Aposentadoria Diariamente trabalhamos. O ser humano é um ser trabalhador. Aliás, o ser humano é humano porque trabalha. Além disso, o chavão, dizendo que "o trabalho dignifica o homem" é absolutamente verdadeiro, como foi melodicamente confirmado quando Gonzaguinha cantou em "guerreiro menino" que: "Um homem se humilha, se castram seus sonhos seu sonho é sua vida e vida é trabalho e sem o seu trabalho um homem não tem honra e sem a sua honra se morre se mata não dá pra ser feliz" No mito da criação, quando Deus impõe ao homem a obrigação de "comer o pão com o suor do seu rosto" não o coloca diante de uma punição, mas no ápice da humanização; é o momento de deixar de ser apenas natureza para produzir cultura pela ação intencional e transformadora. Se quiséssemos interpretar o mito bíblico poderíamos dizer que o desejo de "comer o fruto da árvore da vida" só se tornou um desejo porque o homem, recém criado, vivia sem ocupação, não era produtor. Portanto, para preservar e coroar a humanidade, Deus retira o homem do ambiente em que permanece desocupado, improdutivo e lhe dá uma ocupação: o homem tem intenção de ser produtivo. Isso posto, se impõe uma pergunta: uma vez que o homem se humaniza pelo trabalho, porque sente tanto desejo de se aposentar? Não vamos fazer aqui a discussão da atividade aviltante em que o trabalhador empobrece vendo seu trabalho enriquecer a outros, motivo pelo qual se sente roubado e, portanto ansioso por se libertar dessa atividade aviltante. Inicialmente nos lembremos que pela aposentadoria as pessoas deixam de exercer uma atividade desenvolvida por vários anos; passa a ser uma pessoa sem ocupação fixa. E, se olharmos a aposentadoria a partir disso, podemos dizer que ao se aposentar o ser humano abdica de sua condição de ser trabalhador. Inicia um processo de desumanização? Não é demais lembrar que muitos aposentados entram em depressão, tão logo adquirem o status de aposentado. Em muitos casos, a aposentadoria é uma situação traumática. Isso por um motivo simples: o ser humano não nasceu para se aposentar, mas para ser e por ser trabalhador. O ser humano é um ser produtivo e a aposentadoria o insere num universo, aparentemente, improdutivo. Vamos entender as coisas a partir do que são e não somente a partir do que se cogita por aí. Aposentar (aposentadoria) é uma palavra que se forma de duas: Apo e Ente. Ambas gregas e lá no grego têm significado e complexidades específicas. Na realidade essa complexidade não se aplica exatamente ao APO, palavra que expressa a condição daquilo que é colocado ao lado, afastado, separado. Sendo assim, aposentado é o Ente que está na condição, não de presença, mas de ausência; pelo menos ausência do antigo ambiente de trabalho. Aposentado é o Ente que está além da presença, na condição de separado dos demais Entes que não são APO. A complexidade desta situação complexa está no que podemos entender com o ENTE. A discussão se arrasta desde Aristóteles, passando por Tomás de Aquino e se populariza com Martin Heidegger, até os dias atuais. Se é que podemos adentrar a esses mais de dois mil anos de discussão, podemos dizer que o Ente é a manifestação do Ser. Podemos entender o Ser como essência da coisa, aquilo que faz com que algo seja o que é; por sua vez o Ente pode ser visto como a manifestação do Ser, sua substância. Daí que o Ser, enquanto essência, manifesta-se pela sua substância. A essência humana é o trabalho. Colocar-se afastado (apo) desse ambiente e da condição de trabalhador é colocar-se em oposição à essência. Aposentar, portanto, seria um processo de descaracterização do Ser do Ente enquanto trabalhador. Mas o Ser não pode transformar-se em não-Ser, o que seria, além de uma impossibilidade lógica, um absurdo ontológico. E aqui se manifesta o dilema. Aposentado, o ser humano não deixa de possuir capacidades produtivas, mas coloca-se ? ou é visto ? como improdutivo. Daí que a aposentadoria, em muitos casos é traumática, pois o aposentado assume-se na posição não de quem tem potencialidades, mas de quem abre mão de suas capacidades. O que é, então, aposentar-se? Colocar-se ao lado ou separado dos que continuam desenvolvendo uma atividade, mas permanecer trabalhador, pois permanece possuindo potencialidades. A aposentadoria, portanto, é a oportunidade de abrir novos caminhos, separando-se daqueles afazeres que eventualmente não sejam prazerosos, para dedicar-se ao trabalho hedônico, pelo qual o ser humano plenifica sua humanidade. Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador. Leia mais: ; ; ; ;