1 INTRODUÇÃO

Para compreender o conceito do belo apresentado por Georg Wilhelm Friedrich Hegel, torna-se necessário inicialmente, realizar alguns apontamentos históricos que identificam influências na construção de sua filosofia da arte, a estética. Configurando entre os principais pensadores da cultura alemã do final do século XVIII e início do XIX, Hegel presenciou e submergiu aos efeitos das transformações sociais e econômicas impelidas pelas revoluções burguesas na Europa ocidental.

A decadência do estado monárquico decorrente da revolução francesa, a restruturação do capitalismo comercial e o surgimento das tecnologias modernas advindas da revolução industrial na Inglaterra, são movimentos históricos do iluminismo que atuaram, principalmente, nas formas de se fazer ciência em prol do progresso das sociedades. Esse contexto é refletido por Kant (2012) ao lembrar que pensadores iluministas como Montesquieu, John Locke, Isaac Newton e outros defendiam que o homem deveria ser o centro da sua própria existência, buscando respostas para as questões que, até então, eram justificadas somente pela fé.

O surgimento de várias concepções científicas fundamentadas pelo uso do método racional, delineadas principalmente pelas estruturas funcionalistas, deterministas e empiristas defendidas por diversos intelectuais europeus, ascenderam-se e influenciaram ideologicamente o desenvolvimento das ciências modernas. Embora possua raízes na antiguidade clássica, o idealismo surge nesse momento como corrente filosófica emergida do advento da modernidade, exigindo um ponto de vista central fundamentada no subjetivismo, o que não acontecia na filosofia escolástica medieval.

O princípio essencial do idealista defende como caminho único para a busca do conhecimento, as ideias e conceitos, semelhante ao que Platão acreditava afirmando que parte da realidade na qual observa a matéria é tangível, mas imperfeita, enquanto o mundo ideal é intangível e perfeito. Apesar da difícil definição do conceito de idealismo em decorrência das inúmeras divergências e tendências entre seus pensadores, pode-se entender que se centra no eu subjetivo, capaz de interpretar o mundo material, objetivo e exterior a partir de sua verdade espiritual, mental ou subjetiva. (FORTUNY; CASTIÑEIRA; BOSCHI VECIANA et all. 1995)

Ressalta-se, que durante esse período, o império prussiano passava por transformações profundas de natureza política, social e econômica que culminaram com o nascimento do estado alemão. As consequências dessas transformações acabaram aglutinando pensadores importantes na corrente do idealismo desde Kant até Hegel, este considerado por muitos pesquisadores como o último grande idealista da modernidade.

As ponderações de Hegel ficaram conhecidas como o idealismo absoluto, por defenderem que a única realidade plena e concreta é de natureza espiritual, sendo a compreensão materialista ou sensível dos objetos um estágio pouco evoluído e superável pelo desenvolvimento cognitivo da subjetividade humana. Nesse sentido, o idealismo absoluto está atrelado à defesa da liberdade da ideia, uma forma de superar as limitações de um conhecimento amarrado pelos dogmas da igreja.

 

“[...] uma subversão de toda a superstição, perseguição do clero que, ultimamente, mascara a razão através da própria razão. Liberdade absoluta de todos os espíritos, que trazem em si o mundo intelectual e não podem buscar fora de si nem Deus nem a imortalidade” (HEGEL, 2009, p.04).

 

Tratava-se de posicionar a ideia como componente fundamental da liberdade, uma forma de proteger os homens da considerada engrenagens dogmáticas. Ao mesmo tempo, Hegel defendia princípios para constituição de uma história da humanidade para desvendar intencionalidades obscuras do Estado, da constituição, dos governos e da legislação. É neste sentido, que a corrente do hegelianismo é vista como uma unidade absoluta do conceito e da objetividade, tendo como conteúdo o conceito em suas determinações, na qual é real somente pela forma de um ser-aí exterior. (HEGEL, 1995) A ideia verdadeira como produção humana deve corresponder diretamente com a realidade dos acontecimentos. O absoluto é a ideia universal e una, que enquanto pondera se particulariza no sistema das ideias determinadas, consistindo em retornar à ideia uma, à sua verdade.

A proposta de Hegel é estabelecer uma unidade entre subjetividade e concretude, por entender que a filosofia de seus antecessores era excessivamente subjetiva, estabelecida por parâmetros racionais que constantemente, enveredam num mundo de ideias que levavam a pensamentos abstratos. O pensamento hegeliano defende que o conhecimento abstrato não consegue estabelecer uma relação significativa com a realidade, porém, o dinamismo do conhecimento absoluto possui a capacidade de sair da abstração e entrar na realidade porque aceita o conceito de subjetividade como livre, e o de objetividade como verdadeiro.

É frente a essas percepções, sem desconsiderar contextos históricos, que o presente ensaio vai procurar alavancar e compreender constituições teóricas que envolvem o conceito do belo em Hegel. Apesar da sua complexidade e ainda, ser um tema que já foi por anos, bastante debatido em vários centros acadêmicos em diferentes níveis, a proposta desta análise visa desenvolver um caminho interpretativo simplificado, por meio de uma linguagem capaz de subsidiar uma introdução teórica a aqueles iniciantes nos estudos sobre o belo na concepção hegeliana. Nesse sentido, se ampara em obras de Hegel sobre a estética e a filosofia do espírito, entretanto não se abriu mão de outras contribuições literárias e ensaios como forma de melhor subsidiar as ideias apresentadas ao longo desse estudo.

2 APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO DO BELO EM HEGEL 

Para Hegel (2009), o sentido e a importância das ideias, do raciocínio e da razão estão diretamente ligados em prol de mudanças reais, porque a partir do momento que se tem consciência da relação ideia e mundo, pode-se promover a sua transformação. Desta forma, o princípio da ideia absoluta é aquela capaz de promover transformações verdadeiras e reais, por estabelecer a unidade entre o conceito e a objetividade, da ideia objetiva e da ideia subjetiva, intermediada pelas suas contradições. Trata-se de uma dialética, que para Hegel, promove uma transformação espiritual para o entendimento do mundo moderno, produzindo um ser humano que possa viver em dois mundos que se contradizem, o lado racional e o sensível, mas especificamente, a lógica e a natureza.

            Essa proposta hegeliana emerge da crença que o conhecimento para ser válido deve possuir um sistema integral, ou um conjunto integral de critérios de falsidade ou verdade para definir se determinado conceito ou ideia se insere numa realidade. A realidade é vista como uma ordem, um sistema, uma totalidade na qual, peças soltas não valem nada ou, nenhum dado é válido se não for inserido num sistema.

            Com isso, a filosofia hegeliana se posiciona como uma ciência da realidade por intermédio da dialética, que tem de um lado o mundo da lógica, do outro o mundo da filosofia da natureza, na contradição desses mundos emerge a filosofia do espírito, ou da mente, relacionada com a formação da consciência humana, que sintetiza os dois mundos anteriores.

            Para Hegel (2001), a consciência nasce abstrata, um eu de possibilidades que para torna-se um eu concreto, real, deve-se negar, criando sua própria oposição para ser uma integração. Trata-se de aceitar suas diferentes formas contraditórias que seu eu pode assumir, decorrentes das ações e interpretações para se chegar ao ser objetivo. No entanto, quando não se desenvolve essa consciência dialética, o conhecimento passa a residir no abstrato, que é um conhecimento incapaz de ser averiguado empiricamente porque não corresponde a um conceito da realidade.

O abstrato é um conceito que envolve possibilidades abstratas, podendo ser demonstradas somente no mundo da lógica matemática. Nesse sentido, o abstrato só pode ter sentido para realidade se for inserido num sistema real da natureza para se chegar a uma objetividade.

O processo da filosofia do espirito de Hegel (2000) procura ampliar o entendimento e descrever o caminho dialético que envolve os planos nessa relação estrutural. Contudo, esses não são apresentados como passagens unilaterais de um para outro, ou seja, uma superação de um determinado momento por outro de maior relevância, mas sim, o estabelecimento de uma conecção inserido numa totalidade, intermediado por suas contradições.

O primeiro plano, Hegel chama de espirito subjetivo ou mundo sensível, referindo-se as experiências e as interpretações através da relação do homem com o mundo natural. Um movimento de oposição entre o mundo dominado pela imediatidade e o mundo primordialmente humano, dominado pela mediação ou superação da natureza pelo o espirito objetivo.  

O segundo plano é o espirito objetivo. Refere-se aquele que promove o amadurecimento e a autoconsciência da realidade por meio da relação do homem com a cultura, mostrando que o individuo só pode ser considerado humano no momento em que ele participa do movimento de manifestação do espirito, que é o movimento constitutivo da historia, importante para o progresso na consciência da liberdade. Neste sentido, o histórico de um homem constitui um ser livre em sua progressiva manifestação.

O terceiro é o espirito absoluto, o estagio relacionado pelas ações de mudanças baseadas em ideias consolidadas. É a necessidade de ultrapassar dialeticamente o plano da historia universal, que é o momento mais alto atingido pela dialética do espirito objetivo. (HEGEL, 2000)

Essa proposta de entendimento filosófico será primordial para o entendimento da concepção do belo, porque através dele, seria possível desenvolvê-lo de forma objetivamente determinável e racionalmente conhecido. Uma intencionalidade conceitual que se contrapõe ao princípio puramente racional do belo, fundada no gosto, uma concepção subjetiva defendida por muitos intelectuais do século XVIII ao desenvolver o pensamento da estética direcionada a fundamentar o belo como um sentimento interno do homem para “[...] buscar não na objetividade do belo, mas no próprio juízo humano a razão do sentimento estético”. (FERREIRA, 2011, p.82)

A teoria Kantiana se baseava em parte nestas concepções subjetivas, pela pretensão de fazer do belo uma categoria do juízo, ou seja, fundamentar o juízo que reconhece o belo e não fundar tal categoria objetivamente. Ferreira (2011) lembra que Hegel reconhece a unificação entre espirito e natureza através da arte bela, mas nega o seu modo de compreensão que acabava promovendo uma separação destes, por desconsiderar as contradições entre sujeito e objeto. O “[...] ato supremo da razão, o qual inclui em si todas as ideias, é também um ato estético, e que verdade e bondade só na beleza estão irmanadas”. (HEGEL, 2009, p.04) Nesse sentido, o filosofo deve obrigatoriamente adquirir uma força estética, considerando a arte, um meio de se tornar, um homem livre.

3 A IMPORTÂNCIA DAS IDEIAS, DO RACIOCÍNIO E DA RAZÃO NA CONSTITUIÇÃO DO BELO

Hegel recorre à dialética entre o racional e o sensível, mas especificamente, a lógica e a natureza para desenvolver suas concepções filosóficas, na qual o belo pode ser compreendido como uma ideia enquanto unidade imediata do conceito e de sua realidade e, portanto, é verdadeiro. Mas essa afirmação só terá sentido se levar em conta os significados de conceito, à ideia e a verdade, e a relação estabelecida entre eles. (BRAS, 1990)

O conceito na perspectiva hegeliana, não pode ser visto como uma representação abstrata da realidade, ou uma síntese abstrata de uma realidade universal daquilo que é comum a vários objetos, pertencendo meramente ao plano representacional ou cognitivo (INWOOD, 1997). É uma unidade de diferentes determinações, que se efetiva ou realiza na sua realidade sem se perder nela. Para exemplificar esse entendimento, Ferreira (2011, p.84) comenta a imagem clássica da árvore de Hegel para demonstrar a noção hegeliana:

 

Uma imagem clássica usada para clarear a noção hegeliana de conceito é a da árvore que está contida no broto. Este representaria o conceito e, portanto, toda a árvore contendo-a em si. Porém, para que o broto se realize segundo sua natureza, é necessário que o mesmo se negue enquanto broto, efetivando-se em árvore. Da mesma forma, o conceito contém em si, de modo potencial, todo o processo de sua auto realização, que deve, à exemplo da árvore em relação ao broto, se negar a partir de um outro de si para que o próprio conceito se realize.

 

 

Porém, o conceito não se esgota nessa negação. Ao passar do universal abstrato para a particularização, ele não se anula totalmente, pois tal negação é, ao mesmo tempo, unidade afirmativa. A realidade particular demonstrada pelo conceito a partir de si mesmo é o autodesenvolvimento dele. Ele nada abdica de si, mas apenas se realiza a si mesmo nela, e por isso permanece em unidade consigo em sua objetividade. (HEGEL, 2001) O conceito se constitui na unidade das suas diferentes determinações através da realidade objetiva, tornando-se uma totalidade efetiva, se realizando, mas não se esgotando nele. Trata-se de uma singularidade verdadeira ao ser universal na unidade de suas particularidades.

Desta forma, o conceito é a totalidade concreta, realidade particular, uma abstração do todo, autodesenvolvimento, enquanto é uma unidade concreta de suas diferentes determinações, aquilo que está conectado em diferentes momentos ou estágios de sua realização. O conceito é livre, pois sua negação é, na realidade, autodeterminação, o que quer dizer que o conceito não é limitado por outro, pela realidade objetiva. Esta é outro de si do conceito, não limita, mas é posta por ele próprio num movimento de autosuperação, que será conduzida a ele. (FERREIRA, 2011)

A concepção de ideia é vista como unidade absoluta do conceito e da objetividade (HEGEL, 1995). É o movimento de recondução e reencontro da realidade particularizada e objetiva posta e a universalidade ideal. Deste modo, a ideia é o ponto de encontro do conceito consigo mesmo, é a unidade das diferentes determinações e momentos do conceito, objetivamente real e subjetividade ideal. A ideia é a verdade, o resultado do desenvolvimento de um processo que não é estático.

Tudo que existe só possui verdade, na medida em que é uma efetivação do conceito, ou melhor, na medida em que existe como ideia. A ideia é a unidade entre conceito e objetividade para se chegar à ideia absoluta, que é para si, a forma pura do conceito, que intui seu conteúdo como a si mesmo.

“A ideia é a vida, o conceito seria a alma e o corpo a realidade. Não se pode entender um sem o outro, porque os dois fazem parte de um todo. Membros do corpo só tem funcionalidade com a totalidade do corpo”. (HEGEL, 1995, p.07).

 

Como a ideia procura tomar aparência sensível, uma vez que o fenômeno exterior é a objetivação do conceito posta por ele mesmo, Hegel afirma que a ideia em sua manifestação sensível é bela, demonstrando que beleza e a verdade são coincidentes, ou seja, “[...] a ideia é a verdade e tudo que chamamos de verdadeiro o é na medida em que existe segundo a ideia. O belo não se determina enquanto tal segundo a figuração que recebe [...] está estritamente determinada pelo conceito”. (FERREIRA, 2011, p. 87)

O belo não se destina ou é reconhecido pelo entendimento, e nem pela vontade subjetiva, porque ambas procuram manter a separação entre o sujeito e objeto. O belo opera sempre na cisão entre a forma sensível e o pensamento, com a subjetividade que pensa a realidade sensível, se posicionando de maneira submissa a tal realidade. Desta forma, o belo é verdadeiro, infinito e livre, no sentido de que nele é expressa de forma sensível a unidade das diferentes determinações do conceito, isto é, a ideia.

3.1 Compreensões da estética de Hegel para o entendimento do belo

Estética é vista como a ciência da arte, ou como defende Abbagnano (1966), um ramo da filosofia que tem por finalidade estudar a natureza da beleza e dos fundamentos da arte. Seus estudos buscam realizar entendimentos sobre a percepção do que é considerado beleza, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, as diversas formas de arte e técnicas artísticas, a ideia de obra de arte e de sua criação, e a relação entre matérias e formas nas artes. Porém, também procurar compreender o que é sublime ou privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio ou até mesmo ridículo.

Para Hegel (1996), a estética estuda o belo, conferindo-a a categoria de ciência filosófica dos sentidos ou das sensações, cujo objeto maior é a arte, que provoca efeitos e sensações diversos no espírito humano, como por exemplo, a admiração. Deste modo, as análises hegelianas são direcionadas para o belo artístico, deixando o belo natural a um segundo plano por entender “[...] que a arte, assim como outras formas de expressão de um espírito que atingiu a consciência de sua própria universalidade – não se encontra estática – seja uma espécie de definição fixa, seja sob uma única forma de manifestação imutável” (GONÇALVES, 2004a, p.46-47).

Trata-se de um direcionamento filosófico que considera a produção humana e o belo artístico superiores a qualquer produto natural pela sua relação essencial com a liberdade subjetiva, um bem supremo do homem. A produção humana, social, se destina a liberdade do pensamento humano, da sua expressão e da sua criação, porém, a beleza natural do ser não é livre em si mesma, por não ser consciência de sua existência. “A ideia da arte é um processo resultante do trabalho do próprio do espirito no exercício de realização de sua liberdade” (CANDA, 2011, p.68-69), que não procura imitar a natureza porque os produtos da arte são obras e o Belo é o conceito de ideia objetivado na obra, que é um processo dinâmico que nunca acaba.

Neste sentido, os estudos da estética de Hegel tem como base o belo em si, e deixa de lado os objetos belos, que segundo o autor, são tidos como belos por motivos diversos. A sua finalidade é compreender o belo como tal, aquele proveniente de uma expressão artística (HEGEL, 1996), onde se torna necessário analisar a relação dialética entre dois momentos fundamentais de toda obra de arte:

 

O primeiro desses dois elementos constitui – para empregamos já uma linguagem originariamente hegeliana – o momento (ou seja: o polo intrinsecamente articulado com seu polo dialeticamente oposto) da materialidade. O segundo desses elementos significa o momento do conceito mesmo da arte, ou melhor: da ideia propriamente dita, que, longe de ser um simples projeto pensado pelo artista, é o conteúdo universal de toda a obra de arte ou arte em geral. De um lado, a forma de uma obra de arte está relacionada a sua manifestação sensível, enquanto que, do outro, o conteúdo seria algo ligado a ideia que a obra manifesta. (GONÇALVES,2004b,p.08)

Gonçalves (2004b, p.08) lembra ainda que:

Essa é a relação dialeticamente perfeita entre estes dois momentos da arte, o momento da forma e o momento do conteúdo - é descrito através do conceito hegeliano de ideal – uma espécie de equilíbrio real e efetivo entre a ideia e sua forma sensível.

O ideal passa a ser a manifestação equilibrada da ideia no meio sensível, e a harmonia ou adequação desses dois momentos essenciais à obra de arte, define inicialmente o conceito de belo na estética de Hegel. Mas a concepção de ideia segundo Hegel é dinâmica, não se limita a uma ou varias definições, assim, o absoluto ou o infinitivo enquanto tal, não perde sua absolutidade ou infinidade neste ato de se determinar sensivelmente.

A relação de harmonia ou de adequação que define inicialmente o ideal, também é relativa, por ser fundamentada historicamente. Ao passar dos tempos, a arte pode ter seu valor alterado, contudo, se perpetua não pelo gosto pessoal, mas sim na sua objetividade erguida através de uma subjetividade. O belo, como manifestação sensível da ideia, é o conteúdo da forma, é uma adequação entre forma sensível (natural e finita) e o conteúdo (finito), que não existe se não existir adequação.

Por isso, Hegel considera a arte livre e autônoma como o objeto da estética, enquanto a arte geral pode possuir fins finitos e meios casuais, não adquirindo sua determinação em função de outras em pró de outras funções. Frequentemente, são inadequações de beleza que de maneira formal, chamamos de belo. Trata-se de uma arte livre, mas voltada para entretenimento e fins casuais que para Hegel, não é o objeto da estética. A arte como realização e manifestação histórica e cultural, provoca mais interesse pelo seu entendimento da cultura e da verdade de um povo por mostrar as representações mais interiores da humanidade, e por isso, nem todas as obras podem ser consideradas belas.

A obra de arte bela não é para ser consumida por desejos particulares, materiais ou prosaicos, e sim pelo desejo da autoconsciência do espírito, que é livre. Para Hegel, para obra ser bela deve ser livre, e o interesse vem do desejo de conhecer seu conteúdo interior, o espírito livre que a obra carrega, capaz de transformar o material sensível em algo abstrato. A obra se torna livre e universal quando for direcionada para outros homens livres e universais, por outro lado, deixa de ser livre quando feita por uma individualidade subjetiva de reconhecimento particular.

Para Hegel (1996), a arte não é um trabalho de um eu artístico, não é só uma receptividade de um sujeito que gosta ou não gosta da obra, ou uma criação restrita para um sujeito que recebe a obra ou uma instituição. Ela comporta um espírito subjetivo e uma instituição objetiva, como a religião que é uma instituição que carrega um conjunto cultural que representa e influência seus seguidores.

Contudo, existem maus artistas, àqueles que fazem arte para si, assumindo uma postura egoísta, apesar de não terem culpa por estarem condicionado ao sistema econômico de sua realidade. Na modernidade, afirma Hegel, as transformações culturais, sociais e econômicas, constantemente, se utilizavam das produções artísticas com a finalidade de representar a moral ou como forma instrucional.  

Com a representação da moral, a arte ficava retida por conteúdos morais, que se utilizavam das emoções para influenciar subjetivamente a aceitação de regras e normas sociais. Como forma instrucional, na finalidade de moldar um homem erudito para satisfazer as necessidades burguesas que passaram a controlar politicamente e culturalmente importantes repúblicas europeias.

Para Hegel, a verdade é a aparência e aparição como forma de provocar a intuição, por isso é vida quando se manifesta uma totalidade, mas ao representar uma vida prosaica, não é bela. A forma em si, não consegue atingi o belo ou grau elevado da verdade por está restrito ao sensível.  Existe uma concepção de verdade mais profunda, que é um salto da verdade sensível, e a arte constitui o nível mais alto do absoluto ao se tornar consciente. A forma está ligada ao material, físico, que leva a verdade sensível, mas também pode ser aquilo que não se manifesta. (HEGEL, 1996)

As críticas de Hegel as formas artísticas de seu tempo se direcionavam a sociedade moderna burguesa, que colaborou com a deterioração do belo artístico, por isso, o filosofo acreditava que era melhor fazer uma filosofia da arte como valor histórico porque não se fazia mais arte bela.

“Exatamente porque o homem moderno não se contenta mais apenas com a contemplação estética imediata como um modo suficiente de acessar essa verdade, ele criou por si e para si mesmo a necessidade de refletir e de pensar sobre a arte”. (Gonçalves, 2004a, p.50)

A individualização, as condições econômicas e sociais da modernidade continuavam a produzir arte, mas de forma massificada, que para Hegel não era bela. Por isso, negava-se a fazer filosofia da arte de seu tempo, focando no passado, porém, em momentos restritos da história. Defendia um tipo de ciência reflexiva em unidade com a filosofia, visando sustentar uma filosofia da arte ou uma ciência da arte em contrapartida as ciências deterministas e analíticas predominantes na modernidade. A finalidade dessa filosofia da arte estava em usar a razão para pensar e conceber a arte no seu processo de totalidade, posicionando-o como processo do belo para resgatá-lo pela arte, devido a sua capacidade de seduzir para uma consideração pensante. Para isso, era necessário possuir como alicerce para esse entendimento, conhecimentos acerca da história da arte.

A proposta hegeliana defende um conceito de consciência da arte, ou seja, de seu espirito. A ideia de elevação do absoluto é criar uma unidade entre as formas, defendendo que conceituar é bom quando é favor da totalidade. Por outro lado, definir acaba isolando, e isso não é bom, por achar que a arte seria tão livre que não poderia ser definida.

A forma sensível em geral é contraposta ao conhecimento, e a arte apenas na ciência ganha sua legitimidade como uma ciência da razão. Por serem produtos do espirito, as obras de arte estão impregnadas de espirito e apresentadas de forma sensível, contudo são absorvidas pelo espirito. Na forma irreal da produção artística, existe um processo de estranhamento, mas o que aparece na obra é a ideia, que também se estranha, entretanto o espirito tem as condições de confrontar esse estranhamento, transformá-lo em pensamento para o absoluto através do reconhecimento universal. (HEGEL, 2001)

A filosofia da arte de Hegel procura traduzir em conceito aquilo que arte apresenta de forma sensível, fazendo um sistema que conecte forma e espirito, por intermédio do conceito da razão que é dinâmico. O processo de produzir a arte bela é a transformação do material sensível, material, físico em uma coisa espiritual, um processo de purificação da matéria bruta, entretanto, a autoconsciência e o talento andam em unidade para construção da arte bela. Concretude do pensamento está sendo um pensamento racional, conceber não mais uma ideia abstrata, mas sim ideias concretas.

A tarefa da arte é apresentar a ideia para intuição imediata numa forma sensível e não na forma de pensamento e da pura espiritualidade em geral, está posição deve possuir o seu valor e dignidade na correspondência e na unidade dos lados. (da ideia e a sua forma) a altura e a excelência da arte na realidade adequada ao seu conceito dependerão do grau de interioridade e unidade com o qual a ideia e a forma aparecem trabalhadas de modo reciproco. (HEGEL, 2001, p. 88)

A ideia verdadeiramente concreta em Hegel é fazer filosofia a partir de um pensamento que não seja abstrato, um pensamento separado da realidade. “A ideia enquanto lógica e como conteúdo da arte deve se idealizar e o sensível deve se realizar. Quanto mais excelentes forem as obras de arte tanto mais profunda e interior será a verdade de seu conteúdo e pensamento”. (HEGEL, 2001, p. 90). Pensamento concreto é aquele que pode ser concretizado, real, aquele que existe.

O conceito é uma forma concreta de pensar, que afronta um pensamento do juízo ainda subjetivo porque é baseado na preposição que separa sujeito do objeto. A unidade do conceito unificado com a realidade, Hegel chama de ideia, e suas manifestações não são abstratas porque estão presentes na natureza e no espírito. A ideia é uma forma de racionalidade por que está em dois aspectos: o primeiro no mundo natural que é o problema que não se observa na primeira vista (realidade sensível), a outro aspecto da ideia está no espirito que se pode se revelar através das experiências e de forma teórica para se transformar em ideia absoluta. (HEGEL, 2001)

A obra se torna belo na medida em que a figura sensível fica mais espiritual e quando a ideia é mais concreta, elevando o sensível ao natural e os fenômenos da efetividade. A verdade divina se configura como realização do belo como mais livre e autônoma expressão. Uma objetividade sem espirito constitui um mero envolvimento natural, que acaba constituindo um desses extremos: de um lado, não possui sentido porque não tem seu fim e conteúdo espiritual em si mesma. No outro, deixa de possuir a sensação, ou seja, a verdade ativa e viva no sentimento pertencente ao espirito do sujeito particular não consegue se dispersar em sua forma exterior, mas retorna ao interior subjetivo particular, e assim, entra na particularidade que pertence a todo saber, sentir, contemplar e sentimentos subjetivos particulares.

CONCLUSÃO

O posicionamento teórico de Hegel sobre a construção do conceito do belo artístico visa demonstrar que é possível se libertar ao reducionismo de um idealismo meramente subjetivo. Entretanto, restringe-se a analisar o belo em geral, reconhecendo que tal restrição, deve-se essencialmente ao estágio ainda introdutório da época sobre o pensamento estético, ou da ciência da arte.

É possível reconhecer que os estudos hegelianos procura defender arte bela por meio de desenvolvimento das capacidades humanas voltadas para conhecer, de se expressar e de criar com base nos mecanismos disponíveis na cultura. Diferentemente dos modos de investigação científicas deterministas e funcionalistas, a arte produz conhecimento não buscando classificar, categorizar, generalizar ou explicar a realidade, muito menos visa criar conceitos, paradigmas ou leis a serem utilizados por outros artistas. O conhecimento do belo direciona-se para criação de meios simbólicos de compreensão da vida, ou seja, de produção de sentidos a existência humana (CANDA, 2011). A arte é a exteriorização sensível do espirito e a técnica utilizada para produzi-la é um meio disponível e de suporte para criação e emancipação do ser (HEGEL, 2001)

Hegel considera como arte bela superior aquela enquanto produção humana, e não como algo natural dado previamente pela natureza, porque o homem é o ser criador que não apenas aprecia o belo natural, mas é o produtor das suas formas de conhecer e expressar, e utilizar-se dos meios disponíveis para a combinação de elementos que resulta num novo resultado estético. A atividade artística é explicada como um exercício contínuo do ato de autonomia humana, que implica na conquista da liberdade. A arte é um processo humano enquanto construção da liberdade do espirito, por isso, é possível perceber a preocupação de Hegel em seu contexto histórico frente à produção, direcionamento e massificação das obras de arte devido às consequências da edificação da sociedade moderna.

Assim, Hegel dedicou-se a criticar a restrição da arte ao ato de imitação, cópia ou reprodução da realidade, na qual Canda (2011) observou o alerta do filósofo quando afirmou que a arte reduzida à mera imitação da vida, perderia o seu valor e o seu sentido de existir, ou seja, sem inventividade ou liberdade de criar, o artista se reduziria a vida em formas sensíveis e em superfícies formativas.

Deste modo, a proposta hegeliana defende que as sensações produzidas pela beleza de uma obra de arte se dão mediante a interação humana, não sendo um princípio dado a priori, mas se constituindo como uma ação humana que integra subjetividade, autonomia e reflexão. Contudo, a sensibilidade e a capacidade de fruição da obra artística são constituídas culturalmente pelo ser humano, havendo a necessidade de uma formação para sensibilidade, objeto de estudo relevante para continuidade dessa discussão em outros contextos.

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