SANTOS: PINTURA NO SÉCULO XX
Tradição, resistências e permanências

A pintura em Santos, como em todo o território nacional, até meados do século XX, estava diante da submissão cultural ao continente europeu desde o descobrimento
Mesmo no período do Barroco, a pintura não se desenvolveu de modo favorável. Era feita para a igreja por artistas autodidatas sem formação técnica, com inspiração em gravuras espanholas e italianas com suas cores fortes e formas movimentadas, sem caráter popular ou de autenticidade nacional.
Na sua maioria, a produção era anônima, transcrevendo os moldes europeus, importados da Itália, de caráter erudito.
Servindo aos interesses de ostentação da aristocracia e da igreja, a arte barroca no Brasil, foi adaptada e moldada aos valores emocionais da sociedade do período.
Com a Missão Artística Francesa e a difusão do estilo Neoclássico, uma nova postura estética envolve a produção artística no Brasil, ditando as normas adotadas pelos artistas plásticos das principais cidades do país. Santos esteve sob a influência dos mestres da academia, que difundiram as novas regras e técnicas.
A missão foi uma idéia do Conde da Barca, ministro de D. João VI, que previa o projeto da Escola de Ciências, Artes e Ofícios no Rio de Janeiro. O processo de organização da missão esteve a cargo do embaixador Marquês de Marialva, junto à corte de Luís XV. Joaquim Lebreton, secretário da Academia de Belas Artes do Instituto da França, ficou incumbido de selecionar os artistas de renome como Nicolas Antoine Taunay (pintor do instituto), Auguste Marie Taunay (escultor), Jean Baptiste Debret (pintor) e outros.
Os artistas estavam influenciados pelo classicismo greco-romano e renascentista, base do movimento neoclássico. A obra tinha uma concepção racional, uma postura intelectualizada, sobrepondo todo o emocional e o sentimentalismo, limitando o exercício da imaginação, no processo contínuo de disciplina e de ordem numa atitude de repressão através de convenções e normas.
A situação econômica do Brasil definia sua dependência dos grandes centros europeus. Toda a inspiração da nova arte era veiculada pelas academias oficiais, o que não permitia autenticidade e espontaneidade de características regionais ou nacionalistas.
Os artistas brasileiros, herdeiros da missão francesa, demoraram para sentir os reflexos dos movimentos europeus, que já desprezavam o neoclássico. O romantismo buscava o reencontro com a atmosfera afetiva, abrindo espaço para a linguagem impressionista e sua valorização da luz e da cor. Os temas abordavam o cotidiano, as posições políticas, sintetizando o desenho em formas geométricas, permitindo o afloramento do emocional do autor, refletindo o seu drama interior na busca de novas soluções estéticas. Toda essa transformação permitia novos rumos para as artes plásticas, na Europa, que sugeria um desdobramento que, mais tarde, resultaria no estilo expressionista.
Ao analisar as pinturas produzidas em Santos, ainda nas primeiras décadas do século XX, fica clara a influência dos grandes mestres que persistiam no "academicismo" francês. Tais características continuaram fortes nas obras dos pintores Pedro Américo, Victor Meirelles, Zeferino da Costa, Rodolfo Amoêdo, Oscar Pereira da Silva professor de Guiomar Fagundes, artista radicada em Santos, entre outros, artistas que cursaram a academia, obtendo prêmios de viagem para a Europa, mantendo as convenções impostas pelo estilo neoclássico.
Esses eram os nomes dos inspiradores ou dos formadores de professores que mantiveram contato com artistas que desenvolveram seus trabalhos em Santos ou nas escolas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Outros nomes, conhecidos na esfera nacional, como Almeida Júnior, Castagneto, Parreiras e Eliseu Visconti tiveram alguma influência, embora modesta, do impressionismo francês. Os temas eram marinhas, praias e barcos, cenas do cotidiano, retratos, aves, natureza morta e paisagens rurais. Visconti é o primeiro toque de rompimento com o tradicional, rumo ao modernismo. Estudou em Paris, sofreu moderada influência do impressionismo. Estudou na Academia de Belas Artes, discípulo de Vitor Meireles.
Benedicto Calixto de Jesus, nascido em Itanhaém, 1853, é um exemplo típico de artista brasileiro que manteve estreita relação com a arte acadêmica francesa. Aos 28 anos de idade, realizou a sua primeira exposição em São Paulo.
Encarregado de pintar o teto do teatro Guarany em Santos, Calixto veio residir na cidade. Seu trabalho despertou grande interesse no construtor da casa de espetáculos que conseguiu, junto ao Visconde Vergueiro, uma bolsa de estudos para Benedicto em Paris. Na capital francesa, o pintor teve aulas com Raffaelli, Bouguereau, Robert-Fleury, Lefevre e Boulanger. Sua dificuldade com o idioma francês e o medo da epidemia que assolava Paris fez Benedicto Calixto retornar para o Basil. Na bagagem, o artista trouxe uma grande paixão pela fotografia, arte que estava surgindo naquele período. De volta à sua cidade natal, Itanhaém, com ajuda de Júlio Conceição, Calixto logo foi morar em Santos, onde realizou alguns trabalhos sob temas sacros e históricos. Mas as oportunidades surgiram em São Paulo, para onde o artista se mudou em 1890, participando de várias exposições. Só em 1894 é que retorna para o litoral, fixando residência e atelier em São Vicente. Nessa época, começou a trabalhar as paisagens marinhas do litoral paulista e a lecionar pintura na escola Tarquínio Silva, na Associação Instrutiva José Bonifácio e no Liceu Feminino Santista.
Sua paixão pela História foi denunciada nas suas telas e nas pesuisas desenvolvidas sobre o passado paulista. É a fase documental estampada nas suas obras, baseadas em fotografias.
O caráter regionalista de Benedicto Calixto, já no início do século XX, é um marco na produção cultural de Santos e região. As raras paisagens de pintores contemporâneos de Calixto serviam muito mais para o exercício das técnicas do óleo sobre tela do que a preocupação em registrar ou documentar o mundo exterior. Uma prática bastante comum entre os impressionistas europeus, o ato de pintar ao ar livre e captar a energia da cor e as variações da luminosidade natural, era desprezado pela maioria dos pintores santistas, que preferiam o abrigo dos ateliers para as cópias, interpretações e exercícios das rígidas normas da academia.
Somente nos meados do século XX é que a prática ao ar livre, vai ser mais explorada por algum grupo de artista em Santos.
Dessa forma, Benedicto Calixto inovou, chegando a colocar vários negros e índios no quintal de sua casa para poder estudar e pintar suas características e atmosfera naturalista. Apesar dessa atitude despojada percebe-se a obra de Calixto, como um resultado bastante preso às regras acadêmicas ditadas pelo estilo neoclássico. O conjunto de sua obra, sugere uma colorida alegoria de fatos e cenas históricas ocorridas no Brasil. Grande parte dessa produção foi feita sobre fotos de Militão Augusto de Azevedo, datadas de 1862 a 1887, aproveitando os mesmos anglos registrados nos retratos do fotógrafo, mas com adoção de colorido e luz garantidos pela liberdade poética de um pintor. Benedicto Calixto, conhecido como "pintor caiçara", perpetuou imagens de Santos, São Vicente, São Paulo e Itanhaém, que tanto serviu e serve como referência documental histórica, mas que deve ser analisada com cuidados e bastante rigor.
Amigo do historiador Affonso de Escragnolle Taunay, o pintor executou várias obras, a pedido do amigo, para as comemorações do centenário da Independência do Brasil em 1922.
Sua obra foi bastante valorizada e difundida em outros estados do Brasil, como Pará, Minas Gerais e Rio de Janeiro, locais onde podia garantir o comércio de suas telas.
Com uma postura ditada pelo seu rígido temperamento, resistente às inovações técnicas, que surgiam no período, Calixto imortalizou cenas históricas com suas telas como A Fundação de São Vicente, O Porto das Naus, os painéis da fundação de Santos nas paredes da Bolsa Oficial do Café, Porto de Santos Visto do Monte Serrat, Porto de Santos ( com vista da Ilha de Barnabé), diversas telas no acervo da Pinacoteca Municipal de Santos que leva o seu nome, além de trabalhos literários sob o tema histórico.
Sua atividade como professor proporcionou a formação de vários discípulos na cidade de Santos e região. O pintor santista Gentil Garcez, nascido em 1903, teve seus primeiros ensinamentos com sua mãe, frequentando, mais tarde o atelier de Benedicto Calixto. Garcez pintou inúmeras paisagens e marinhas, sendo premiado no Salão Paulista de Belas Artes em várias oportunidades. Seus trabalhos não ficaram só nos limites do litoral. Por encomenda do Governo de Minas Gerais, Garcez realizou uma série de obras que se encontram hoje nas várias repartições públicas de Belo Horizonte. Sua arte não se limitou às regras acadêmicas francesas. Dono de grande sensibilidade, suas pinceladas denunciam uma forte inspiração nos arejados quadros impressionistas.
Artista um pouco mais novo que Benedicto Calixto, mas merecedor de algum destaque no campo das artes plásticas em Santos, Wladimir Alfaya, conhecido como Mimi, filho do Comendador João Manoel Alfaya Rodrigues, manifestou sua vocação para a pintura desde criança. Estudou na Europa, freqüentando em Paris a Academia de Belas Artes, viajou para a Antuérpia onde conheceu a Escola Flamenga e residiu em Roma por um ano. Sua produçào em pintura na cidade de Paris ficou conhecida em Santos através de uma grande exposição no Bar Chic. Participou de outras exposições em Campinas e São Paulo, exibindo suas telas com temas figurativos, natureza morta e paisagens. Faleceu em 1913, preparando uma nova exposição de quadros na cidade de Santos, aos 34 anos.
A temática acadêmica persistiu nos trabalhos de José Roncoleto Lubra, o premiado pintor das rosas que exercia o ofício de professor de artes. Flores, paisagens, marinhas e natureza morta compunham a temática de Lubra. Havia uma transparência singular em suas pinceladas, principalmente quando buscava registrar a água. Sua marinhas eram reproduzidas em telas de grandes dimensões, trabalhando com o movimento das ondas e a luminosidade típica da atmosfera marinha. Mas sua grande produção estava nas telas com flores, preferencialmente nas rosas, tema bem aceito pela sociedade santista, conservadora em termos de gosto pela estética pictórica.
Nessa linha, Guiomar Fagundes (1893-1975), pintora reconhecida no exterior pelos seus nus, foi uma apaixonada pelas flores. O rigor acadêmico de Guiomar está presente nos vários retratos de personalidades da sociedade santista, principalmente mulheres, e nas suas raras paisagens.
Apesar de autodidata, Guiomar manteve contato com vários pintores de renome no Brasil. Em sua palheta predominava os tons vermelhos. Costumava levar seus desenhos para a criteriosa análise de Oscar Pereira da Silva que aconselhou uma viagem para Itália.
Na Europa, seu trabalho era inspirado em poemas e obras literárias. Para o "Salon de Paris", a pintora preparou uma tela de dimensões maiores que a permitida no regulamento. Esse trabalho foi fruto da leitura da "Ceia dos Cardeais" de Júlio Dantas. Para pintá-lo, Guiomar precisou contratar pessoas, mendigos de abrigos noturnos - por serem mais baratos - para pousar como modelos e alugar cadeiras e outros móveis de época, buscando uma criteriosa fidelidade com o texto. Sua paixão e persistência custou algum dinheiro para ela e sua filha, que precisaram abrir mão de almoços para poder realizar aquele trabalho.
A pintora passava por dificuldades financeiras, mas não deixava de pintar. Ao terminar a tela da "Ceia de Cardeais", como sua dimensão era imprópria pelo que exigia o regulamento, um amigo sugeriu que a pintora cortasse a cabeça de um dos cardeais e concorresse com esta parte da tela. Guiomar se negou a mutilar sua obra. Na hora do julgamento, os homens deveriam erguer suas bengalas para confirmar a aceitação do trabalho. Todas as bengalas foram erguidas. Algum tempo depois o quadro foi comprado pelo governo brasileiro, que dele fez presente para Portugal, sendo trocado pela espada de D. Pedro I. Hoje o quadro se encontra no Museu de Lisboa.
Outra passagem, da renomada pintora, que ilustra as dificuldades dos artistas daquela época foi quando Guiomar Fagundes soube que o seu quadro Baía na Quitandeira, que havia enviado para um salão na Itália, encontrava-se na alfândega, em um lote para ser leiloado. A pintora teve que comprar toda a sucata do lote para poder salvar sua obra, dispondo de suas poucas economias.
Ao transportar um de seus famosos e delicados nús de Paris para Florença, onde iria expô-lo, foi barrada na alfândega para declarar o valor da tela. Como a autora não sabia dizer preço as autoridades disseram que naquele país era muito valioso, taxando uma quantia superior às possibilidades da artista. Não conseguindo sua liberação, mesmo mostrando que era de sua autoria, não conseguiu pagar a referida taxa, tendo que cortá-la em tiras para se livrar dos encargos.
Nos anos de 1960, é que Guiomar adotou Santos como sua terra de coração, recebendo o título de "Patrimônio Nacional", por determinação de uma lei federal. Na mesma época, Guiomar recebeu a "Medalha do Mérito Cultural" atribuída pela Câmara Municipal de Santos. Sua obra mostra uma organização espacial bastante convencional, equilibrada, mantendo o tema principal centrado na tela, no mais perfeito molde acadêmico. Em alguns quadros, o jogo de luz busca os princípios da luminosidade de modo bem próximo da obra barroca.
Outra paixão de Guiomar Faguntes foi a música. Chegou a tocar piano em apresentação, com Guiomar Novaes e foi responsável pela fundação do Centro de Expansão Cultural e da Orquestra Sinfônica de Santos.
Merecedora de várias citações, prêmios e elogios da crítica internacional, suas obras estão em vários museus do Brasil, de Nova York, Lisboa, Uruguai e Argentina.
Um crítico europeu chegou a publicar um comentário bastante curioso, após visitar uma exposição de pintora das flores: "Ela pinta como um homem".
Guiomar pintou até seus últimos dias de vida. Dona de uma vista invejável, faleceu em 1975, na cidade do Rio de Janeiro aos 83 anos de idade.
A vida dos artistas plásticos de Santos não era fácil. Para poder manter um atelier era preciso se lançar como professor de pintura. O mercado de arte foi bem restrito. Não se consumia artes plásticas como a literatura ou mesmo a música. Os casarões eram decorados com poucas telas, geralmente um retrato, uma natureza morta para a sala de jantar, mais uma ou outra tela de cenas rurais, retratando alguma propriedade da família. As paisagens e marinhas poderiam ocorrer nas paredes da sala de estar. Constante eram as flores. Cenas da cidade de Santos foram raras nas casas da aristocracia santista.
Muitos pintores sofriam com a falta de mercado na cidade. Disputar um lugar na capital era muito difícil. Lá estavam os renomados artistas da época que lançavam seus alunos como verdadeiros discípulos. Eram esses que tinham maior credibilidade e aceitação nas classes mais abastadas.
Ilustrar revistas, recorrer a alguns desenhos para propaganda em jornais, ilustrar cardápios e, se possível, conseguir fazer um afresco em alguma igreja ou teatro da cidade.
A bebida, assim como nas grandes capitais, foi uma companheira quase constante de alguns pintores de Santos. Alguns precisavam rifar suas telas para poderem conseguir sobreviver.
Outra prática percebida, menos recomendável, era a falsificação de obras de artistas consagrados, como as de Benedicto Calixto, para serem vendidas em casas de leilões em outras cidades, se possível em outro estado. Havia uma certa conexão entre o pintor, o restaurador - conhecedor de técnicas para envelhecimento de telas e da molduras - para finalizar o processo nos leilões organizados fora da cidade de Santos. Evidentemente isso não era uma regra, mas uma atitude que poderia ocorrer aos habilidosos e conhecedores pintores das técnicas dos colegas consagrados.
A boemia acompanhou vários artistas do período. Godoy foi um desses pintores que se aventurou no tempo e no espaço. Nascido em Piracicaba, 1899, foi restaurador, iniciou estudos no campo da agronomia ainda no Colégio Agrícola de Piracicaba por determinação dos seus pais.
Ao receber uma pequena herança de família, apaixonado por pintura, Antonio Godoy Moreira partiu para estudar no Rio de Janeiro, mas seu destino foi cortado, indo morar em Santos. Freqüentava os bares e mesas de jogos, de onde dizia tirar seu sustento. Não era raro encontrar o pintor bebendo na Casa Espéria da Praça Rui Barbosa, no Bar do Comércio, no Bar Bohemia da Praça da República ou no Gambrinos da rua General Câmara de Santos.
Foi um assíduo freqüentador das boates e bares da "Boca", bairro que abrigou a prostituição em Santos nas proximidades do porto. O Chave de Ouro e a boate ABC, freqüentados por noctívagos e marinheiros de todas as partes do mundo, eram os preferidos do artista, que mantinha contato com os comandantes e tripulantes suecos, noruegueses e ingleses, seus clientes e consumidores de quadros.
Aos 20 anos seguiu para Madrid, buscando pesquisar e mais estudos sobre pintura. Estudou em escolas e academias em Paris e Málaga. Visitou Londres, Roma, Berlim e Madrid. Passou por momentos difíceis por não se preparar para uma profissão. Só a pintura o interessava. Conseguiu uma passagem de volta para o Brasil a bordo de um navio cargueiro.
Desafiando os amigos, o artista apostou que terminaria o quadro antes do comandante partir. A aposta foi fechada. Eram 3 horas da manhã e o quadro estava pronto, agradando, por demais, o cliente. O europeu foi até a casa do pintor e levou consigo todos os quadros que lá encontrou, pagando uma boa quantia em dinheiro. Foi a primeira e última vez que o artista viu o tal comandante norueguês Gustavson.
Depois de algum tempo, Godoy soube, por amigos que viajaram para Noruega, que seus quadros estavam numa sala de exposição em Bergen, cujo nome era Antonio Godoy.
O boêmio artista passava noites em navios para poder pintar e vender sua obra aos comandantes.
Em um acidente der carro, na Via Anchieta, o artista perdeu um olho. Passou dois anos sem pintar. Montou uma galeria de arte no bairro do Gonzaga em Santos, ao lado do Cassino Atlântico, dando um importante espaço para os artistas da cidade.
A produção de Godoy encontrou espaço em países como Estados Unidos, China, Japão, França, Inglaterra e Alemanha. Em Santos, numa única exposição no Parque Balneário Hotel, chegou a vender todos os 102 quadros expostos.
Seu tema predileto é o rosto humano. Grande retratista, habilidoso pintor, colecionador de fotografias, ficou conhecido como "pintor das cabeças", principalmente pelo seu gosto em retratar o "preto velho". Além das figuras humanas gostava de pintar paisagens e restaurar obras como as várias de Guiomar Fagundes, Benedicto Calixto, Oscar Pereira da Silva, Pedro Alexandrino e todo o acervo da Santa Casa de Misericórdia de Santos. A técnica de restauração, usada em sua oficina na avenida Conselheiro Nébias, 262, foi ensinada por Altini.
Trabalhar em restauração era só em dias de muito sol para que a luz permitisse captar a pincelada do pintor e ter uma secagem rápida.
Godoy abraçou Santos como se fosse sua terra natal como mostra sua fala quando recebeu o título de Cidadão Santista: "...sou mais santista do que muitos que nasceram nesta cidade. Amo esta terra..."
Sanseverino, foi um pintor que se dedicou ao estudo de marinhas. O por do sol e o brilho do luar se alternam nas suas telas, que mostram pedras e as ondas do mar quebrando na praia. Um pintor que repetia suas cenas, variando alguns detalhes ou a tonalidade empregada nos seus azuis e verdes, buscando um resultado contemplativo e pouco sugestivo. J. Sanseverino teve uma grande produção e bons momentos de venda, alternando fases mais difíceis e fases, modestamente, mais favoráveis. Apesar do tema ( marinha), exigir telas de grandes dimensões, o pintor teve uma série de quadros menores, o que possibilitava uma redução no valor da obra, facilitando o comércio. Mais uma vez, a arte ainda se mantinha presa aos princípios da academia francesa.
Diferente da literatura e da arquitetura, que nos anos 1930 já teve intenções mais arrojadas na sua estética e na aplicação de novas técnicas construtivas e materiais difertenciados, a pintura só arriscou, timidamente, uma nova estética e uma nova técnica, a partir da segunda metade do século XX.
Uma postura pouco arrojada para a época, pois, as tramas e a polifonia do modernismo já ditavam uma nova ordem a partir da exposição de Lasar Segall, em 1913, com obras do estilo expressionista, nove anos antes da polêmica Semana de Arte Moderna em São Paulo. Seu expressionismo nunca foi gritante, revelando uma alma melancólica com estreita afinidade com o cubismo, mas a arte de Segall tinha qualquer coisa de muito inovador para os moldes adotados no Brasil até aquela época.

Pensar a produção cultural de Santos do século XX é refletir sobre o surpreendente resultado de obras literárias como contos, poemas, poesias, romances, crônicas e algumas tímidas iniciativas para um acervo de pintura, tipicamente santista.
A liberdade poética dos escritores santistas ultrapassou, e muito, a vontade da produção pictórica em registros coloridos do óleo sobre a tela, tentando resgatar ou registrar a paisagem santista, seja ela urbana, ou natural.
Toda a liberdade de produção, envolvida pelas características da cidade, que poderiam servir de objeto para o pintor, não chegou a emocioná-lo a ponto de garantir um rico acervo de obras da cidade como tema. Salvo algumas raras exceções, o pintor santista optou pelo formalismo das técnicas e temas acadêmicos.
A poética do cotidiano de Ribeiro Couto, em seus contos e outros escritos, permeando as tramas da cidade de Santos, a preocupação com o social de Roldão Mendes Rosa, plena de aspectos santistas e atmosfera intimista, são elementos que suportam uma obra literária com mais regionalismo que qualquer pintura do período.
Em 1917, Anita Malfatti promove, em São Paulo, uma exposição que se transformaria num marco pioneiro no processo de renovação das artes plásticas brasileiras. Eram pinturas fortes e livres sem a menor preocupação com o naturalismo, tão cultuado pela academia.
Sua atividade, colocando em contato a juventude intelectual com caminhos novos totalmente desconhecidos no Brasil, será o prelúdio para a revolução que ocorreria em 1922, a mais poderosa manifestação de atualização artística no Brasil, abrindo espaço para as novas perspectivas abertas à arte, numa postura de caminhos antiacadêmicos e polêmicos, gerando confusão quanto aos seus objetivos estéticos.
Os nomes de Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Paulo Prado, Vila Lôbos, Victor Brecheret, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Cândido Portinari, entre outros, formam o elenco de modernistas que deveriam ditar as boas novas da arte moderna.
A capital, São Paulo, vizinha de Santos, foi o palco para essas transformações e um forte fator para o deslocamento do eixo cultural do Rio de Janeiro que, na condição de capital desde a vinda de D. João VI, era o centro cultural onde abrigava as academias, o mercado produtor e consumidor. No Rio estavam o poder central, a Escola de Belas Artes , o Salão Nacional, a Academia Brasileira de letras, estabelecimentos fortemente conservadores, obedecendo cegamente à tradição acadêmica francesa, arraigada entre os cariocas e seguida pelos artistas santistas.
Tocados pelos novos rumos da arte brasileira, do pós 1922, um pequeno grupo de artistas de Santos, sem a menor pretensão de se criar um movimento cultural, ou uma escola artística na cidade, começa a sair para pintar, buscando novas paisagens e outras atmosferas. O destino era Ouro Preto, Paraty, São Sebastião, ou mesmo a vizinha Bertioga. Falavam muito em matizes dos artistas europeus, discutiam as palhetas dos pintores e o desenho geometrizado dos cubistas. Pouco se falava nos modernistas brasileiros. Romeo de Graça, paulistano radicado em Santos, nascido em 1918 buscou uma nova interpretação da imagem, através de suaves pinceladas traduzidas em transparências como veladuras que tendiam ao abstrato. Sobre esse fundo infinito e translúcido, De Graça colocava uma pérola de grande realismo. Uma técnica apurada e delicada que foi comentada pelo crítico T. Kumaraka:
" Os trabalhos de Romeu de Graça, sugerindo sentimentos de profunda filosofia humana, nos apresentam cristais poliédricos pintados com muita habilidade, limpeza e transparência impressionantes, eternizados sobre telas nas quais percebemos não só o fruto de muitos anos de pesquisa, mas também como é rigoroso nos detalhes de combinação de formas e cores".
As telas desse artista eram quase monocromáticas, com uma rica gama de tonalidades. Desenhista, tapeceiro, pintor e gravador, Romeo também passou a lecionar em seu atelier particular. O pintor das pérolas, não se adaptou às jornadas dos seus colegas, visitando cidades históricas e registrando paisagens. Mesmo acompanhando o grupo, Romeo não se propunha a retratar as paisagens que os colegas tanto coloriram. Fazia parte do pequeno grupo, pintores e desenhistas como os irmãos Inforzato, Começanha, Veiga e o pintor de paisagens e publicitário Athayde Lopes.
Athayde, estudou pintura com Lubra. Nasceu em Santos no ano de 1934 e largou sua profissão de publicitário para viver só de suas telas. Artista premiado, desenvolveu grande habilidade com a técnica de pintura espatulada. Sua obra traz grandes contrastes de luz nas paisagens rurais, marinhas e casarios. O céu é sua marca registrada, descrito sobre vigoroso gestual com massa de tinta e espátula, chegando ao relevo, indo do mais profundo negro ao mais autêntico clarão celestial.
Uma pessoa simples, de hábitos comuns, rigoroso na pesquisa dos grandes mestres europeus, habilidoso no traço de desenho, preocupado com a cor. O resultado é uma obra bastante harmoniosa e movimentada, com fundo que tende ao abstrato. Um trabalho de efeito bastante aceitável no circuito comercial das galerias de arte na capital paulistana, principalmente as tradicionais galerias do centro da cidade.
O público consumidor de suas telas sempre esteve fora de Santos. Athayde Lopes, conseguiu reunir grande número de alunos, em torno de seu cavalete em entidades e instituições promotoras de curso de pintura em Santos.
Nivaldo Damy Inforzato, nascido em Bocaina, 1931, trabalhou muito as paisagens urbanas das cidades históricas e de Santos. Pintou a praia, utilizando pinceladas suaves, iluminadas e bem colocadas, resultando um figurativo colorido de boa aceitação do público consumidor. Também estudou com Lubra, na cidade de Santos, e mais tarde com Durval Pereira em São Paulo. Com características impressionistas, seu trabalho buscava uma releitura dessa técnica. Recebeu prêmios em salões promovidos na cidade de Santos e no interior. Como Athayde, buscava novas paisagens e novos ângulos do visual colonial urbano.
Dos pintores que se basearam na arte acadêmica e no impressionismo, Omar Pellegatta se destacou pela grande aceitação de sua obra. Um estilo que agradava os consumidores de uma estética mais tradicional. Pintor e gravador, nascido na Itália, sua temática abrange os velhos casarios coloniais, o sacro, as paisagens rurais, contendo o elemento humano idealizado na figura de madonas, santos, anjos e coroinhas.
A estilização de suas figuras, delicadamente esguias, propunha uma atmosfera de ternura e leveza, mesmo quando pintava o fundo com velhos casarões.
Pellegatta pintou Santos. A Santos da rua XV, da rua do Comércio e do café, abordando um cotidiano tranqüilo, tantas vezes molhado de chuva, outras tantas sob as sombras projetadas pelos edifícios coloniais, desenhando formas geométricas no chão pavimentado de pedras . Mas a figura humana, com toques expressionistas em sua obra, só aparece mais tarde. No início, raramente retratava a figura humana.
Sua atenção esteve voltada para os mestres clássicos da pintura italiana. No processo de criação, Pellegatta preferia o trabalho de campo, produzindo inúmeros esboços, através da observação, os quais se transformavam em sofisticados quadros em óleo sobre tela. Era comum o artista se juntar com os colegas para ir fazer suas "manchas" (esboços) no centro de Santos. O domingo era o dia preferido para tal atividade. Foi aluno da Associação Paulista de Belas Artes, teve orientação de mestres como Ettore Federighi e Durval Pereira.
Sua arte toma novos rumos quando entra em contato com outros renomados artistas: Takaoka, Mario Zanini e Otonne Zorlini. Esses nomes foram responsáveis pela quebra da rigidez do academicismo em seus trabalhos, o que permitiu uma pintura mais próxima do modernismo, embora, bem comportado. Mesmo o expressionismo, que só nos anos 1970 começou a aparecer em suas telas, não dominou, com sua dramaticidade vigorosa, própria do estilo, o conjunto de sua obra.
Pellegatta foi professor de pintura na cidade de Santos e teve uma larga produção de óleos sobre telas. Artista premiado em salões nacionais, realizaou inúmeras exposições coletivas e individuais pelo Brasil. Os seus quadros são bem disputados em leilões de arte no território nacional.
O espaço para propostas mais arrojadas, na estética pictórica, estava restrito aos pintores que pretendiam uma postura de vanguarda. O figurativo imperava. Idealizações de formas, liberdade de cores, geometrização do desenho e abstrações no espaço poderiam acontecer nas telas santistas, com certa moderação, de preferência como pano de fundo para o objeto figurativo do primeiro plano. Toda essa despretensiosa atitude, jamais desbancaria o gosto pelo clássico, pelo moderado e pelos princípios acadêmicos. Esse era o caso de Lúcio Menezes, pintor com alguma tendência abstrata, mas com fortes permanências de realismo na figura humana, contrapondo com elementos do abstracionismo no fundo da tela.
Acervos santistas particulares, que poderiam possuir obras da pintura de "vanguarda", eram coleções com exemplares de pintores de fora. Geralmente, artistas consagrados sejam pela crítica ou pelos próprios "patrocinadores", que tinham entrada fácil na mídia, levando os pintores às galerias e aos salões bem freqüentados das cidades.
As "colunas sociais" foram grandes agentes de marketing para exposições, galerias e artistas da cidade. Foi um veículo aglutinador de freqüentadores de "vernissage", muitas vezes mais eficiente que a própria crítica especializada registrada nos poucos jornais da cidade. Freqüentar coquetéis de inauguração de exposições, as concorridas "vernissages" não significava, necessariamente, freqüentar galerias de arte.
A assinatura, no canto inferior a direita, da tela passou a ser uma "griffe". Ter uma tela de tal artista contemporâneo poderia ser um sinal de "status". Mas a cidade sempre pôde contar com alguns colecionadores rigorosos, criteriosos e de boa visão artística.
Armando Moral Sendin, carioca, nascido em 1928 pode ser considerado um dos mais prestigiados artistas plásticos que já residiram em Santos. Dono de um currículo invejável, foi ceramista, escultor, pintor e gravador. Com 6 anos de idade já estudava desenho e pintura na Escola Nacional de Belas Artes de Córdoba na Espanha. Doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo viajou para o Chile para estudar Estética na Universidade daquele país. Continua seus estudos na França, fazendo estágio em cerâmica na Manufatura Nacional da cidade de Sèvres. Fez especialização em Estética na Sorbonne. De volta ao Brasil, inaugura em São Paulo o Estúdio Sendin, buscando formar novos artistas. Em 1964 foi morar em Santos, dedicando-se apenas à pintura.
A cerâmica de Sendin era elaborada a partir de técnicas diferentes, predominando a temática nacionalista do folclore brasileiro. Neguinho do Pastoreio, cangaceiros, dança ritual, frevo, capoeira, bumba-meu-boi e outros motivos figuram entre pratos, vasos e cachepôs. Resultado de muita pesquisa e dedicação.
Mas a paixão pela pintura e sua técnica especial em óleo sobre tela, fizeram de Armando Sendin um dos prestigiados nomes da arte contemporânea do Brasil. O artista se situa no movimento realista que sucedeu a Pop-Art. Apesar de uma estética hiperrealista, Armando se diferencia dos pintores norte-americanos, mestres deste estilo, por sua temática menos fria ou impessoal. A crítica o colocou como um pintor que compõe temas de maneira desintelectualizada, retratando formas que tenham por finalidade propor prazer visual. Isso, Sendin consegue por tratar suas imagens com cores e elementos táteis.
Antes de se entregar ao realismo impressionante de suas figuras, Sendin trabalhou o abstracionismo de forma suave e envolvente.
Casarios, cavalos entre vielas e pessoas circulando nas estreitas alamedas, cenas do cotidiano, barcos na praia, flagrante de jovens pelas ruas com suas mochilas nas costas, crianças brincando na areia, a jovem lendo numa tarde fria na praça quase sempre estão envolvidos por uma atmosfera abstrata, evidente nos planos de fundo da tela, sugerindo uma penumbra suave que chega no primeiro plano.
Suas figuras humanas, quase sempre, aparecem de costas ou de lado, imprimindo um aspecto bastante natural, flagrante fotográfico, inusitado, distanciando as personagens do autor e do observador. Uma sensação de introspecção, de concentração nos atos banais, que cada um de seus personagens desenvolvem na cena registrada.
A imagem hiper-realista do pintor, o clima que evidencia o local da cena, tantas vezes de fácil identificação pela a fidelidade do entorno, passam por um requinte "pictográfico", o limite entre a pintura e a fotografia. Uma pintura que parece foto e vice-versa, provocando dúvida no observador. Para o crítico Radha Abramo, da Folha de São Paulo, a técnica de Sendin é um apuro técnico de altíssima qualidade, artesanal.
Vários críticos nacionais e internacionais escreveram sobre sua obra. Incontáveis são seus prêmios nacionais e internacionais. Inúmeras exposições no Brasil e no exterior, merecendo destaque sua participação e prêmio em várias bienais, inclusive de melhor artista na XII Bienal Internacional de São Paulo.
Suas obras podem ser vistas no Palácio do Itamaraty, Museu do Artista Brasileiro em Brasília, Museu de Arte Moderna de São Paulo, MASP, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado - São Paulo, Coleção da União Panamericana de Washington D.C., Houston University, Texas, entre outros.
Vivendo em Marbella, Espanha, há vários anos, Sendin sempre volta a Santos para mostrar sua obra. Curiosamente, um catálogo de prestigiada galeria paulistana, mantendo em seu acervo obras de Sendim, imprime em seus catálogos o currículo e a trajetória do artista sem, sequer, mencionar a cidade de Santos, sua vida e atividade nesta cidade, ou suas exposições por aqui.
Outros artistas, sem o merecido destaque que teve Armando Sendim, trabalharam e trabalham a arte contemporânea em Santos.
Algumas tentativas de grupos e associações de artistas plásticos iniciaram com cooperativas e outras iniciativas mais tímidas dentro do campo de mercado e das artes plásticas.
José Manoel de Souza Neto, santista, nascido em 1947, atuou como pintor, professor, mantendo movimentado ateliê na cidade até o final dos anos 1980.
Sua técnica variava do acrílico ao óleo com alguns trabalhos em técnica mista. Um colorido vibrante, desenho com sutil toque cubista e muita sensibilidade na organização espacial de suas telas. Estudou com Carlos Alberto Martins Delgado, Lubra, Guiomar Fagundes, Gerson Charleaux, Romeo de Graça, Oswaldo Bastos entre outros. Trabalhou com artistas atuantes na cidade como Beatriz Rota Rossi, Gilda Martins Figueiredo e Luiz Hamen. Em seu espaço -Integração, Assessoria e Atelier- sempre de portas abertas para aqueles que se arriscavam na iniciação das artes plásticas e o seleto grupo de apreciadores da pintura.
Outro nome de expressão, na promoção de exposições e na trajetória artística é de Nazareth Motta Leite. A pintora de temática ingênua, lírica e de marcante personalidade na estética que sugere composições coloridas do mosaico e dos fragmentos de vitrais. Responsável por uma reinterpretação da pintura interna da atual Pinacoteca de Santos, Nazareth trabalhou no restauro daquele palacete. Enquanto diretora e curadora da Galeria de Arte do Centro Cultural Brasil Estados Unidos (antiga União Cultural Brasil Estados Unidos), sucessora de Paulo Prado, promoveu importantes exposições. Seu trabalho teve continuidade com Paulo Bueno Wolf, atuante curador e promotor do Salão de Arte Jovem de Santos ? sempre ligado ao CCBEU. Aos gestores dessa instituição, devemos as mais importantes oportunidades de poder contar com nomes consagrados do Brasil, em exposições, como Aldo Bonadei, Carlos Scliar, Manezinho de Araújo, A. Volpi, Fukushima, Fulvio Penacchi, Aparicio Basílo da Gama, Darcy Penteado, Qissak Jr., Octávio Araújo, Gilberto Salvador, Wega e muitos outros.
Já nos anos 1970, 1980, novos nomes se destacaram na cidade: Dmitri, o jovem artista Paulo Consentino, Carlos Finocchio, Sônia Paul com suas tapeçarias, Marco Antonio Rossi, Luiz Alberto Hamen, Helenos, Marjorie Sá, os fotógrafos Marcos Piffer e Araquem Alcântara, entre outros.
Assim, os espaços para exposições dos artistas da região sempre estiveram ligados às instituições que mantinham uma "galeria", ou uma área reservada para exposições. Raras foram as tentativas de um empreendimento, exclusivo, para os artistas com suas exposições. Encontrar uma galeria de arte, autônoma, na sua real concepção, estrutura e desenvolvimento, caracterizado como espaço de arte para exposição, promoção e comércio de obras, seja de artistas da cidade, seja de outros nomes consagrados no cenário cultural, não é coisa fácil. Assim, as associações de classes, sindicatos, centro culturais, clubes, bares, restaurantes e raros espaços públicos tiveram que assumir o papel de curadores, mecenas e promotores das artes plásticas na cidade de Santos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o processo de transformação que a cidade de Santos sofreu, no período pesquisado, refletiu tanto no comportamento, quanto na mentalidade da sociedade santista. Essas influências perpassaram desde questões das relações sociais até no próprio padrão estético da arquitetura, do urbanismo e da pintura santista. Isso refletiu de várias formas no cotidiano da época, visíveis como as mudanças na malha urbana e no estilo de viver e conviver, a busca por novas frentes de trabalho e na formação profissional, transformações no uso dos edifícios residenciais, públicos e de lazer, além de marcantes alterações nas relações pessoais com troca de valores.
É nesse quadro que as funções vão se modificar, definindo uma nova estética, um novo espaço na trama urbana assim como uma nova relação entre arquitetura e sociedade.
A cidade do porto e dos negócios do café se lançou, com um novo cenário, para a categoria de cidade de veraneio. Abriram espaços para novas construções como hotéis ? agora sem todo aquele luxo que era exigido pelos seus antigos freqüentadores ? pensões e prédios de apartamentos para temporada, erguidos na região da praia sobre os grandes terrenos que um dia suportaram os palacetes da elite empresarial cafeeira de Santos.
Com isso, os lotes urbanos da orla da praia passaram a ser disputados por construtoras de Santos e de São Paulo para empreendimentos que tinham como público alvo os moradores de classe média da capital e interior. Prédios com apartamentos de um ou dois dormitórios, mantendo várias unidades por andar eram a tipologia mais utilizada.
Outras construções emergentes foram os prédios de quitinetes, bastante procurados por investidores de São Paulo que alugavam as unidades, para curta temporada de veranistas. A estética, a uso de material diferente, as possibilidades de arrojo numa nova técnica construtiva, a criatividade da organização de espaço no arranjo da planta não mais teriam valor, em função da praticidade, da exploração do pequeno espaço, da adaptação para as novas necessidades do mercado imobiliário gerado pela nova mentalidade reinante. O baixo padrão das construções era o motor para o retorno financeiro, rápido, do capital investido, em prejuízo de uma arquitetura inovadora, arrojada, criativa e com critérios formais mais apurados.
Entretanto, alguns palacetes resistiram, abandonados, ao lado dos altos edifícios de estética modesta ao longo da malha viária dos bairros da orla da praia de Santos, territórios das antigas elites santistas. Um exemplo disso foi o casarão branco ? como ficou conhecida a mansão da família Pires ? chegou a ficar em ruínas depois de servir como escola, asilo e residência da mesma família. Atualmente, encontra-se restaurado e tombado, abrigando a Pinacoteca Municipal Benedicto Calixto. Um marco na paisagem urbana, ícone de um tempo de prosperidade econômica, atmosfera européia, com seus traços próprios de uma arquitetura requintada e característica do início do século XX.
A história ainda se mantém viva no antigo centro de Santos, na Rua do Comércio, na Rua XV e no Largo do Valongo, que carregam símbolos do período, perpetuados pelo imponente edifício, de estilo eclético, da Bolsa Oficial do Café, hoje, Museu do Café do Brasil. Algumas poucas firmas de torrefação de café perfumavam o ar da região central, ao lado de empresas e de escassas firmas de sacarias e escritórios de corretoras de café, possibilitando o reviver de uma atmosfera quase mágica do passado.
Já os dois teatros ? o Guarany e o Coliseu ? tiveram sua platéia modificada, da mesma forma que sua realidade. Tornaram-se cinemas especializados em filmes pornográficos, rompendo com as temporadas de espetáculos teatrais e de óperas na cidade de Santos.
Na região dos antigos palacetes, nos anos 1970 e 1980, também foram construídos shoppings comerciais, abrigando praças de alimentação, no lugar dos restaurantes e cafés, constituíram-se 3 hotéis com tímida taxa de ocupação nos finais de semana, mais procurados por viajantes a negócios que por turistas.
Ainda hoje, a proximidade com a capital traz inibição ao comércio local, ao permitir que parte da elite santista fizesse suas compras, programas de lazer e outras atividades em São Paulo.
No campo da pintura, fica evidente a sua tímida expressão nos finais do século XX. A postura do artista plástico, tão empreendedor nos movimentos culturais, sociais e políticos, não se manifestaram dessa forma na cidade de Santos. Mesmo os "modernistas" que se lançaram para uma nova leitura do espaço, buscando alternativas de expressão através da forma e da cor, preferiram manter uma discreta postura de vanguarda, sem envolvimento com ideologias ou novos posicionamentos perante o social.
A preocupação com a sobrevivência era mais forte que a busca de uma nova linguagem plástica. Era mais confortável garantir uma estética comercial nas suas obras, agradando o gosto conservador da sociedade santista dos séculos XIX e XX, que tentar impor o novo gosto das artes "expressionistas", manifestadas na Europa e Estados Unidos no mesmo período.
Os pintores não tiveram o mesmo princípio regionalista, ou mesmo de "pintar" a sua cidade de acordo com as novas tendências, que os poetas e escritores da região. Preferiram, por muito tempo, se apoiar nos princípios e regras conservadoras da academia, sob moldes franceses de tão pouca identidade com a realidade do litoral paulista.
É claro que o consumidor das artes plásticas se difere, e muito, do consumidor das artes das letras. Mas, a concepção e a produção dos seus autores, tanto de obras literárias como de obras plásticas, partindo de uma identidade "nativista", sendo natural ou não da cidade, podem, perfeitamente, caminhar sob a mesma ideologia e motivação, que resultaria numa harmonia estética com correta autenticidade sem a obstinada perseguição aos moldes importados, distantes da realidade de Santos. Isso, sem querer confrontar a atividade dos artistas plásticos santistas com o exercício integrado dos movimentos e grupos de teatro da cidade, desenvolvidos ao longo do período, donos de uma persistência de integração ao processo político-social desenvolvido em Santos.
A Santos colonial do porto de açúcar, a Santos da belle epoque do porto de café, transformada pelos vários fatores expostos, ainda permanece, através das evidências da trajetória dos grupos sociais no tempo e no espaço, das tramas e dos contextos, dos modos de viver e conviver e principalmente, nas permanências que afloram no cotidiano da cidade, de suas obras de arte e de seus agentes históricos.
CARLOS EDUARDO FINOCHIO
FONTES:
Depoimentos em entrevista:

Sra. Nazareth Motta Leite - artista plástica e diretora do M.A.S. - Museu de Arte Sacra de Santos.


Mariema Faro - Filha de banqueiro da cidade de Santos, pessoa de bastante contato com herdeiros das famílias da elite empresarial santista, residiu nesta cidade por mais de 40 anos. Atualmente residente em Paraty, foi casada com arquiteto e construtor santista Conceição Paiva.

Documentos:

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Revista FLAMA. Vários números; 1828-1936.
Revista ACRÓPOLE. Vários números.
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Jornal A TRIBUNA. Várias edições; 1928-1980.
Jornal O DIÁRIO DE SANTOS.
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