Apelo à História

Não que se queira que a história venha nos socorrer. Aqui estamos diante de uma figura retórica. Mas o apelo permanece: se não para a história nos socorrer ao menos para socorrermos a história.

Explico-me!

Em Rolim de Moura, um município do interior de Rondônia, – nos demais municípios deve ocorrer o mesmo fato – alguns elementos da história estão sendo esquecidos. Não só pelo poder público, como também pela população em geral e, o que é pior, pelos professores de história.

Somos um estado novo e ainda podemos conviver com várias daquelas pessoas que ajudaram a abrir o estado. Pessoas popularmente chamados de Pioneiras. Em Rolim de Moura conversa-se com os pioneiros sem saber que o são. E são relegados ao esquecimento, em função disso.

O que nos falta?

Que ao menos nós, professores de história, tenhamos um pouco de nossa tenção voltada para isso. Para que nossos alunos não nos venham perguntar sobre fatos do cotidiano e nós não saibamos responder: quem foram os primeiros moradores da cidade? Que fizerem? Ainda vivem? Onde estão? Por que temos o monumento de um pioneiro que aqui chegou quando a cidade já estava se formando e não se faz monumentos aos demais, e aos que chegaram antes dele? (como este, aqueles também merecem!). Como e por que teve início o processo de ocupação da região em que se insere a cidade? Ou será que imaginamos que a cidade nasceu desse jeitinho que é hoje?

E, se quisermos questões mais acadêmicas, podemos nos perguntar sobre os porquês do processo de colonização; sobre os porquês do governo militar ter inventado Rondônia; sobre os porquês de, num local de colonização oficial as iniciativas em favor de obras públicas terem sido mobilizadas pela ação de atores sociais e não do poder oficial...

Alguém se lembra que Rolim de Moura já foi chamada de Capital da Madeira? O que isso significou? E o que significa? Guardamos alguma recordação desse período? Como viviam as pessoas nessa época? Por que esse título se apagou no tempo? Para onde foram as mais de 200 serrarias que aqui existiam? Quem ganhou e quem saiu perdendo com isso? Qual a implicação ecológica desse título? Será que tem alguém preservando pelo menos alguns equipamentos das antigas serrarias, como registro e memória? – ou será que nosso patrimônio histórico corre o risco de enferrujar como o que aconteceu com o que restou da "Ferrovia do Diabo"?

É evidente que a cidade precisa melhorar sua arquitetura. E isso já se vê em quase todas as ruas. Praticamente não se vê mais casa de madeira. Isso demonstra que a população está se estabilizando na localidade e crescendo economicamente? Mas será que não seria importante preservar pelo menos algumas das antigas casas de madeira, daquelas que foram construídas pelos primeiros moradores da cidade com madeira das primeiras serrarias? – nem que fosse só uma casa, para manter a memória!

Este desabafo em tom de convocação tem uma explicação! Vamos a ela. Um dos antigos moradores desta nossa cidade plantou uma árvore em frente à sua casa. Ela cresceu e a cidade também. Quis a fatalidade – para a árvore, no caso – ter ela sido plantada no canteiro central de uma das ruas.

O pioneiro-plantador, madeireiro por sinal, já se mudou para outra cidade, em outro estado. Mas sua casa e sua árvore permaneceram, para registrar sua passagem por aqui – já que os historiadores não registraram o fato.

E o fato se deu que, como somos fracos de memória e não nos demos conta de que uma árvore, na cidade que já foi capital da madeira, poderia ser preservada como símbolo. Ao menos como recordação dos pioneiros. Mas foram lá e, em nome da comodidade, derrubaram a árvore que registrava a passagem desse pioneiro, e sua família, pela cidade.

A árvore em questão era uma figueira. Mas vale lembrar que numa das principais praças de Florianópolis – e aquele pioneiro que plantou a figueira em Rolim de Moura é catarinense – há uma figueira centenária, com uma galhada de mais de 50 metros de diâmetro. Seus galhos são amparados por grossas barras de ferro. Lá a velha figueira, olha para o mar e se recorda dos desterrados e até dos ovos podres jogados num pouco saudoso ex-presidente da república.

E nós, aqui, por fraqueza histórica, deixamos que vão se apagando os símbolos de nossa história. Com isso fica explicado o porquê do desinteresse pelos nossos pioneiros: apagados os símbolos – serrarias, casas, obras, suas árvores... – não se tem vínculo com o passado e, conseqüentemente não se mantém ligação com os agentes da história.

Mas ainda é tempo. Ainda dá para preservar e fazer registro da história. E aí vai o apelo não só aos professores de história, mas a todos os que se sentem agradecidos àqueles que, como diz Eclea Bosi, em Memória e Sociedade, dizendo que é importante preservar a memória e "através dela, a vida e o pensamento de seres que já trabalharam por seus contemporâneos e por nós. Esse registro alcança uma memória pessoal que [...] é também uma memória social, familiar e grupal"

Prof. Neri de Paula Carneiro

Filósofo, Teólogo, Historiador

Mestre em Educação