APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA: da (in)compatibilidade do “fato gerador pendente” com o principio da irretroatividade tributária.[1]

 

David Costa Alves e Ecio Fonseca Costa[2]

Antônio de Moraes Gaspar [3]

 

RESUMO

 

O presente artigo tem por objetivo geral apresentar uma análise acerca das consequências geradas pela aplicação do art. 105 do Código Tributário Nacional, frente ao mandamento constitucional do princípio da irretroatividade da lei tributária. Para tanto, inicialmente se traça uma abordagem conceitual sobre fato gerador, fato gerador pendente e princípio da irretroatividade da lei tributária. Por fim, discorre-se a respeito das disposições acerca do entendimento jurisprudencial e doutrinário a respeito da (im)possibilidade de se compatibilizar o art. 105 do CTN com o princípio constitucional da irretroatividade tributária.

 

Palavras-chave: Fato gerador pendente. Aplicação. Irretroatividade tributária.

 

1 INTRODUÇÃO

 

                   No que concerne à aplicação da legislação tributária, o Código Tributário Nacional (CTN) garante a aplicação da lei nova aos fatos geradores pendentes, ou seja, aos fatos que tiveram início sob a vigência de uma legislação e se completam na vigência de outra legislação, caracterizando dessa forma o fenômeno da retroatividade da lei tributária. Contudo, emana da norma do art.150, III da Carta Magna de 1988 o princípio da irretroatividade da lei tributária, mandamento constitucional que impede a aplicação da lei nova aos fatos ou atos já praticados. Diante disso, surge a seguinte questão: É possível que o intérprete da lei compatibilize o comando expresso no CTN com o princípio da irretroatividade tributária?

                   Diante dessa questão, resolveu-se delimitar o tema pela relevância que o tema alcança no meio acadêmico, com vistas a possibilitar a obtenção de respostas que supram as divergências jurisprudenciais e doutrinárias a respeito da (im)possibilidade de se compatibilizar o art. 105 do CTN com o princípio constitucional da irretroatividade tributária, junto aos acadêmicos do curso de Direito. Nesse sentido, o estudo despertou o interesse dos autores do paper em desenvolver tal pesquisa a fim de colher informações que possam fomentar a discussão acadêmica e, em um futuro não tão distante, servir de balizamento para a escrita de uma monografia.

                   Nesse tocante, o artigo tem por objetivo geral apresentar uma análise acerca das consequências geradas pela aplicação do art. 105 do Código Tributário Nacional, frente ao mandamento constitucional do princípio da irretroatividade da lei tributária. Como objetivos específicos o trabalho pretende: (i) Traçar uma abordagem conceitual sobre fato gerador, fato gerador pendente e princípio da irretroatividade da lei tributária; (ii) discorrer a sobre as disposições acerca do entendimento jurisprudencial e doutrinário a respeito da (im)possibilidade de se compatibilizar o art. 105 do CTN com o princípio constitucional da irretroatividade tributária

                   A metodologia deste trabalho teve como base de apoio a pesquisa bibliográfica, tendo como objetivo balizar o posicionamento do pesquisador sobre as teorias que já foram expostas ou escritas sobre o tema da pesquisa. As fontes bibliográficas que deram o embasamento teórico consistiram de livros, artigos, textos, publicações da internet e/ou monografias e artigos disponíveis a consulta em qualquer um dos meios citados aqui. Caracteriza-se, pois, tal pesquisa como teórico-descritiva, cujo fulcro espelha-se na linha de pensamento de autores já conhecidos pelas exposições de seus conhecimentos didático-científicos.

 

2 ARCABOUÇO TEÓRICO-DOUTRINÁRIO 

 

2.1 Do Princípio da irretroatividade tributária

 

                   O princípio da irretroatividade da lei é um princípio geral do direito expressamente previsto na Constituição Federal de 1988. Dispõe o artigo 5°, XXXVI que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e coisa julgada”. Desta feita, “percebe-se, nesse ponto, a tutela constitucional às relações jurídicas já constituídas, obstando o legislador de criar novos enunciados prescritivos que tenham aptidão para reger fatos constituídos cronologicamente antes da edição legal. Este enunciado por se só, já permite ao intérprete a construção de significação no sentido de impossibilidade de retroatividade das leis”. (Teles, p.10)

                   Em sede de Direito Tributário, o principio da irretroatividade é mandamento constitucional insculpido pelo artigo 150, III, a da CF, que prescreve que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do inicio da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.

                   Nesses termos, nota-se que “o princípio da irretroatividade revela-se como instrumento de otimização da segurança jurídica, ao conferir ao contribuinte uma maior certeza do direito em ser tributado em situações previamente estabelecidas em lei, assegurando-o contra exações que tenham em consideração atos, fatos ou situações do passado”. (Minardi, 2014, p.103)

                   Corroborando com esta linha de pensamento, Sabbag (2014, p. 199) assevera que “a irretroatividade conecta-se à própria ideia do Direito, trazendo o timbre de segurança jurídica e a estabilidade dos direitos subjetivos ao espectro da relação impositivo-tributária, ao prever que é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado”.

                   Assim, pode-se notar que, ao emergir da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional, a irretroatividade tributária é regra inerente à aplicação da legislação tributária. Contudo, faz-se mister destacar que “existem duas ressalvas à regra geral de irretroatividade da aplicação da legislação tributária, na condição de leis produtoras de efeito jurídico sobre atos pretéritos, previstas nos dois incisos do art. 106 do CTN: a lei interpretativa e; a lei mais benéfica”. (Sabbag, 2014, p. 676)

                   Neste tocante, cumpre transcrever a íntegra do artigo supramencionado:

 

A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

  1. a) quando deixe de defini-lo como infração;
  2. b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
  3. c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

 

                   Cumpre ressaltar que existem algumas peculiaridades que devem ser observadas ao se aplicar o dispositivo mencionado. Assim, cite-se como exemplo que, “[...] o fato de o legislador mencionar expressamente ser a lei interpretativa não é suficiente para aplicar o artigo 106, I, do CTN, pois só poderá retroagir se a lei não modificar o ordenamento jurídico”. (Minardi, 2014, p. 104)

                   Portanto, não obstante as peculiaridades a serem observadas na aplicação dos dispositivos incertos no artigo 106 do CTN, pode-se perceber que dentro da legislação tributária os casos descritos no artigo hora em análise são os únicos que podem constituir exceções ao principio da irretroatividade tributária.

                  

2.1.2 Do “fato gerador pendente”

 

                   A princípio, apresenta-se imprescindível a análise do que se deve entender por fato gerador. Quanto ao tema, o Código Tributário Nacional, nos seus artigos 114 e 115, delineia, respectivamente, os conceitos de fato gerador principal e fato ferrador acessório. Conforme disposto no artigo 114: “Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”.  Já o fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.

                   Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, “fato gerador é aquele que reúne as condições necessárias e suficientes para determinar os efeitos que lhe são próprios (quer se trate de situação de fato, ou de situação jurídica), minguando qualquer elemento de sua composição intrínseca, não merecerá o nome de fato gerador, pois nenhum efeito virá à tona, em termos de nascimento da obrigação tributária”. (Carvalho, 2007, p. 92-93)

                   Há que se destacar que o Código Tributário Nacional faz referência a duas figuras distintas de fato gerador: a do “fato gerador futuro” e do “fato gerador pendente”. Nessa esteira, dispõe o artigo 105 do CTN que “a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes”.

                   É comum encontrar na doutrina a afirmação de que existe uma imprecisão terminológica na redação desse dispositivo, pois “[...] os fatos anteriores à lei que cria o tributo não podem ser designados por "fatos geradores", justamente por que a nova lei não pode atingi-los e eles não são aptos a fazer surgir obrigações tributárias”. Contudo, é imperioso ressaltar que, “apesar de ser difícil entender como algo pode ser aplicado "imediatamente" a fatos futuros, os objetivos do legislador são bastante claros, quais sejam: a) impedir a tributação de fatos que, no momento da sua ocorrência, não estavam sujeitos à incidência tributária; e b) garantir que a tributação já verificada é definitiva, não podendo ser objeto de majoração por legislação posterior”. (Alexandre, 2013, p. 104)

                   Nesse diapasão, se faz necessário estabelecer a diferença entre “fato gerador futuro” e “fato gerador pendente”. Para tanto, recorre-se às colocações de Paulo Barros a respeito do tema:

Fato gerador futuro é o que ainda não se verificou, mas, quando acontecer, sob a égide da legislação tributária vigente, receberá seu impacto, ficando a ela submetido quanto à disciplina de seus efeitos jurídicos. E fato gerador pendente é o que, a despeito de não ter-se completado, iniciou seu ciclo, estando em curso de formação. Vindo a concretizar-se, será alcançado pela legislação tributária, da mesma maneira que os futuros. (CARVALHO, 2007, p. 92)

 

                   Nessa esteira de pensamento e à luz do tema deste trabalho, cumpre aqui transcorrer outras disposições acerca do conceito de “fato gerador pendente”, para que dessa forma se possa melhor compreender o assunto hora em abordagem. Assim, Sabbag (2014, p. 675) evidencia que o “fato gerador pendente” “é aquele que indica o fato cuja conclusão ou consumação pressupõe uma sequência concatenada de atos, sequência essa que já se iniciou, mas ainda não se completou, no momento em que uma dada lei aparece, entrando em vigor. Daí se afirmar que, em seu contexto, uma primeira parte de atos é praticada sob a égide da lei velha, e uma segunda parte ocorre já sob a égide da lei nova”.

                   Diante do exposto, cumpre ressaltar que a aceitação do fato gerador pendente como instituto compatível com o princípio da irretroatividade da legislação tributária é motivo de grande controvérsia doutrinária, levando muitos doutrinadores a refutarem, até mesmo, a sua existência.

                   Para aqueles que defendem a não existência de um “fato gerador pendente”, sustentam que não é o fato gerador, em si, que estará pendente, mas tão somente, o negócio jurídico ou a situação fática na qual ele é traduzido. Dessa forma, entendem eles que “[...] a lei nova não mais alcança os fatos geradores pendentes, em face da incompatibilidade da parte final do art. 105 do CTN com a redação do princípio da irretroatividade tributária, veiculado no inciso III da alínea “a” do art. 150 da Constituição de 1988”. (Sabbag, 2014, p. 676)

       A contrário sensu, outros doutrinadores, além de defenderem a existência de um “fato gerador pendente”, afirmam que este instituto estaria relacionado ao IR, de forma que a norma do IR, quando editada até o final do período anual, em regra, seria aplicável à renda que estava sendo formada desde o primeiro dia do período, ensejando assim a aplicação retroativa da lei.           

3 FATO GERADOR PENDENTE X PRINCIPIO DA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA

3.1 “Fato gerador pendente” e a Súmula n. 584 do STF frente ao princípio da irretroatividade tributária            

 

                   Conforme já explicitado aqui anteriormente, aos fatos que tiveram início sob a vigência de uma legislação e se completaram na vigência de outra, o Código Tributário Nacional permite a retroatividade da lei nova aos fatos geradores pendentes. Contudo, há um grande desafio para o intérprete da lei em compatibilizar está regra com o princípio da irretroatividade tributária, o qual impede a retroatividade.

                   Nesse diapasão, corroborando com a possibilidade da lei tributária retroagir para alcançar fatos ocorridos no passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula n. 584:

“Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deva ser apresentada a declaração.”

 

                   Pelo teor da Súmula n. 584, nota-se que é possível que se aplique uma lei vigente no exercício financeiro em que deva ser apresentada a declaração do imposto de renda, calculado sobre os rendimentos do ano-base. Dessa forma, segundo lição do juiz federal Andrei Pitten Veloso, “[...] a Súmula 584 do STF permitia, noutros termos, a retroatividade imprópria do Imposto de Renda, caracterizada pela retroação da lei para atingir a renda auferida ainda antes do início da sua vigência, desde o começo do período de apuração.” (Veloso, 2011)

                   Nesse sentido, percebe-se que a Súmula n. 584 estabelece regra contrária aos mandamentos constitucionais postulados pelos princípios da irretroatividade e anterioridade tributária. Assim, segundo ensinamento de Eduardo Sabbag, é possível que se chegue a essa conclusão de forma simples, pois:

 

a lei “de hoje” atingirá fatos geradores “de ontem”, ferindo de morte a irretroatividade tributária, enquanto, na mesma trilha do exotismo, o “amanhã” deverá se preparar para o “hoje”, e não o contrário – o que seria razoável e normal, na perspectiva da segurança jurídica –, em inequívoca mácula à anterioridade tributária.” (Sabbag, 2014, p. 228)

 

                   Nessa esteira de pensamento, corroborando com tal tese, Cardoso Lessa (2013, p. 80) conclui que “o entendimento do STF sobre os chamados fatos geradores pendentes, consagrado na súmula nº 584, não é compatível com os princípios da anterioridade e irretroatividade tributárias, expressos no art. 150, inciso III, alíneas a e b”.

                   Diante do exposto, faz-se mister transcrever um julgado da Suprema Corte Federal como forma de demonstrar que esse entendimento é majoritariamente aplicado, senão vejamos:

IMPOSTO DE RENDA SOBRE EXPORTAÇÕES INCENTIVADAS, CORRESPONDENTE AO ANO-BASE DE 1989. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA PARA 18%, ESTABELECIDA PELO INC. I DO ART. 1º DA LEI N. 7.968/89. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 150, I, “A”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. (...) 5. Tratava-se, nesse precedente, como nos da Súmula, de Lei editada no final do ano-base, que atingiu a renda apurada durante todo o ano, já que o fato gerador somente se completa e se caracteriza, ao final do respectivo período, ou seja, a 31 de dezembro. Estava, por conseguinte, em vigor, antes do exercício financeiro, que se inicia a 1º de janeiro do ano subsequente ao da declaração. 6. Em questão assemelhada, assim também decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do R.E. n. 197.790-6-MG, em data de 19 de fevereiro de 1997. 7. R.E. conhecido e provido, para o indeferimento do Mandado de Segurança. 8. Custas “ex lege”. (RE 194.612/SC, 1ª T., rel. Min. Sydney Sanches, j. 24-03-1998)

 

                   Portanto, nota-se que predomina no STF o entendimento de que, “[...] se o fato gerador da obrigação tributária relativa ao IR ocorrer durante o ano, a lei que estiver em vigor nesta data será aplicada de imediato, sem qualquer ofensa ao princípio da irretroatividade tributária e a outros postulados constitucionais”. (Sabbag, 2014, p. 230)

                   Nesse tocante, embora este seja o entendimento majoritário da Suprema Corte, é imperioso destacar que a aplicação da súmula n. 584 vem sendo afastada pelo STJ e até mesmo pelo próprio STF:

 

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. CICLO DE FORMAÇÃO DO FATO GERADOR. MOMENTO DA DISPONIBILIDADE ECONÔMICA OU JURÍDICA DO RENDIMENTO. CTN, ARTS. 104, 106, 116. DECRETO-LEI 1.967/82. SÚMULA 584/STF. (...) 3. A lei vigente após o fato gerador, para a imposição do tributo, não pode incidir sobre o mesmo, sob pena de malferir os princípios da anterioridade e irretroatividade. 4. Precedentes jurisprudenciais. 5. Recurso não provido. (REsp 179.966/RS, 1ª T., rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 21-06-2001)

 

                   No STF, acompanhando a corrente minoritária, o Ministro Carlos Velloso, no julgamento do RE 138.284, defendeu que a súmula ofende o princípio da irretroatividade tributária:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS. Lei n. 7.689, de 15-12-1988. (...) V – Inconstitucionalidade do art. 8º, da Lei n. 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade (CF, art. 150, III, “a”) qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro do prazo de noventa dias da publicação da lei (CF, art. 195, § 6º). Vigência e eficácia da lei: distinção. VI – Recurso Extraordinário conhecido, mas improvido, declarada a inconstitucionalidade apenas do artigo 8º da Lei n. 7.689 de 1988. (RE 138.284/CE, Pleno, rel. Min. Carlos Velloso, j. 1º-07-1992)

 

 

3.2 Entendimento jurisprudencial e doutrinário a respeito da (im)possibilidade de se compatibilizar o art. 105 do CTN com o princípio da irretroatividade tributária

 

                   Conforme sinalizado aqui anteriormente, a aceitação do fato gerador pendente como instituto compatível com o princípio da irretroatividade da legislação tributária é motivo de grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Ao mesmo tempo em que alguns defendem ferrenhamente a sua aplicação, outros a contestam argumentando que o dispositivo ofende severamente o princípio da irretroatividade tributária. Nesse diapasão, faz-se necessário expor o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca desse embate.

                   Para tanto, à luz do tema aqui exposto, cumpre primeiramente a análise de alguns julgados:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. EXPORTAÇÕES INCENTIVADAS. LEI Nº 7.988/89. ALÍQUOTA DE 18%. LUCRO INFLACIONÁRIO. DIFERIMENTO. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO NO ANO-BASE DE 1.989. FATO GERADOR PENDENTE. INCIDÊNCIA. 1. No caso vertente, questiona a autora, ora apelante, a aplicação da alíquota do IR, através da Lei nº 7.988/89, que a majorou para 18% (dezoito por cento), a partir do exercício financeiro de 1.990, correspondente ao ano-base de 1.989, ao argumento de que optou por diferir para o exercício de 1.990, a inclusão do lucro inflacionário decorrente das exportações incentivadas do período-base de 1.988, na base de cálculo do IRPJ. 2.[...] Trata-se de fato gerador pendente (art. 105, CTN), que somente é concluído com a realização do lucro inflacionário, situação que assume relevância jurídica, passando, assim, a constituir a base de cálculo do imposto, de forma a ensejar a tributação. 4. O fato gerador do tributo somente ocorreu no ano-base de 1.989, quando adveio a Lei nº 7.988/89, publicada no DOU em 29/12/1989, perfeitamente aplicável ao imposto de renda daquele período. É o que se extrai do entendimento consolidado na Súmula nº 584/STF (Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração). 5. Válida a aplicabilidade da alíquota de 18% (dezoito por cento) estabelecida pela Lei nº 7.988/89, relativamente ao ano-base de 1.989, sem ofensa aos princípios constitucionais tributários, conforme já decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal (1ª Turma, RE 194612/SC, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 24/03/1998, DJ, 08/05/1998, p. 015). 6. Apelação improvida. (grifo nosso)

 

 

                         No julgamento do recurso extraordinário supracitado, o Ministro Sydney Sanches negou provimento à apelação que contestava a incidência do artigo 105 do CTN no caso do IR, ao sustentar o entendimento majoritário do STF de que a sua aplicação não ofende os princípios da irretroatividade e anterioridade tributária.

                         Já em julgado colacionado pelo STJ em julgamento do recurso especial REsp184213-RS, o Ministro Garcia Vieira afastou a possibilidade de aplicação do Decreto n. 2.065/83 (altera a Legislação do Imposto sobre a Renda, Dispõe sobre o Reajustamento dos aluguéis Residenciais, sobre as Prestações dos Empréstimos do Sistema Financeiro da Habitação, sobre a Revisão do Valor dos Salários, e dá outras Providências), sustentando a impossibilidade de aplicação retroativa da lei tributária.

 

TRIBUTÁRIO - LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA - APLICAÇÃO RETROATIVA - IMPOSSIBILIDADE. A legislação tributária aplica-se aos fatos geradores futuros e pendentes e não aos pretéritos. O Decreto-lei nº 2.065/83 não pode ser aplicado retroativamente, regulando períodos de janeiro a dezembro de 1982 e janeiro a dezembro de 1983, não sendo para beneficiar o contribuinte. Recurso improvido. (1ª Turma, REsp 184213/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 10/11/1998, DJ, 22.02.1999 p. 76)

 

                   Nesse tocante, cumpre agora expor o entendimento doutrinário a respeito do tema.  É necessário destacar que na seara doutrinária existem ferrenhos debates quanto à possibilidade de aplicação do artigo 105 do CTN. Paulo de Barros Carvalho defende a existência do “fato gerador pendente”. Para o ilustre autor, “fato gerador pendente é aquele que não aconteceu e, se por alguma razão deixou de completar-se, não pode ser chamado de fato gerador. Pendente é adjetivo que qualifica a expressão fato gerador. Se essa inexistir, não terá o que qualificar.” (Carvalho, 2007, p. 93)

                   Nessa esteira de entendimento, Luciano Amaro, para quem o art. 105 estaria relacionado ao fato gerador do IR, assevera o seguinte:

 

Com efeito, se o fato dito pendente for gerador de tributo e sua ocorrência já tiver tido início, em certa data, a lei tributária posterior a essa data que pretender atingir tal fato será retroativa. Mesmo abstraindo o princípio da anterioridade, a lei editada após ter tido início o período de formação da renda, se aplicada para gravá-la, lançaria efeitos sobre o passado. Se se trata (como é o caso do imposto de renda) de tributo sujeito ao princípio da anterioridade, com maior razão a lei só poderá entender-se com fatos não apenas futuros, mas, além disso, ocorridos em exercícios futuros. (AMARO, 2014, p. 154)

 

                   A contrario sensu, Eduardo Sabbag defende a inexistência do fato gerador pendente. Entende o ilustre autor, que “[...] pendente estará o negócio jurídico, e não o fato gerador. Este ocorrerá ou não.” Para ele, “[...] a lei tributária só se aplica mesmo a fatos geradores futuros, pois o debatido “fato gerador pendente” nada mais é do que uma possibilidade jurídica. Se a condição jamais ocorrer, sua inexistência será inexorável.” (Sabbag, 2014, p. 676)

                   Portanto, diante do exposto, nota-se que a regra insculpida no art. 105, CTN vem sendo aplicada, mesmo não tendo a doutrina e a jurisprudência pátrias chegado a um consenso a respeito da possibilidade de aplicação do fato gerador pendente frente ao principio da irretroatividade tributária. Porém, sabendo-se que o direito é dinâmico, e, totalmente receptivo às mudanças (políticas, econômicas ou sociais), deve-se observar que: o que hoje é defendido majoritariamente, amanhã poderá não mais ser.

 

  1.  CONCLUSÃO

 

                   O artigo teve o propósito de apresentar uma análise acerca das consequências geradas pela aplicação do art. 105 do Código Tributário Nacional, frente ao mandamento constitucional do princípio da irretroatividade da lei tributária. Para tanto, inicialmente se traçou uma abordagem conceitual sobre fato gerador, fato gerador pendente e princípio da irretroatividade da lei tributária. Por fim, discorreu-se sobre as disposições acerca do entendimento jurisprudencial e doutrinário a respeito da (im)possibilidade de se compatibilizar o art. 105 do CTN com o princípio constitucional da irretroatividade tributária.

                   Destacou-se aqui, que impera no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da irretroatividade da lei tributária, mandamento constitucional que se revela como instrumento de otimização da segurança jurídica ao prever que é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado. Contudo, foi demonstrado que existindo lei interpretativa ou lei mais benéfica, é possível afastar o princípio da irretroatividade tributária para que haja produção de efeito jurídico sobre atos pretéritos.

                         Nesse tocante, no que concerne à aplicação da legislação tributária, foi evidenciado ainda, que no Código Tributário Nacional existe a previsão do intitulado “fato gerador pendente”, que são aqueles fatos que tiveram início sob a vigência de uma legislação e se completaram na vigência de outra legislação, caracterizando dessa forma a terceira possibilidade de retroatividade da lei tributária.

                   Porém, ressaltou-se que a aceitação do fato gerador pendente como instituto compatível com o princípio da irretroatividade da legislação tributária é motivo de grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial, levando muitos doutrinadores a refutarem, até mesmo, a sua existência.

                   Posteriormente, mesmo que de forma resumida, demonstrou-se o embate doutrinário e jurisprudencial trazido pela possibilidade de aplicação da súmula n.584 do STF relativamente ao IR. Por fim, concluiu-se que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria não chegaram a um denominador comum em relação à possibilidade de aplicação do “fato gerador pendente” frente ao princípio da irretroatividade tributária.

REFERÊNCIAS

 

 

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 7. ed. São Paulo: Método, 2013.

 

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

CARDOSO LESSA, Aleksandro Lincoln; CAMPOS LUNA, Fernanda Cerqueira; CÂNDIDO, Ilma da Silva Confessor. Uma análise da súmula nº 584 do supremo tribunal

federal diante dos princípios constitucionais da

anterioridade e irretroatividade tributárias. Disponível em:< http://periodicos.uesb.br/index.php/cadernosdeciencias/article/viewFile/1856/1716> Acesso em: 17 de out. de 2015.

 

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico semântico. São Paulo: Noeses, 2009.

 

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

MINARDI, Josiane. Manual de direito tributário. Bahia: Juspodivm, 2014.

 

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

TELES, Galderise Fernandes; FEITOSA JÚNIOR, Antônio Mendes. O princípio da segurança jurídica e a irretroatividade das leis interpretativas tributárias. Disponível em: < http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13319&revista_caderno=26>. Acesso em: 10 de out. de 2015.

 

VELLOSO, Andrei Pitten. Retroatividade imprópria: superação da Súmula 584 do STF. Disponível em: < http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/retroatividade-impropria-superacao-da-sumula-584-do-stf/7585> Acesso em: 17 de out. de 2015.

 

 

[1] Artigo apresentado à disciplina Direito Tributário I da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 7º período do curso de Direito da UNDB.

[3] Professor Mestre, Orientador.