Os contadores de história sabiam por experiência que a narração dos fatos vividos é uma forma de se conectar com o cotidiano de cada um de nós.Nestes momento, presente, passado e futuro se mesclam em tempos imemoriais, tempos eternos, tempos fundadores. O tempo das narrativas é o tempo que se redescobre a cada conto, a cada frase terminada, em cada ponto de interrogação. A narração dos fatos vividos é um dos caminhos para colocarmos em cena as fronteiras do individual e do coletivo. O sujeito da narrativa se constrói na mesma medida em que o sujeito inconsciente se desfaz. A experiência que passa a pessoa é fonte que recorrem todos os narradores, diria Walter Benjamin. Por isso, uma de suas características é a sua dimensão utilitária. O narrador é uma pessoa, homem ou mulher, que vivenciou algo que é inerente a nossa humanidade. Os acontecimentos narrados são retirados de sua experiência. Assim, o que vou contar teve sua origem nas ruínas agonizantes, de uma existência inautêntica, nas paisagens internas em que eu me encontrava sem me dar conta. Dizem os estudiosos dos mitos culturais que eles nos falam de experiências essenciais humanas, realidades próximas ou distantes, que nos ajudam a refletir ou não sobre nossas vivências e escolhas. As experiências humanas são em sua essência todas iguais, o que muda é a "forma" que irão assumir a partir das circunstâncias pessoais e sociais que nos encontramos. Fornecem-nos direção e consolo para o que nos afligem talvez não para as mesmas perguntas, mas para as respostas possíveis que outras pessoas deram para o que as afligiam, naquele momento.

Aprendi isso ou melhor dizendo, entendi isso quando me separei. Nestes momentos de agonia e total ausência de sentido é preciso algo mais para continuar. Agente não chega em situações de limites com grande bagagem interna. Na maioria das vezes é somente uma certeza que nos sustenta e uma fé desbravadora que nos segura, e junto com isso muita tristeza, mágoa, culpa, raiva, medo. Se eu tivesse que responder, como você sugeriu, em três palavras, o que me levou a separação, eu diria a você que foi uma total ausência de vida. Mas é claro que essa percepção veio depois. Meu casamento vinha numa crise de ondas consecutivas desastrosas desde 2003 . Não tive filhos porque me acomodei na total ausência de desejo do companheiro. Aliás, abri mão de muita coisa por ele. Ele nunca me pediu ou exigiu nada, mas da forma como eu aprendi a amar era assim que fazia. Talvez, por isso, atualmente, não consiga abrir mão de muita coisa para ninguém. Mais isso é uma outra história.
A nossa relação tinha muita coisa boa apesar de vivermos uma crise conjugal. O mais importante para mim era que todas as vezes que ele não via mais sentido na relação, eu apostava que poderíamos resgatá-la e continuávamos nisso. Eu pensava com meus botões que somente abriria mão de minha relação quando tivesse a certeza de que havia chegado no meu limite interno. Hoje, assim como naquela época, essa certeza me consola, internamente. Eu lutei, briguei, me esforcei, mas não consegui fazer a relação funcionar. Eu havia chegado nua diante de mim mesma, eu havia feito o máximo que eu podia e esse máximo não havia sido suficiente. Então eu não tinha mais o que fazer a não ser optar por continuar vivendo.

Eu continuava a acreditar na união de duas pessoas, e numa relação monogâmica, acreditava que a família era a instituição social mais importante e que eu havia feito tudo o que eu podia para manter a minha relação, mas que apesar de tudo fora insuficiente. Então havia chegado no meu limite e sem resolver a situação. O custo emocional para você continuar numa relação fracassada é muito, muito alto. Esse momento foi a hora de encarar a realidade e mudar. Eu achei que poderíamos continuar tentando fazer a relação funcionar toda uma vida. E que em algum momento, tudo daria certo. A questão é, e na época eu não sabia, que existe um custo em toda essa tentativa de fazer dar certo uma relação onde os sonhos dos dois não estão mais presentes, mesmo que agente não saiba disso na hora.

Certa vez, dando aula sobre parentesco, uma aluna perguntou se eu era casada. Disse que sim, que havia sido casada. E, no final da aula ela veio me perguntar, entre outras coisas, o que havia acontecido com o casamento. Bom, a resposta que dei a ela me fez pensar muito depois. A resposta foi mais ou menos "que existem momentos na vida da gente que, de repente, a gente olha para a outra pessoa e vê que os sonhos do outro já não são os mesmos que o seu. E que mesmo amando o outro você deve amar mais a você mesma. Então você opta por si e vai viver as suas escolhas e cuidar de você". Assim, foi isso que eu fiz, literalmente. Coloquei-me em primeiro lugar, coloquei as minhas necessidades em primeiro lugar, os meus sonhos, os meus projetos e segui. Por isso, fiz todas as mudanças em minha vida. Não queria mais cuidar de ninguém, além de mim mesma cheguei ali em frangalhos e precisava aprender a me conhecer de novo.

Se concentre para escutar, ver e sentir o que você está procurando, as vezes, agente acha que são bens materiais, reconhecimento social, um bom emprego, status, roupa nova, aquela bolsa, aquele carro, mas o que nos falta, realmente, é algo maior e mais profundo. Olhe para você, vislumbre tua arquitetura interna que ela vai te mostrar o caminho. E estando no caminho observe ao redor e veja o que te falta, perceba as ausências, por vezes elas são bem vindas, mas em demasia corrompe a paisagem. Cada um tem o seu caminho, o seu é particularmente único e especial porque é seu. É a sua vida, são suas escolhas então busque com fé e carinho que você vai encontrar a paz que busca. Sim, viver cada dia como um único dia é um santo remédio para tudo!! Hoje, enquanto caminhava no Igapó vislumbrei um João-de-barro, ele ficava a ir do barro, próximo ao lago a um galho no cume da árvore. Olhando com atenção, vi uma casa sendo feita por um minúsculo bico de um João-de-barro. Enquanto o observava, ele já havia ido buscar o barro para a construção de sua casa, três vezes! Planava do galho ao chão cheio de barro e seguia ao ar, novamente. Tudo na vida demanda esforço até seguirmos a nossa "natureza". O Ser humano é um Ser que não nasce pronto, levamos uma vida inteira nos formando para ser gente. E diz Fernando Pessoa que quando agente fica pronto, a morte nos visita.

A minha vida continua até mais corrida, a falta de grana é grande, ainda fico noites sem dormir pensando nas contas para pagar, ainda fico triste quando as coisas não saem como gostaria. Tudo é quase igual como antes. Mas hoje, vivo nos detalhes da minha vida e sinto uma paz interna grande com isso.
Você me pediu três palavras para ti esclarecer o que me levou a separação. Não fui capaz de responder a você a contento, acabei escrevendo três páginas. O cuidado comigo, o cuidar de si, é a resposta que encontrei para minha busca. È um processo parece que não termina nunca. Mas estou feliz no caminho. As vezes, nas relações humanas entregamos um grande tesouro nas maõs de pessoas que apesar de muito cuidadosas e zelosas não possuem competência para o cuidar desse bem. E isso deriva exclusivamente do fato de que não é responsabilidade delas fazerem isso. O bem referido é nossa própria vida, nossa felicidade, nossa segurança, nossas responsabilidades, nossas escolhas. Quando colocamos esse "presente" nas mãos do outro amado começamos sem saber, achando que com isso damos prova de sumo amor, a nos perder e nos perdendo tudo se perde. Você não é a primeira que me faz essa pergunta, mas é a primeira que relato minha experiência com esperança de que possa te trazer algo de bom e útil a sua vida.

Ame-se e não espere pelo amor de seus filhos e de seu marido para isso. A vida é passageira meeeeesmo!!! Tudo passa, seus filhos crescem, você envelhece, seu papai morre. A única certeza na vida que temos é que nascemos sozinhas e vamos morrer sozinhas. E o que vamos fazer entre este momento e o outro é o que nos fala sobre o que somos, nossas obras. E aqui digo, obras imateriais, arquiteturas de nossa paisagem interna, obras de beleza inigualável, repouso e segurança para todo aquele caminhante. Uma vez escutei que a única pergunta que Deus vai nos fazer quando morrermos é: quem é você. E, não vamos nos iludir. Nossos papeis sociais nos falam do que somos em sociedade, numa relação social. Deixando de existir isso, está você nua e só como veio ao mundo. Acredito com fé, não inteiramente nua e nem totalmente sozinha. Nossas obras de arquitetura compõem a paisagem, cada detalhe, curva, montanhas e morros são preenchidos com muita perseverança, idiossincrasia e detalhe. A obra ocupa toda a forma humana de maneira que não sabemos onde acaba a obra e em que momento começa a pessoa.

Não acredito em receitas para emagrecer, como não acredito em modelos de vida a serem seguidos. Você deve encontrar um local (um espaço subjetivo, interno) onde possa diminuir sua ansiedade, cuidar da sua saúde (faça caminhadas, olhe para o céu, observe o trabalho das formiguinhas), dar espaço para seus pensamentos, bons pensamentos (cultive o ócio ele é um santo remédio!! O ócio é criativo, precisamos dele para organizar a nossa vida interna!!) e encontrando isso vai começar a se sentir feliz com você e se achar bela novamente. Não fale que está com nojo de você mesma!! Não diga isso a você!! Você está perdendo o foco e se deixando levar pelo momento. Você não é assim, você está num momento não muito agradável de sua vida. Mas só você pode mudar a situação. Você é muito mais que isso, muito mais que o momento, você é linda!! E, não esqueça de tomar a lembrança como arma nestes momentos. A memória e peça fundamental de nossa organização interna, precisamos nos lembrar de quem somos para seguir em frente, seguir nossos sonhos e encontrar o fio da meada novamente.