Arrombado.

                “O Senhor das Esferas, pra não ficar com as vastas mãos abanando, depois de ter criado os peixes, e os astros, e as águas, e as trevas e tudo...”, escreveu Vinícius de Moraes, “...resolveu criar a praia de Arrombado, em Maracanã, litoral do Pará” – arremato eu. Lá, o Dia da Criação parece que ainda não acabou.

                Areia sem fim, manguezais quase também, nada de terra firme. Vento Norte forte o tempo todo. Maré alta, maré baixa. Sol, muito sol. A presença humana é percebida pelas poucas casas, quase todas feitas de madeiras de mangueiro e cobertas de palhas, trazidas de longe,  da terra firme; pelos currais de peixes que franjeiam os bancos de areia, salientes nas marés baixas, e, pela barcas à vela ou motorizadas.

                Lá tem peixe, camarão, caranguejo, sururu, mexilhão, turu, siri, sapequara... – Quer mais? – Tem o “Procoió”, apelido de Adriano do Espírito Santo Maia, caboclo puro de coração. Que não troca a amizade por dinheiro. Que vai tirar caranguejo no mangal e presenteia-nos sem esperar retribuição. Que sai com o puçá de pescar camarão na noite escura, quando a maré começa a subir, palmilhando algumas centenas de metros de beira de praia, ensinando para mim mais uma lição de vida. E é aí que, de repente, descubro-me como se estivesse pisando nos astros, nas constelações, na Via Láctea! Olho para a água agitada pelo movimento de nossos passos e vejo uma profusão de luzinhas que se acendem... – Serão organismos luminescentes ou areia radioativa? – Especulo.

                A comunidade que lá existe, portanto, vive exclusivamente da pesca, farta quase todos os meses do ano. Mas como disse, lá não tem terra firme. Não tem chão pra plantar a roça e fazer a farinha. Isto é um problema. Perto, existe uma ilha – Ipomonga – que tem. Mas, já tem dono. O seu dono parece que não come farinha... Não faz roça... Por que não repartir um pouco de terra com os que nada têm e dela precisam para sobreviver?

                As pessoas dizem que a praia de Arrombado está “crescendo”. É o interminável trabalho das correntes marinhas, das ondas e do vento incansáveis. Tiram daqui, põem ali. E assim vãoi brincando de construir.

                Por favor, um apelo eu faço aos senhores “donos do mundo”: Não “incentivem” o turismo, mesmo o dito ecológico, em Arrombado! Não planejem ponte nem estrada! Deixem sossegado o Senhor das Esferas continuar no seu interminável Dia da Criação!