vulnerável: gente, suas máquinas e equipamentos, suas construções, suas lavouras e o próprio solo.
Lá em Alagoas e Pernambuco, territórios há muito ocupados sem preservar as matas ciliares, com essas enchentes, foi possível entender o que são consequências de insistir na ignorância sobre esse sistema de preservação e desprezá-lo. O próprio Presidente da República, em visita aérea ao local, fez uma pergunta óbvia para toda imprensa gravar: "porque deixaram essas pessoas construírem naquele lugar?"
2) A lição econômica. Sem falar nas vidas perdidas que não tem preço, quanto vai custar a reconstrução das residências e equipamentos públicos destruídos? Quanto custa o tempo das crianças em seu aprendizado e na superação de seus traumas, enquanto as escolas servem de abrigos públicos de emergência e não há apoio psicológico para lidarem com os efeitos da tragédia nas suas vidas?
Seria muito simplista dizer que bastava existir as matas ciliares, a preservação das encostas e mais árvores em reservas que a tragédia não aconteceria em Alagoas e Pernambuco. Normalmente, porém, onde elas existem, onde há práticas de conservação de solos, as enchentes são mais amenas, mais orgânicas e não tão destrutivas.
A Grande São Paulo que optou crescer quase sem reservas, sem matas ciliares e com rios retificados pode dar seu testemunho por ter se transformado em área de alagamentos permanentes na época das chuvas. Esse é o modelo que vamos continuar a perseguir? Assentados na doação às vítimas e nos recursos tomados do Estado para cobrir as emergências? Que economia é essa?
No campo, quanto custa repor solos e sua fertilidade após a passagens de enchentes e enxurradas que se avolumam porque não respeitarmos as Áreas de Preservação Permanente ? APP?
Por ser um custo que o agricultor paga em silêncio, ano a ano, no balcão dos insumos e na conta dos juros dos seus empréstimos é difícil de fazer esse cálculo. Não faltam matérias na mídia e estudos científicos, porém, que calculam as perdas de solos e o custo da reposição de fertilidade no nosso modo de produção convencional. Aqueles metros a mais de área de produção, defendidos pelas lideranças ruralistas, pagam realmente essa conta?
3) A terceira lição é sociopolítica. Como as árvores não falam e não podem justificar sua importância, precisamos de intérpretes que coloquem evidências. Precisamos que todas partes sejam ouvidas com atenção e com menos emoção de prós e contras como se tratasse de uma partida de futebol. Apesar das audiências, apesar dos manifestos ainda falta muito diálogo e negociação menos emotiva e mais ajudada pela sabedoria científica e tradicional.
Ambientalistas técnicos que vivem o dia a dia do campo e os próprios agricultores que observam em pessoa suas terras e o clima precisam sentar pra conversar. Se as lideranças e os técnicos comprometidos com os interesses da indústria de insumos e do sistema financeiro quisessem assistir seriam uma chance ótima para reverem seu modo de fazer política.
Quem estuda e defende o meio ambiente com responsabilidade e age com menos emoções pertubadoras está muito mais próximo do modo de pensar da grande maioria dos agricultores brasileiros do que se imagina. Suas lideranças poderosas e convencionais arrebanham algumas bases através do discurso de vítima e do medo, fácil de colar diante de ações impulsivas de alguns tipos de ambientalistas.
De um lado, precisa ser interrompido o círculo vicioso de criminalização. Os crimes ambientais e sociais cometidos por ruralistas e especuladores do solo brasileiro devem ser caso de polícia, de órgão ambiental forte e de sistema jurídico desafogado, ou seja, crime é papel de um Estado organizado de modo competente para investigar, coibir, julgar e punir. Os cidadãos que os descobrem têm a responsabilidade civil da denúncia.
Do outro lado, a grande maioria de agricultores que seguiu um modelo tecnológico induzido pelo Estado do passado recente não pode ser tratada como criminosa, a priori, sob pena de não haver diálogo e aí não darmos a chance que precisamos para perceber que ambientalismo responsável está bem próximo dos agricultores que também questionam no seu íntimo o modelo agrícola que foram induzidos a seguir.
Porque continuar as negociações sobre a importância das árvores nas propriedades rurais dentro das paredes do Congresso Nacional, dos Hotéis e dos salões de vidro? Vamos promover um grande diálogo de agricultores de norte a sul e ambientalistas em baixo de uma grande sombra de uma árvore e falar das nossas experiências sobre elas. Aí sim chegaremos a consensos possíveis sobre o que é correto para nossa ação econômica na relação com o que as árvores contribuem. A partir disso teremos medidas possíveis para equacionar uma modernização do Código Florestal, sem essa desfragmentação absurda que querem nos impor uma parcela de parlamentares a revelia do que a natureza e a ciência estão lhes mostrando.
Não merecemos nos lembrar de apenas algumas árvores que salvaram vidas em Alagoas, mas de muitas daquelas "invisíveis" que todos dias passam segurando enchentes, ventos, solos, etc. em nossa proteção. Somos tão insensíveis para percebê-las? O ódio às árvores em nome de alguns trocados concentrados nas mãos de alguns poucos precisa ser revisto, assim como o ódio às pessoas que as derrubaram impulsionados pelo Estado e pelo modelo tecnológico.