Francisco José Fonseca de Medeiros

Tem sido cada vez maior a procura de como a atividade de Inteligência[1] deve ser aplicada no cotidiano das organizações ou empresas. Certamente, porque os nossos dirigentes e empresários começaram a visualizar a importância crescente do Brasil no cenário internacional, o que  significa a necessidade de conhecimentos[2] pertinentes e confiáveis e a proteção de seus ativos[3], ou seja, de  Inteligência. Sobre isso, diversos trabalhos foram publicados, bem como outros tantos seminários, congressos e cursos rápidos buscam abordar o assunto.

Neste artigo não será possível esgotar o assunto. No entanto, serão citadas algumas ideias de como aplicar a atividade de Inteligência nas organizações ou empresas, sem abordar métodos, ferramentas e medidas para a produção e proteção do conhecimento. Isso será feito em outra ocasião.

Alguns acreditam que somente grandes organizações ou empresas possuem condições de aplicar a atividade de Inteligência nos seus negócios. Não é verdade. Todos podem empregá-la como um instrumento fundamental para a visualização de ameaças[4] e oportunidades, bem como para o levantamento de suas vulnerabilidades[5] e proteção do seu pessoal, da informação, dos materiais e das áreas e instalações. O segredo está em dimensionar a aplicação de acordo com a necessidade.

A quantidade de pessoas envolvidas na atividade dependerá dos objetivos estratégicos a atingir e da necessidade de fornecer ao decisor conhecimentos confiáveis com  finalidade  específica,  referentes à  condução  e  ao  desenvolvimento das políticas e da proteção dos interesses da organização ou empresa.

Aqui consideraremos o conhecimento de Inteligência como o resultado da aplicação de uma metodologia composta pelas fases do planejamento, da coleta, do processamento e da difusão ou disseminação. É um produto exclusivo e direcionado a um grupo ou a uma pessoa como subsídio para a realização de um planejamento estratégico ou para a tomada de decisão. É lícito dizer, também, que é interessante o decisor conhecer um pouco do assunto para, no mínimo, saber o que pedir.

Quando se fala em Inteligência, a primeira coisa que vem à mente é uma estrutura complexa de hardwares, softwares e especialistas, estudando as conjunturas externas e internas, identificando ameaças e oportunidades para produzir cenários prospectivos a fim de auxiliar a tomada de decisões estratégicas. Também é imaginado uma outra estrutura voltada para a salvaguarda dos ativos contra ameaças decorrentes de ações adversas ou fenômenos naturais, cumprindo regras de segurança e exigindo o credenciamento dos usuários.

Tudo isso está certo, seria o ideal. Porém, produzir um conhecimento de Inteligência e proteger seus ativos pode ser feito em qualquer nível e situação. Nesse caso, poderíamos citar como exemplos: o planejamento de uma empresa de nível estratégico em busca de maior participação no mercado internacional e o levantamento de dados feito por um vendedor em um cruzamento de ruas e avenidas sobre a atuação dos concorrentes e a presença de clientes no local. Em qualquer situação, do ambulante ao dirigente de grandes empresas, a metodologia é a mesma. Há necessidade de ser feito um planejamento do que deve ser coletado e de como fazê-lo, ou seja, dos dados a serem pesquisados.

Em seguida, vem a fase do processamento, que significa a avaliação, a análise, a integração e a interpretação dos dados e informações coletadas. Nessa fase, alguns imaginam que a máquina pode substituir o homem, como se existisse um produto "self-service". Não é verdade, como já disse em outra oportunidade, a interpretação é inerente ao analista. A moderna tecnologia coleta e cruza uma infinidade de dados com rapidez e mostra tendências. Porém, não será somente isso que dará à organização ou empresa maior competitividade, mas também a percepção do analista de mudanças nesse cenário. As ferramentas tecnológicas servem para otimizar a análise, a síntese e a interpretação.

No último passo, a difusão ou disseminação do conhecimento, há necessidade de se conhecer as características da pessoa ou do grupo a quem se vai apresentar o conhecimento de Inteligência. Uma boa sugestão é a primeira folha conter um resumo do trabalho, 10 a 15 linhas, para que o dirigente se ambiente sobre o assunto. Muitas vezes, gráficos e figuras facilitam o entendimento. De qualquer forma, a objetividade, a simplicidade, a clareza, a amplitude, a imparcialidade e a oportunidade são alguns princípios que devem ser atendidos.

Coletar dados, de alguma forma, já é feito em todos os momentos da nossa vida. Acontece quando escolhemos uma roupa, vamos a um cinema, durante as compras no shopping ou supermercado e em outras inúmeras situações do cotidiano.

No caso de empresas ou organizações, existem diversas fontes para a coleta de dados, tais como: jornais, revistas, internet, funcionários, clientes, fornecedores, especialistas, concorrentes, documentos oficiais, trabalhos científicos, blogs e entrevistas. Esses dados podem ser obtidos e armanezados com a utilização de modernos softwares. A quantidade é grande, mas é preciso saber o que fazer para selecionar os dados mais pertinentes e confiáveis.

 Nesse caso, já entra a técnica para a avaliação de dados, realizando o julgamento da fonte, quanto a autenticidade, confiança e competência, e da veracidade do conteúdo, observando-se a semelhança com outros dados, a existência de contradições e a compatibilidade com o contexto da situação. Isso ainda é verdade e primordial que seja feito, mesmo com os avanços tecnológicos existentes e com a grande utilização da Internet, que disponibiliza dados e informações de variadas origens e intenções, algumas vezes duvidosas.

Como curiosidade em termos de coleta de dados, pode-se citar a afirmação de Fábio Pereira Ribeiro[6], segundo a qual a China desenvolve uma rede de informações em empresas, universidades e órgãos governamentais e apresenta ao governo central direções para uma nova inserção do país no teatro internacional.

Não há necessidade de haver pessoas somente com a função de coletar dados. Isso pode ser feito pelos analistas. É interessante, conforme os objetivos, distribuí-los por áreas  que terão o repertório de conhecimentos necessários como um dos mecanismos para orientar o foco do trabalho de análise. O ideal é que se tenha um profissional para cada área de interesse da empresa. Não sendo possível, um analista pode acumular outros campos de ação.

O analista deve se aprimorar no assunto de sua responsabilidade e se tornar um especialista. Ele poderá consultar pessoas de notório saber ou sites que acompanhará diariamente. Aliás, para desempenhar essa função é preciso tempo e muito estudo da teoria de Inteligência e do assunto do que se vai analisar. É preciso cuidado ao se buscar conhecimentos doutrinários, particularmente quanto a profissionais credenciados e habilitados para tal, pois pode-se comprar "fumaça engarrafada".

Apenas como curiosidade, a formação de um profissional de Inteligência, normalmente, leva meses de curso e anos de experiência na área. Porém, são oferecidos seminários, congressos, cursos rápidos e fóruns de discussões que buscam orientar as pessoas quanto à execução da atividade e, acima de tudo, mostrar a importância da Inteligência como ferramenta para o planejamento estratégico e a tomada de decisões, bem como para a disseminação da mentalidade de Inteligência. Também servem para motivar os interessados no estudo do assunto. Tais eventos contribuem, ainda, para o relacionamento com profissionais que prestam assessoria e consultoria na área. Essa última ideia mostra que as empresas podem terceirizar a atividade de Inteligência, caso julguem mais vantajoso economicamente.

Continuando, de posse dos dados escolhidos, o analista deve fazer a integração e a interpretação para, sinteticamente, porém o mais completo possível, transmitir o conhecimento resultante. Assim, a antecipação do que poderá acontecer e que medidas poderão ser adotadas é a essência da prospectividade da Inteligência e isso leva à diminuição de incertezas e ao melhor levantamento de ações a serem executadas, melhorando a competitividade.

A atividade de Inteligência é dividida no ramo Inteligência, que produz conhecimentos oportunos e pertinentes, e no ramo Contrainteligência, vocacionado para identificar ameaças às organizações ou empresas. Ambos acontecem ao mesmo tempo. No entanto, na minha opinião, se raciocinarmos com a escassez de recursos e tivermos que estabelecer uma prioridade, a segurança do pessoal, da informação, do material e das áreas e instalações, ou seja, o que se chama de Segurança Orgânica  ou Corporativa, seria a primeira medida a ser adotada.

A Lei n° 9.883/99, que intituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência, define o ramo Contrainteligência como a atividade que objetiva neutralizar a Inteligência adversa, referindo-se a Inteligência de Estado. Porém,  no mundo dos negócios, a neutralização seria da Inteligência dos competidores.

Assim, desenvolvendo essa ideia, começaríamos com a elaboração de um diagnóstico da organização ou empresa, buscando identificar ameaças e vulnerabilidades, resultando em um conjunto de programas e planos voltados para a conscientização e execução de medidas de Contrainteligência.

Imaginem o lucro que teria uma empresa que bem planejasse o transporte de uma carga, levantando dados e informações para a escolha do melhor meio a utilizar, da via mais segura e barata, que evitasse ou diminuisse a perda de grãos que caem durante o transporte rodoviário, simplesmente vedando todos os possíveis locais de saída na carroceria. Poderíamos, também, citar a  preocupação com a integridade física de seus motoristas, com a segurança de seus caminhões e suas instalacões e com a manutenção da credibilidade da empresa perante o mercado. São apenas algumas ideias de Segurança Orgânica ou Corporativa.

Recentemente, a mídia[7] divulgou que sob constante ataque de criminosos, as 320 redes de computadores do governo federal, entre elas as do Banco do Brasil e do Serviço de Processamento (SERPRO), geraram uma nova demanda para os órgãos de segurança e de Inteligência. Um inquérito na Polícia Federal, em Brasília, investiga a atuação de uma quadrilha internacional que penetrou no servidor de uma estatal, destruiu os controles, trocou a senha e, depois de paralisar todas as atividades da empresa, exigiu um resgate de US$ 350 mil. Segundo a notícia, o órgão não pagou o resgate. Com a ajuda do CEPESC (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para Segurança das Comunicações), da ABIN[8], e de alguns especialistas, foi possível quebrar a senha colocada e recuperar o servidor.

Diariamente, a mídia difunde casos de ações adversas às organizações e empresas. Dentre as ameaças mais comuns destacam-se: a espionagem[9], a sabotagem[10], a biopirataria[11], o recrutamento[12] e o vazamento[13]. Também, particularmente nos dias atuais, cabe ressaltar a engenharia social[14], a propaganda adversa[15] e a desinformação[16].  Os alvos mais procurados são: os integrantes da alta direção, as pessoas em funções-chaves, as secretárias, os faxineiros, os garçons, os motoristas de dirigentes, os funcionários descontentes, os ex-funcionários, os cônjuges e os ex-cônjuges. Além disso, ocorrem algumas ações involuntárias que resultam na divulgação não autorizada de dados e informações, destruições acidentais, danos e contaminações.

Isso será diminuído sobremaneira, por meio de um rigoroso processo seletivo, bem como de observação de indícios de vulnerabilidades em seus funcionários, particularmente nos que exercem funções sensíveis.

Assim, há necessidade de se criar, desenvolver e manter uma mentalidade de segurança com o comprometimento de todos. Não se deve esquecer que também é importante uma orientação aos familiares, particularmente, quanto à segurança pessoal e a conversas sobre assuntos sensíveis e sigilosos que, de alguma forma, tomaram conhecimento.

Para isso, explorando o ponto fraco das pessoas, a fim de conseguirem dados, informações e conhecimentos, elementos concorrentes ou adversos buscam explorar as seguintes motivações: dinheiro, vingança, vaidade, prestígio, amizade, gratidão, insatisfação, sexo e diferenças ideológicas, religiosas, sociais, regionais, raciais e ecológicas.

Nesse contexto de segurança, é importante lembrar que existe uma legislação de referência, cujo conhecimento é válido em qualquer situação: o Decreto-Lei N° 2.848, de 7 de dezembro de 1940-Código Penal Brasileiro; a Lei de N° 7.170, de 14 de dezembro de 1983-Lei de Segurança Nacional[17]; Lei N° 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados; e o Decreto N° 4.553, de 27 de dezembro de 2002, que dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal.

O conhecimento e a divulgação da legislação citada no parágrafo anterior é um importante inibidor de ações adversas, particularmente quanto à segurança da informação, e à difusão de boatos. Serve, também, para restringir o acesso e alertar sobre responsabilidades. Em um ambiente apropriado, qualquer dado ou informação divulgado sem controle pode impactar negativamente os negócios da empresa e beneficiar o concorrente.

Outra maneira de aplicar a atividade de Inteligência é durante a formação de um gabinete de crise, com a finalidade de diminuir as incertezas e as surpresas que normalmente acontecem nessas situações.

A crise surge inesperadamente. Muitas vezes é acompanhada de desordem e confusão, trazendo prejuízos financeiros e visibilidade negativa para a imagem da organização ou empresa.

Assim, em caso de crise, o trabalho de Inteligência deve ser usado para: prever, identificando possibilidades de acontecer; prevenir, fazendo reuniões com as áreas envolvidas e planejando o melhor possível; e gerenciar, monitorando as ações e cobrando soluções durante e após as negociações.

Por fim, o que se pode observar é que qualquer organização ou empresa, desde um simples ambulante a uma grande empresa, pode usar a atividade de Inteligência de forma a produzir o efeito desejado, particularmente quanto à obtenção de lucros, à diminuição de gastos e à conquista de seus objetivos estratégicos.

Francisco José Fonseca de Medeiros ([email protected]) é analista de Inteligência e Diretor de Articulação Nacional da Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva (ABRAIC).


[1] Segundo o art. 1°, § 2°, do Decreto 4.376/2002, que regulamentou a Lei 9.883/1999, atividade de Inteligência se constitui na obtenção e análise de dados e informações e na produção e difusão de conhecimentos, dentro e fora do território nacional, relativos a fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação governamental, a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.

[2] Dado e/ou informação submetido a uma metodologia científica de produção do conhecimento.

[3] Qualquer coisa que tenha valor para a organização ou empresa.

[4] Externa ao ativo é a causa potencial de um incidente indesejado, que pode resultar em dano para uma organização ou empresa.

[5] Fragilidade de um ativo ou grupo de ativos que pode ser explorada por uma ou mais ameaças.

[6] Fábio Pereira Ribeiro é Diretor de Bacharelados e Relações Internacionais da UNIMONTE, especialista em Política Internacional e Inteligência Estratégica, Doutorando em Política Internacional e professor de Inteligência da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado.

[7] Jornal do Brasil, de 15 de agosto de 2009.

[8] A Agência Brasileira de Inteligência é o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência e de assessoria direta ao Presidente da República.

[9] A espionagem é a prática de se obter informações dos rivais ou inimigos, sem autorização destes, para se alcançar certa vantagem militar, política ou econômica. A definição vem sendo restringida a um Estado que espia inimigos potenciais ou reais, primeiramente para finalidades militares, mas ela abrange também a espionagem envolvendo empresas, conhecida como espionagem industrial.

[10] A palavra sabotagem deriva de sabot, tamanco de madeira em francês, pois no século 18 e 19 estava associada com os operários que os usavam, que quando não estavam satisfeitos com as condições de trabalho, os atiravam entre as engrenagens das máquinas.

[11] A biopirataria é a exploração, manipulação, exportação e/ou comercialização internacional de recursos biológicos.

[12] Cooptação de pessoas para passarem dados e/ou informações.

[13] Divulgação não autorizada.

[14] Explorar a confiança das pessoas para obter dados.

[15] Busca afetar valores ligados à ordem, à ética e à liderança.

[16] Busca induzir o decisor ao erro.

[17] A Lei de N° 7.170, de 14 de dezembro de 1983-Lei de Segurança Nacional merece uma releitura para identificar os dispositivos que foram revogados ou mantidos pela  Constituição Federal de 1988.