APROXIMAÇÕES ENTRE A PSICOLOGIA E A PERINALITALIDADE

Josiane da Costa Mafra¹

Beatriz Nunes Santos e Silva ²

Geovanna Caroline Vaz Romeiro Faustino ³

 

INTRODUÇÃO:[1]

O parto não é o acontecimento único e determinante do nascimento. Este, por sua vez, se inicia antes da concepção e se prolonga até os anos seguintes. O bebê, então, ao contrário do dito pelo senso comum, já nasce com uma carga de experiências dentro de si, advindas da vida intrauterina. Dizer que a história da nossa vida se inicia um momento após o trabalho de parto é menosprezar as questões e vivências provenientes dos nove meses em desenvolvimento maturacional e emocional dentro do útero; declarando que o bebê nasce como uma folha em branco.  Por esse motivo, a Psicologia Perinatal veio para atuar e produzir conhecimento nas questões de perinatalidade – período que precede e sucede o nascimento – e parentalidade. O psicólogo perinatal irá considerar todo os fatores externos e internos que envolvem a concepção, sendo eles o planejamento familiar, o luto perinatal (vivido por muitas mulheres), a gravidez, e o parto e pós parto. Todos esses fenômenos psicológicos influenciam grandemente a vida de toda a família envolvida, com ênfase na mãe e no bebê.  "A maternidade e a paternidade oferecem oportunidades de alcançar novos níveis de integração e desenvolvimento pessoal. A gravidez é o alicerce do vínculo entre a família e o bebê, e redimensiona a rede de relacionamentos. É um período que demanda a convergência de esforços preventivos da equipe de assistência do ciclo gravídico-puerperal, e que resulte em um atendimento integral e integrado que promova a saúde física e mental de pais e filhos” (MALDONADO, p.11,12)

 Antes da mãe existe uma mulher, com projetos, sonhos, problematizações e vivências únicas e particulares. Portanto, é impossível tratarmos de maternidade e do puerpério, sem considerarmos a totalidade da mulher.  Esta que vem cumprindo um papel cultura e social muito significativo ao longo da história. Perpassando pela história da figura feminina, a encontramos sempre ligada à função reprodutiva. Por longos anos, ela foi passiva e sem voz nas questões familiares, para depois, começar a assumir funções de responsabilidade no lar e para com marido e filhos.  Dispondo de técnicas para a prevenção de alterações emocionais significativas próprias desse período, essa especialidade da psicologia lidará com a ansiedade, estresse e depressão, considerando a figura feminina em seu fator bio-psico-social-espiritual.

¹ - Mestre em Psicologia Aplicada – Desenvolvimento Humano e Aprendizagem - UFU, Docente Orientadora do curso de Psicologia da UNIFUCAMP -MG

² - Mestre em Educação Mestrado em Educação pelo Centro Universitário do Triângulo, Docente do curso de Pedagogia da UNIFUCAMP -MG

³- Acadêmica do 5º Período de Psicologia da UNIFUCAMP - MG

 

DESENVOLVIMENTO:

      

A maternidade nem sempre teve um viés romântico. Na verdade, a história nos mostra que por não haver valor social e moral no relacionamento mãe-criança, o amor materno foi deixado de lado por séculos.  A ênfase na Antiguidade e Idade Média estava na figura paterna e no poder que dela emanava sobre a mulher e a criança.  O casamento realizado por contrato segundo as necessidades econômicas e as alianças políticas das famílias, inibia qualquer expressão de afetividade entre os cônjuges, sendo o amor conjugal considerado desnecessário a um bom casamento. (MOURA, ARAÚJO, p.45)  Contudo, a falta da fraternidade nas famílias teve como causa a cultura de menosprezo da paixão em uma relação a dois. Se não havia amor erótico na união de um casal quiçá a relevância da construção de uma base familiar estruturada emocionalmente.    No continente europeu em meados o século XVI predominava a amamentação cruzada, isto é, as mães, ao darem à luz, não amamentavam seus filhos, ao invés disso contratavam mulheres (escravas que já foram mães) para amamentar e cuidar da criança até os primeiros anos de vida. Essas mulheres eram chamadas de “amas-de-leite”.   O cuidado com o bebê e a amamentação era uma barreira na vida conjugal e social, pois os médicos prescreviam abstinência sexual para as puérperas, baseados na crença de que o esperma masculino “azedaria” o leite. A amamentação não era bem vista, haviam homens que reclamavam até mesmo do mau cheiro nas lactantes. Via-se então duas opções: amamentar e entregar o esposo às relações extraconjugais, ou entregar o rebento a uma ama. Qual deles entregar? A escolha naquela época não restava dúvidas.  Havia também a preocupação com a integridade da mulher que amamentaria a criança, seus valores e comportamentos, “pois acreditava-se que, pelo leite, transmitiam-se traços de caráter” (MALDONADO, p.22). Por um prisma social, conclui-se o quanto de responsabilidade era designado as amas: pressionadas em integridade e vistas com maus olhos, como se fossem menos damas que outra mulher, apenas por amamentar.   Por outro lado, o índice de mortalidade infantil naquela época era altíssimo. Aqueles que não tinham condições de pagar uma ama para cuidar dos bebês em casa, entregavam-nos para que fossem criados na casa da própria ama e só os viam depois de grandes, desmamados.  As amas-de-leite cuidavam de vários bebes simultaneamente, o que dificultava a qualidade dos cuidados. A higiene ficava a desejar, as condições não eram favoráveis aos1 bebês, sendo que não havia essa exaltação do amor materno. Devido à grande demanda, falhavam no atendimento às necessidades do bebê; estes podiam ser alimentados de forma inadequadas, dopados para dormir, além de permanecerem sem trocas de roupa e enfaixados para restringir seus movimentos. (MALDONADO, p.22) Essas eram as alternativas para diminuir o trabalho que a criança dava, mas com isso, infecções e inflamações acabavam provocando o adoecimento – e em casos mais graves – a morte das crianças.  Segundo Badinter (1985): “A frieza dos pais, e da mãe em particular, serviria inconscientemente de couraça sentimental contra os grandes riscos de ver desaparecer o objeto de sua ternura. Em outras palavras: valia mais a pena não se apegar para não sofrer depois. Essa atitude teria sido a expressão perfeitamente normal do instinto de vida dos pais. Dada a taxa elevada de mortalidade infantil até fins do século XVIII, se a mãe se apegasse intensamente a cada um de seus bebês, sem dúvida morreria de dor.”  Com a perspectiva criada na sociedade contemporânea talvez seja incapaz entender a lógica dos tempos remotos, sendo que hoje, a esmagadora maioria das parturientes mal podem esperar para terem seus rebentos nos braços, sob seus cuidados. Porém, o pensamento socio-histórico-cultural é aquele que rege nossa mente e comportamento e provavelmente, aquelas mulheres da Idade Média não compreenderiam essa romanização da figura materna.  “Desde que as mães, desprezando seu principal dever, não mais quiseram amamentar os filhos, foi preciso confiá-los a mulheres mercenárias que, vendo-se assim mães de filhos estranhos e não sentindo o apelo da natureza, não se preocuparam senão com poupar trabalho.” (ROUSSEAU, p. 13) Essa realidade só foi mudada a partir do final século XVIII com a transformação da definição de família, marcada pela publicação de Èmile, em 1962, pelo filósofo e escritor genebrino Jean-Jacques Rousseau, que trouxe uma outra perspectiva para a mulher-mãe: aquela que tem função no seio familiar, aquela que educa.  Considerado um dos principais filósofos do iluminismo e um precursor do romantismo, Rousseau deu início à exaltação do amor materno conectado a ideias fundamentais sobre a família. A partir daí, pôde-se considerar a afetividade, com a valorização dos sentimentos ternos e íntimos que ligam pais e filhos. “As leis, sempre tão preocupadas com os bens e tão pouco com as pessoas, por terem como objetivo a paz e não a virtude, não outorgam suficiente autoridade às mães. Entretanto suas condições são mais seguras que as dos pais, seus deveres mais penosos, seus cuidados têm mais importância para a boa ordem da família; geralmente elas se apegam mais às crianças. Há ocasiões em que um filho que falta o respeito a seu pai pode até certo ponto ser desculpado; mas se, em qualquer oportunidade que seja, um filho se revelasse bastante inumano para faltá-lo a sua mãe, quem o carregou no seu seio, quem o alimentou com seu leite, quem, durante anos, se esqueceu a si mesma para só se ocupar dele, dever-se-ia sufocar esse miserável como um monstro indigno de ver o dia. As mães, dizem, estragam os filhos. A mãe quer que seu filho seja feliz, que o seja desde logo. Nisso tem razão: quando se engana quanto aos meios, é preciso esclarecê-la. A ambição, a avareza, a tirania, a falsa previdência dos pais, sua negligência, sua dura insensibilidade são cem vezes mais funestas às crianças que a cega ternura das mães.” (ROUSSEAU, p. 9) Sendo assim, a psicologia perinatal é muito importante para fornecer o apoio psicológico tão necessário que toda mãe, casal e família necessitam. Sobretudo, ajuda na criação do vínculo mãe-filho que se configura de maneira natural.

 

 

CONCLUSÃO:

 

Conclui-se que a psicologia perinatal ensina a mãe a se relacionar com seu filho com afeto, algo fundamental para construir um vínculo de apego seguro que sirva de suporte e segurança. Durante a gravidez, o parto e o pós-parto a mulher passa por intensas transformações fisiológicas, psicológicas, sociais e familiares, que representam uma das fases mais suscetíveis e vulneráveis a crises psíquicas, configurando um momento ímpar na vida da gestante, do pai e do bebê (Arrais; Cabral e Martins, 2012). Arrais (2005) esclarece que apesar das alegrias e das expectativas em torno da maternidade e da paternidade, as tarefas podem ser difíceis, visto que após o nascimento do bebê a vida pessoal da mulher irá sofrer uma transformação, no que se refere ao seu relacionamento com o marido, com seus pais, com familiares e consigo mesma. Frequentemente também podem ocorrer complicações no relacionamento com seus outros filhos, além de alterações dos sentimentos destes entre si (Winnicott, 2006). Por fim, o acompanhamento psicológico no pré-natal é caracterizado por ser de seguimento psicoterápico na categoria de psicoterapia breve, a qual propõem disponibilizar suporte constante à gestante. Possui como propósito: apoiar o enfrentamento e a solução de dificuldades/conflitos, assim como na atenuação dos riscos psicossociais presentes no processo gravídico. O psicólogo, então, vai focar nas questões das alterações emocionais para atenuar as angústias próprias deste período. É um espaço importante para que as gestantes ou os casais exponham suas fantasias, medos, alegrias, tristezas, angústias, vivências, resultante desse período, e possam trocar experiências e construir juntos a nova função parental (Cavados, 2013). Sendo assim, é preciso cuidar de quem tanto cuida dos outros.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

MALDONADO, Maria Tereza. Psicologia da Gravidez: Gestando pessoas para uma sociedade melhor. São Paulo: Ideia & Letras, 2017.

MOURA, Solange Maria Sabottka Rolim de; ARAUJO, Maria de Fátima. Artigo: A Maternidade na História e a História dos Cuidados Maternos. Psicologia Ciência e Profissão, 2004. Disponível em Acesso em 3 de junho de 2020.

ROSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, Ou da Educação. Tradução de Sérgio Milliet. Difel, 3.ª edição. São Paulo – Rio de Janeiro.

BADINTER, Elisabeth. Um Amor Conquistado: O Mito do Amor Materno. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

ARRAIS, A. R. Tese de doutorado: As configurações subjetivas da depressão pós-parto: para além da padronização patologizante. Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, 2005. Brasília, Distrito Federal.

ARRAIS, A. R., CABRAL, D. S. R., & MARTINS, M. H. F. Grupo de pré-natal psicológico: avaliação de programa de intervenção junto a gestantes. Encontro: Revista de Psicologia, 2012.

BRITO, Cavados. N. O., ALVES, S. V., LUDEMIR, A. B., & Araújo, T. V. B. (2013). Depressão pós-parto entre mulheres com gravidez não pretendida. Revista de Saúde Pública.

WINNICOTT, D. W. (2006). A comunicação entre o bebê e a mãe e entre a mãe e o bebê: convergências e divergências. In Winnicott, D. W. [Autor], Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1968)