AO ESPÍRITO DE UM POETA NEGRO
Nazaré, 20-01-2011

Certa vez um poeta
Teve a ousadia
De publicar seu trabalho.
Era século XX.
Saiu de porta em porta,
De jornal em jornal
Suplicando uma coluna cultural,
Porém, o jornal só publicava negócios.

Ao atravessar o mar
Foi preso por ser barbudo,
Lhe tomaram oitenta poesias
E jogaram no lixo.
Maldita ditadura militar!

Das poesias que lhe roubaram,
Lembrava apenas de algumas frases
Que diziam assim:
Nos imensos canaviais, eu sofri.
Em frente à casa grande, eu caí.
Nas grossas correntes da vida, eu chorei.
Nos rasos pratos da senzala, eu morri.

Eu era só um poeta negro
Que veio da África
Num navio nojento e lento
E que jogava muito.
Era apenas um escravo do sistema.

Quando aqui cheguei
Ouvi falar de Castro Alves
E José do Patrocínio
E que não pertenciam ao sistema.

Também ouvi falar de Zumbi dos Palmares.

O tempo foi passando
Fui escrevendo poesias
Na linguagem de minha tribo
E que logo foi extinta.

Queria mostrar que era culto
Mas o sistema não permitia.
Fui obrigado a aprender
A difícil língua portuguesa
Que é um eixo de sofrimento.
Até minha capoeira
Tinha que dançar ao contrário
Por imposição dos jesuítas.
Fiquei tão triste e depressivo
Que acabei morrendo de banzo.