APRENDER A SER

       Há pouco mais de três anos, circulou um vídeo que traduzia uma experiência de um professor que liderando uma turma de alunos dos anos finais do Ensino fundamental. No quadro relatado o referido professor entregou a cada criança, uma bola de sopro vazia. Orientava que cada uma,  antes de encher o seu balão escrevesse, de modo legível, em letras maiúsculas, o seu nome. Na sequência todos soltaram os balões em uma sala fechada. A um sinal, todas as crianças entram na sala à procura do balão com o seu nome. Passados vários minutos, ninguém encontrava o seu balão. Encontravam o de todo mundo, menos o seu. Curiosamente, surge a pergunta: por que sempre quem estava diante dos seus olhos, era o balão do outro? Qual o comportamento de cada criança ao se deparar com o balão do outro? Na maioria, institivamente chutavam o balão e seguiam à procura do seu...

      Diante do insucesso da experiência, o professor solicitou à turma que analisasse os porquês da malfadada experiência. Ele esperou que alguém encontrasse uma melhor forma de, em menos tempo, cada um encontrar o seu balão. Já que eles não despertaram para uma saída lógica que trouxesse uma lição de vida, o professor reiniciou a tarefa, só que agora, ele orientou: ao entrar na sala cheia de balões, cada um, ao pegar o primeiro balão, vendo o nome do colega, o entregasse em sua mãos, se fosse o seu próprio, a questão estaria resolvida. Surpreendentemente, em menos de  três minutos, todos estavam com o seu balão nas mãos.

       Ensinar a aprender pode vir a ser resposta para situações semelhantes na vida real. Aprender é muito mais que uma condição ou capacidade. Pessoas comuns, em circunstâncias simples são capazes de grandes atitudes que indicam poder e protagonismo de modo despretensioso mas determinante. É a oportunidade de reproduzir conteúdos novos em nome da evolução e crescimento. Por que, as crianças que buscavam o seu próprio balão ignoravam ou chutavam, descartando o balão, pelo simples fato de não ser o seu? Por que a busca era pelo seu próprio balão, por que não se colocaram no lugar do outro que, também com insucesso buscavam ardorosamente o seu balão, sem obtê-lo? Por que é difícil promover a procura do outro? Não seria, no mínimo, elegante a criança satisfazer o outro, entregando-lhe o seu esperado balão? e se houvesse um prêmio para quem encontrasse o seu balão?  E se houvesse uma punição pela não obtenção do mesmo? Como você traz essa experiência para o seu dia a dia?

       Na prática, o que é ensinar: explicar, instruir, treinar, aclarar, argumentar, decifrar, definir, dirimir, elucidar, esclarecer, explanar, explicitar, expor, interpretar, revelar, traduzir, catequizar, doutrinar, educar, erudir, ilustrar, informar,  inteirar, preparar, acostumar, adestrar, condicionar, ensaiar, versar, habituar, (...) Como a vida tem ensinado, para que se chegue ao nível de aprendizado que alcançamos hoje, quando tudo é controverso, polêmico, polarizado, polêmico e incerto? De que forma os conceitos atribuídos ao ENSINAR têm sido praticados por pais e professores, sem que haja comprometimento do aprendizado para a vida prática, seja nas relações pessoais, mercados de trabalho ou em sociedade?

       Na prática, o que é aprender:estudar, examinar, instruir-se,formar-se, doutrinar-se,  educar-se, polir-se, aletrar-se, alfabetizar-se, expandir-se, compulsar-se, desasnar-se, "desemburricar-se", desembrutecer-se, permitir-se, aceitar-se, ancorar-se(...)  Da mesma forma, como o mundo tem aprendido a ser diferente? Como a criança tem aprendido a ser? Diante de tantos desencontros que marcam constantes conflitos entre as gerações do ontem, do hoje e as do amanhã, como identificar os melhores valores para um futuro digno e seguro? Como o adulto instruído tem se comportado diante da máquina e da certeza de que a inteligência artificial é um fato irreversível?

        Ensinar e aprender não são pontas de um processo, não são valores que se sucedem para se complementarem, não são etapas de um processo formativo, não são fases que se sucedem, não são ações polarizadas. Mas sim, estados de espírito que se traduzem em atitudes que conduzem o ser humano à realização de ideais e propósitos. Se podemos afirmar que estudar é ser, confirmamos a lógica de que quem estuda consegue ser melhor, mais forte, mais presente, mais agente, mais alegre, mais positivo, mais inteligente mais hábil, mais reto, mais equilíbrio, mais inteligência humana.

         Por outro lado, aprender é ter conhecimento, é ter coragem, é ter direito a, é ter deveres para com, e ter certeza da sua capacidade e possibilidades de transformar-se transformando o meio, o espaço, a vida, o outro. Não como reagente a regras e princípios mas como protagonista de si mesmo.

         Para não fugir à regra de estar sempre recorrendo a quem sabe, para aprender melhor, tragamos o pequeno texto da família da fábula que registra um diálogo entre duas importantes partes do corpo humano, que sejam os pés e o intestino. Em suas confabulações, cada um destacava a sua preponderante importância para o melhor desempenho do corpo humano, com um todo. Os pés tinham certeza da sua superioridade, já que eram eles que faziam com que o corpo todo se movesse. Assim como quem ensina, muitas vezes, o faz porque aprendeu assim, sem contudo, ter certeza de que é dessa forma que o outro vai entender e aprender.

       Os pés, representados por quem ensina, nem sempre conhece as limitações e possibilidades do resto do corpo: ele faz o que sabe e espera que tudo mais funcione no mesmo ritmo, no mesmo compasso. Nascem os conflitos. Ao estômago, no corpo; ao aprendiz, aprendendo a aprender, resta conformar-se com a situação e seguir desempenhando o eu papel antagonista. Mas, o estômago reagiu: se não fosse o meu trabalho, garantindo o armazenamento e processamento dos alimentos que nos sustentam, vocês não conseguiriam ir a lugar nenhum.

       Pensando bem, ele tem razão sem nutrientes bem processados, o corpo está “frito”. Para o aprendente, uma lição “enfiada goela a dentro” não cai bem, nem contribui para a fixação do conhecimento. É preciso harmonia, aceitação, entendimento para que se alcancem os objetivos previstos para cada agente: no corpo, os pés e o estômago; na relação ensino-aprendizagem, que sejam acordados o que se ensina, como se ensina, para que se ensina; o que se aprende, como se aprende, para que se aprende.

       Afinal de contas, no processo de educação-formação o que tem sido ensinado e como têm sido absorvidos os conteúdos decantados como ensinados? Por que, nem sempre o que é necessário ser transmitido ao outro é visto com a devida importância, por arte de quem se pressupõe efetivo destinatário daquele recorte, naquele tempo, o que nem sempre se harmoniza? Por exemplo, o professor precisa, a todo o custo passar determinado conteúdo; o aluno não se declarou apto, ou pelo menos consultado dessa necessidade: prefere uma outra ocupação, principalmente se lhe for atraente: uma borboleta voando através da vidraça, os olhos de uma bonita colega, o sorriso leve da professora/professor, o barulho de uma buzina distante, a lembrança de um game recente, a vontade de estar deitado...

     Eles não seguirão o mesmo ritmo, não acolherão as mesmas fórmulas, não fecharão a atividade no tempo estabelecido, com o equilíbrio entre o que foi trabalhado, o que foi assimilado e o que ficou como aprendido. O assunto foi trabalhado, as tarefas foram cumpridas, o aluno alcançou a nota correspondente ao que respondeu, o professor, deu a questão por encerrada, o aluno seguiu em frente... Pergunta-se então: em que hd (disco rígido (Hard Disk) foi armazenado aquele conhecimento para aplicado na prática tão sonhada?

        Voltemos ao papel do ensinar, do estudar, do aprender, do fazer do jeito que aprendi no meu tempo e da forma que o mundo cobra no hoje, novos tempos, novos valores, novas lições, novos sonhos... Como devemos interpretar os conceitos: estudar é ser; aprender é ter. Ou é o contrário? Estudar é ter e aprender é ser? Ora se se discute entre o estudar e aprender, como fechar a conta, acrescentando na pauta, o ensinar?

       Retomando a fábula: os pés pisam forte, quando podem; o estômago funciona bem quando pode; o corpo como um todo precisa ser confrontado em muitos aspectos, para que no somatório de suas partes que acreditam ser auto-suficientes e que bastam em si mesmas, seja muito mais um líder do que meros cumpridores de tarefas. O mundo espera que cada um de nós protagonizemos o que ensinamos, o que estudamos, o que aprendemos, o que fazemos e o que, de fato somos: eternos aprendizes que brincam de aprender a ensinar e que ensinam aprendendo a ser.

  • Sebastião Maciel Costa