Resumo

Este artigo relata o paradoxo da gênese de Palmas, expondo por meio da análise da relação do discurso político ideológico e da cidade “neutra” moderna, o processo de planejamento e evolução urbana, revelando as principais implicações dos fenômenos urbanos contemporâneo da fragmentação, segregação sócio-espacial e da dispersão urbana no território das cidades. A priori, parte-se do desdobramento da frase “Só se perguntássemos às vacas” dita, em 1999, no I Seminário de Arquitetura e Urbanismo de Palmas por Walfredo Antunes, um dos idealizadores do projeto urbanístico da capital do Tocantins1. Com este desdobramento, aborda-se o processo de ocupação territorial de Palmas, desde o início de sua fundação, com ênfase nas lições urbanísticas brasileira das cidades de Goiânia e Brasília, cidades-capitais planejadas no século XX. Estas três cidades experimentam das lições do urbanismo das cidades-jardins e da Carta de Atenas, sendo implantadas ao sabor da modernização da política brasileira no Brasil rural. Introdução Uma grande pastagem ocupada por uma população de gado bovino. Esta era a característica do território de Palmas. Conforme relata Antunes, as vacas, primeiros habitantes “fêmeas” da espécie zebuína, eram maioria. Com a afirmação de Antunes, o planejamento da cidade partiu do pressuposto de uma terra não-ocupada, sem história e sem manifestações culturais. A afirmação se apresenta pouco fundamentada, revelando certo descaso com o planejamento urbano e com o povo tocantinense. Na criação do Estado do Tocantins, por meio da constituição de 1988, o discurso político ideológico de Siqueira Campos em dinamizar o crescimento econômico e assistir uma população esquecida do então, norte-goiano, fez florescer ainda mais a ideologia modernista do território neutro. Tais condicionantes revelam a anti-posição à cultura consolidada das cidades existentes antes da criação do Estado e a formação de um espaço ilegível, de imagem “fraca”. Além, do aspecto morfológico descaracterizado, a cidade traduz, por meio das expressões do movimento moderno, um espaço fragmentado, segregado e disperso. Em território neutro, nascem, também, as capitais de Goiás e do Brasil. A marcha para oeste de “Getúlio Vargas” na década de 1930 imprime a hostilidade ao tratamento do território. Com os 2 discursos de criação das três cidades, a forma como foram implantadas elevou os custos da terra sustentados por medidas do Estado e expulsou a parcela de baixa renda da população para fora dos limites físicos do plano. Em Palmas, o Estado detentor das terras urbanas favorece o interesse privado e adquire terras fora da área do plano para atender a demanda habitacional da população de menor poder aquisitivo. As ruas das quadras, que eram para ser integradas ao sistema viário local, apresentam-se como espaços fechados pelos muros dos lotes. A ocupação contraditória afasta o pedestre das ruas tornando-as espaços hostis de circulação de veículos. Neste espaço, os encontros de pedestres são pouco freqüentes; a separação dos usos privilegia a utilização do veículo; o zoneamento rígido dificulta a mobilidade urbana e contribui com a elitização da cidade; e os altos custos da terra proporcionados pela elitização das quadras favorecem ao processo de invasão e segregação por parcelas da população. Neste cenário, a somatória do urbanismo moderno brasileiro e o desmando do estado autoritário repercutem na forma de apropriação do solo urbano. A análise da afirmação urbanística do Estado moderno nos conduzirá ao percurso ideológico que levaram seus idealizadores a seguir os princípios das quatro funções da Carta de Atenas, mesmo depois de decorrido 13 anos da Carta de Machu Pichu, que vem, após 45 anos, contradizer ao zoneamento das funções urbanas instituída pelo movimento moderno.