Artigo: Brasil e Itália: O caso Battisti ? Parte Final

Roberto Ramalho é advogado, relações públicas e jornalista

Após o governo brasileiro, através de seu ministro da Justiça, Tasso Genro, ter oferecido refúgio político ao ex-militante e guerrilheiro esquerdista Cesare Battisti, mesmo o governo italiano achando uma aberração jurídica e tentasse extraditá-lo de volta para o seu País, e de o presidente do Supremo Tribunal Federal ter dito em entrevista à imprensa que a instituição poderia rever sua posição já que existia uma decisão que beneficiara alguém no pedido de refúgio, adotada pelo órgão, a OAB nacional se pronunciou sobre a matéria, através de um dos maiores juristas do Brasil, José Afonso da Silva.

O parecer aprovado pela Comissão de Constituição da Ordem dos Advogados do Brasil, da competência de José Afonso da Silva, foi um sinal claro, inequívoco de que não houve a monopolização da discussão jurídica do caso.

Afonso, em seu parecer, cita o artigo 3º, nº1, letra "e" do Tratado, que diz: "A extradição não será concedida: e) se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela Parte requerida, crime político". E, mais adiante, a letra "f" do nº1, vai mais além, para garantir a integridade da pessoa cujo pedido de extradição é feito: "A extradição não será concedida: f) se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivos de opinião pública".

De acordo ainda com o parecer do jurista José Afonso da Silva, "o pedido de extradição, pelo Tratado, não apenas deve ser negado se o crime for político, mas se a pessoa a ser extraditada pode vir a sofrer represálias políticas na volta ao seu país. Isso quer dizer que o fato de o Estado brasileiro negar a extradição de Battisti não deve causar espanto ao Estado italiano, já que as situações previstas no Tratado assinado por ambos podem ser configuradas no caso do ex-terrorista italiano".

Segundo a lei, será reconhecido como refugiado político todo o indivíduo que, "devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupos sociais ou opiniões políticas, encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país" (Lei 9.474, de 1997, artigo 1º, inciso I)".

Segundo informou o jornal O Estado de São Paulo, o conselheiro Reginaldo Santos Furtado, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defendeu (dia 06.05.09) a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder refúgio ao extremista italiano Cesare Battisti".

De acordo com o Estadão, a defesa foi feita durante reunião da OAB. Uma posição oficial da entidade deverá ser divulgada no próximo mês. E segundo ainda informou o jornal paulista, para Furtado, a concessão do refúgio foi legal e constitucional. O caso está envolvido no âmbito da soberania nacional. Como não houve um consenso entre os participantes da reunião, o assunto voltará a ser discutido ainda.

Enquanto não acontecia o julgamento do ativista italiano, a defesa de Cesare Battisti requeria pela quinta vez a sua soltura. Segundo o advogado de defesa de Batistti, o Luiz Eduardo Greenhalgh, que dirigiu petição ao ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, relator do processo de extradição do ex-terrorista italiano, insistindo que "seja revogada de imediato a prisão preventiva do refugiado e determinada à expedição do competente alvará de soltura". No entanto, em entrevista recente a imprensa brasileira, o ex-presidente do STF, Gilmar Mendes havia afirmado taxativamente que se a Corte máxima da Justiça Brasileira concedesse a extradição do ex-ativista italiano, Cesare Batistti, o presidente da República, Luis Ignácio Lula da Silva, não teria outra saída a não ser a de acatar a decisão da Corte Suprema, por caber a última decisão final.

Porém, recentemente o ex-procurador Geral da República Antônio de Souza dava um parecer favorável para que Batistti continuasse refugiado no Brasil, afirmando que cabia ao presidente Lula a decisão final e não o STF, o que terminou acontecendo favorável ao ex-guerrilheiro Batistti, com parecer favorável da Advocacia Geral da União. Assim, o Supremo Tribunal Federal ficava numa ?boca de sinuca?, ou seja, numa situação muito delicada para decidir a questão, tendo que novamente votar a matéria.

E durante a sabatina no Senado ocorrida no dia 08 de julho do ano passado, questionado sobre o caso da extradição de Cesare Battisti, Roberto Gurgel afirmou que seguiria a posição tomada por seu antecessor Antonio Fernando de Souza, que deu parecer favorável à decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder salvo conduto ao italiano, condenado naquele país por crimes de terrorismo e defendia a concessão de asilo político ao ex-militante da extrema esquerda italiana que seguia preso à espera de uma decisão do STF sobre sua extradição à Itália, onde é condenado por assassinato.

E julgando definitivamente o caso Battisti, o STF decidiu por seis votos a favor do réu e três contra manter a decisão do ex-presidente Lula que havia concedido o asilo político ao ativista italiano.

Durante o julgamento afirmou o ministro Luiz Fux: "Está em jogo aqui um ato de soberania do presidente da República". Para ele a Itália contestava não apenas um ato do ex-presidente, mas processava a República brasileira. E não caberia ao STF julgar um processo como este. "Isso não é da competência do Supremo Tribunal Federal; isso é da competência da Corte de Haia", acrescentou, citando a Corte Internacional de Justiça com sede na Holanda.

No mesmo sentido votaram o ministro Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, "Não nos cabe policiar ou condenar o presidente da República. Não! O presidente da República vai responder pelo descumprimento do tratado, se for o caso, aos tribunais internacionais", afirmou o ministro Ayres Britto. "É inconcebível para mim ter-se o governo requerente (da Itália) a impugnar um ato do presidente da República na condução da política internacional", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello.

Ao julgar o ato do presidente da República, a maioria dos ministros do STF disse que Lula não descumpriu a decisão da Corte. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal concluiu que a autorização da extradição de Battisti para a Itália não obrigava o presidente a entregá-lo. Para isso, bastaria que usasse uma das ressalvas previstas no tratado de extradição firmado entre os dois países.

"A defesa de Cesare Battisti lamenta que a República Italiana não aceite a decisão soberana da República Federativa do Brasil, baseada na Constituição, no Estatuto do Estrangeiro, em tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário e no próprio Tratado de Extradição entre Brasil e Itália", disse Barroso. Segundo ele, "a prevalecer esse critério, a Itália teria de ajuizar ações questionando também as decisões de países como França, Estados Unidos e Inglaterra que igualmente mantêm tratados de extradição com a Itália e, nada obstante, já decidiram negar extradições por ela solicitadas".

Para o advogado Nabor Bulhões, que defende o governo da Itália, a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de manter Battisti no Brasil é "incompatível com a decisão da Suprema Corte", que autorizou a extradição, em novembro de 2009. Por isso, ele estuda levar o caso até a Corte Internacional de Haia.

Um dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que não concorda com a tese do advogado alagoano, o ministro Carlos Ayres Britto, estranhou o possível envio do caso para Haia. Afirma de maneira contundente Ayres Britto: "Tudo faz crer que a Corte de Haia reconheça a decisão do STF. É um Tribunal de Direitos Humanos", ressaltou. De acordo com ele, o STF não poderia impor a sua decisão que autorizou a extradição ao presidente Lula. Para Britto, ao tribunal incumbe apenas a tarefa de dizer se o caso é passível de extradição, mas a decisão final é do presidente. "Não compete ao STF tutelar o presidente da República quanto à soberania de Estado, concluiu."

Na avaliação de juristas ouvidos pelo jornal O Estado de São Paulo, em sua edição de domingo (12.06.11), um recurso italiano à Corte Internacional de Justiça em Haia questionando a decisão do Brasil de não extraditar Cesare Battisti tem poucas chances de sucesso.

Assim opinou os juristas ao O Estado de São Paulo:

O tratado firmado entre os dois países não prevê que a Corte de Haia arbitre eventuais disputas, conforme explica o professor de direito internacional da USP André de Carvalho Ramos. Segundo ele, para o processo ter prosseguimento na Corte Internacional de Justiça, a Itália precisará da anuência do Brasil. "Acho muito improvável que o governo brasileiro concorde em submeter sua decisão a Haia", afirma ele, acrescentando que o momento diplomático atual é favorável ao Brasil. "Sem o processo na corte, restam apenas os meios diplomáticos."

No mesmo sentido, segundo opinião formada o jurista Gustavo Binenbojm, professor de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), diz que a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve sua argumentação baseada em um artigo do próprio tratado, que prevê situações em que os governos podem se recusar a cumprir a extradição. Afirma o jurista: "Acho muito improvável que a Itália tenha sucesso. Claramente, o recurso é uma medida política, visando à opinião pública italiana."

Evandro Cardoso, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, acrescenta que, ainda que a corte decidisse em favor da Itália, não teria meios de forçar o Brasil a cumprir a sentença. "Foi uma decisão soberana, no âmbito das relações internacionais."

Entre os juristas, é consenso que, tradicionalmente, a decisão sobre extradições é uma prerrogativa do presidente da República - reafirmada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Eles defendem, contudo, ser este o momento de reinterpretar essa posição. "No século 21, em meio ao debate de integração, a extradição de presos políticos não pode ser usada como moeda de troca. Esta deveria ser uma questão de cooperação", diz André de Carvalho Ramos.

Marcelo Figueiredo, diretor da Faculdade de Direito da PUC, considera que hoje "nenhum país é autônomo e, para isso, existem os tribunais internacionais". "Se tivéssemos um presidente mais integracionista, talvez a decisão fosse mais calculada", opina.

Concluindo, observo que se fez justiça, principalmente porque, embora os familiares das vítimas tenham afirmado ter sido Cesare Battisti o assassino, nunca ficou provado essa assertiva. Para aqueles que contestaram o ato do ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva em conceder o refúgio político ao ativista italiano, por ele pertencer a uma organização guerrilheira de esquerda, todos devem se lembrar que o Brasil também concedeu asilo político ao ditador Alfredo Stroessner , ex-presidente do Paraguai, que era da linha dura do exército, ou seja, de extrema direita. Além disso, concedeu asilo político ao ladrão do trem pagador, Ronald Biggs, e ao mafioso italiano Tommaso Buscetta , entre outros.

Vejam a repercussão no noticiário de três dos principais jornais do mundo:

CORRIERE DELLA SERA, ITÁLIA

Manchete principal: "Meu irmão morreu pela terceira vez"

O jornal italiano publicou uma entrevista com Maurizio Campagna, irmão do agente Andrea Campagna, assassinado aos 25 anos em emboscada reivindicada pelos Proletários Armados pelo Comunismo, organização terrorista a que pertenceu Battisti nos anos 1970. Segundo Maurizio, seu irmão morreu pela terceira vez. "A primeira foi nas mãos de Battisti. A segunda, nas três décadas de esquecimento do caso. A última, com o veredicto do STF."

LE MONDE, FRANÇA

Manchete principal: Itália derrotada. Battisti encontra a liberdade

O chefe da diplomacia italiana, Franco Frattini, anunciou em comunicado o seu "profundo pesar" e anunciou que Roma "usará todos os mecanismos de tutela jurídica possível entre as instituições multilaterais, em particular ao Tribunal Internacional de Haia".

THE WASHINGTON POST, ESTADOS UNIDOS

Manchete principal: Assassino italiano libertado no Brasil

A publicação da capital dos Estados Unidos destacou o fato de Cesare Battisti ter sido condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos cometidos na década de 1970, na Itália, e ganhar a liberdade no Brasil. Segundo o Post, o governo italiano considerou a decisão um "ultraje".