Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 3. Resumo Conclusivo; Bibliografia.

1. Introdução

Decorridos mais de vinte e cinco séculos sobre as primeiras especulações acerca do homem; iniciado que está este terceiro milénio da era de Cristo, uma das grandes questões que continua a atormentar é a de sempre: “Quem somos de onde vimos, para onde vamos?” E, ainda: “Qual o sentido para a nossa vida?”

Acontece que a Antropologia Filosófica coloca estas questões, porém, as respostas não surgem em moldes objectivos, científicos, comprováveis. E, no domínio filosófico, as especulações são abundantes, conforme a época em que se produzem, balizadas entre teorias contra-teorias, novas teorias, subordinadas a valores que, nem sempre são absolutos e muito menos são imutáveis.

Esta problemática tem sido resolvida a partir das explicações míticas, com base na reflexão especulativa, recorrendo-se ao apoio dos conhecimentos científicos das várias ciências empíricas, sociais e humanas. Contudo, hoje, o homem persiste em ser um problema para si próprio, provavelmente, um mistério.

E se em Platão se verificava um dualismo corpo-alma, invadindo o pensamento filosófico, com o neoplatonismo, toda a cultura ocidental cristã e a própria filosofia, ficam engajadas nesta ideia. Todavia, em plena Terceira Revolução Sócio-Industrial que vem alterando hábitos, valores, princípios e comportamentos, quando se coloca a unidade do homem e se busca compreender, muito facilmente, aceita-se, ainda que como base de trabalho, este mesmo dualismo. A tentação pelo que parece mais evidente é o que rapidamente ocorre à mente.

A Filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) tem o seu expoente máximo na obra que escreveu no Rio de Janeiro, a propósito de um curso de Filosofia, destinado a políticos, e, principalmente, a jovens que desejassem mais cultura e conhecimentos para se integrarem, no futuro, nos quadros superiores da administração.

A propósito desta obra-prima, intitulada: “Prelecções Filosóficas”, e do seu autor, medite-se no que José Esteves Pereira concluiu a propósito do nosso luso-brasileiro: «Silvestre Pinheiro Ferreira, representa para o pensamento luso-brasileiro um dos seus momentos mais significativos. No espaço cultural português dos princípios do século XIX, com a docência e a publicação das Prelecções Filosóficas, assistia-se a um primeiro momento superador da reflexão condicionada pela hegemonia da filosofia natural, que a reforma de 1772 consagrara ao ensino universitário. (...) As Prelecções Filosóficas (...) são em número de trinta e ao longo dos fascículos vai surgindo uma argumentação rica e variada, sempre pautada por um fio condutor de análise, revendo-se temas, problemas, leituras e autores.» ([1])

2. Desenvolvimento

É a partir deste e de outros pressupostos que se poderá identificar a filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira com uma Antropologia Filosófica, recorrendo, sempre que necessário, a outros textos de natureza político-jurídico-sociais, bem como às suas cartas que, certamente, conterão princípios e Valores Humanos dignos de uma verdadeira reflexão sobre o Homem. Aliás, ele próprio foi, em muitos momentos da sua vida, um inequívoco exemplo dos mais dignos comportamentos de solidariedade, lealdade e frontalidade e, por isso, pagou sempre um preço elevado.

Se a lecionação dum curso de Filosofia no Rio de Janeiro tinha subjacente satisfazer uma necessidade de angariar os meios para a própria sobrevivência do autor, não é menos verdade e interessante o fato de, já no passado, Pinheiro Ferreira ter sido professor de Filosofia Racional e Moral em Coimbra, desde então, prosseguido nas suas meditações filosófico-educacionais, como grande admirador que era do pedagogo Pestalozzi, no que respeita ao ensino dos jovens, em que a educação da mocidade era um imperativo ideológico e teleológico.

A sua concepção do mundo exigia-lhe uma resposta para a questão fundamental que se traduzia, afinal, em saber qual o papel do homem neste cosmos e que possibilidades haveriam de, pela acção, e numa perspectiva finalista, ao nível da salvação, realizar-se o bem-comum. Considerando indispensável o exercício da liberdade enquanto ela permite a determinação de se agir de acordo com a vontade individual, de forma a alcançar-se o objectivo de concretização da maior soma do bem e do justo para a sociedade.

É de realçar que este utilitarismo Silvestrino funda-se no universalismo que toda a utilidade deve abranger, sem, contudo, cair nos exageros do egoísmo, resultando que o maior bem de quase todos se tipifica pela procura incessante da máxima felicidade no seio da sociedade.

A preocupação pelo bem comum revela em Silvestre Pinheiro Ferreira a sua sensibilidade para a fragilidade da condição humana, como de resto se pode inferir da sua definição de bem quando afirma: «Chama-se bem tudo o que contribui para o aperfeiçoamento, conservação e satisfação da espécie humana». ([2]) O conceito de bem, assim definido, terá, certamente, um sentido mais abrangente é universalista e, nas notas à Ontologia, Silvestre Pinheiro, esclarece não só a profundidade como a abrangência de tal definição referindo-se ao parágrafo 13 do articulado: «Note o leitor que a significação que damos neste parágrafo à palavra bem, se restringe ao que os homens ordinariamente entendem por esta expressão. Por quanto, se estendermos a vista além da espécie humana, que nada mais é do que uma pequena e mui pequena parte do universo, a palavra bem deverá significar tudo o que contribui para a conservação e aperfeiçoamento do mesmo universo, em todas as suas partes.» ([3])

Resulta que, numa perspectiva global, não se coloca o problema do mal, na medida em que o mal em relação a um ou a alguns indivíduos, não é mais do que a prova da harmonia do universo, construída pelo Criador. Como o importante reside no bem-comum da sociedade, justamente constituída por todos os homens e não apenas por uns quantos, pode-se extrair desta filosofia, a ideia que nos deixa Maria Luiza Rangel Coelho: «É manifesta uma teoria optimista do universo em que se reflecte o optimismo de feição matemática, definido por Leibniz, com origem já em Santo Agostinho.» ([4])

Ao curso de Filosofia ministrado a partir de 1813 no Rio de Janeiro, também pelas razões que ele apontou, desde logo na “Advertência” que fez: «Azares da fortuna, cuja relação pertence a outro lugar, me levaram a consagrar à instrução da Mocidade os momentos desocupados dos deveres próprios do Emprego, que exercito ao serviço do Estado. Era natural, que tendo de recorrer no último quartel da vida à mesma honrosa profissão, com que nos anos da Juventude abri a minha carreira no mundo literário, me valesse daquela Ciência, a quem devi sustentação, amigos, e constância sobranceira e todos os reveses da ventura.». ([5])

Seguir-se-ia, passados mais de vinte anos, quando se encontrava em Paris, por volta de 1836, a elaboração de um compêndio que teria a denominação de “Noções Elementares de Ontologia” e que constituía a primeira parte da obra, publicando posteriormente as segunda e terceira partes, de que resultou a designação final de: “Noções Elementares de Philosophia Geral e aplicada às Ciências Moraes e Políticas: Ontologia, Psycologia, Ideologia”, afirmando Silvestre Pinheiro Ferreira, relativamente a estes tratados, o seguinte: “te esta philosofia do senso comum dos homens, exposta na linguagem singela da razão humana que neste compêndio oferecemos à estudiosa mocidade portuguesa.» ([6])

Ao contrário de Luís António Verney para quem a filosofia era conhecer as coisas pelas suas causas ou conhecer a verdadeira causa das coisas, a obra de Silvestre Pinheiro Ferreira reflecte uma preocupação com a sistematização dos conhecimentos da tradição empírica portuguesa, e da consequente unificação num todo coerente e consolidado em sistema, procurando, ainda, combater um certo empirismo mitigado, reinante em Portugal, no âmbito da Reforma Pombalina do ensino universitário.

A Filosofia Silvestrina não será confundida com qualquer outra ciência particular, ela vai procurar alterar o fenómeno, que já se vivia em Portugal, ao nível filosófico e que se traduzia numa adesão bastante significativa, por parte de professores e alunos, a um empirismo muito especial, que, posteriormente seria batizado de “mitigado”. Este empirismo era uma filosofia ensinada nas escolas à juventude, assente nas sensações, constituindo como que uma verdade absoluta, um dogma.

A investigação de Nady Moreira Silva é suficientemente esclarecedora e pertinente para uma compreensão diferente da filosofia silvestrina: «O sistema filosófico pretendido por Silvestre Pinheiro Ferreira, distingue três grandes domínios: I. O processo de constituição do saber, que segundo a sua própria terminologia compreende a teoria do discurso e da Linguagem (...); II. O saber do homem, contido no tratado das paixões (...) e III. O Sistema do Mundo ou a Cosmologia...» ([7])

No seguimento das investigações que, felizmente, nos tempos mais recentes, se vêm desenvolvendo sobre a dimensão filosófica de Silvestre Ferreira, pode-se constatar que a riqueza do seu pensamento é muito significativa. As interpretações, abordagens, teorias e conclusões a seu respeito cada vez levantam mais interrogações e também um entusiasmo incontrolável em prosseguir as investigações.

Com efeito, sabe-se que foi em Paris que ele publicou uma parte relevante da sua obra filosófica, sendo de realçar que os objectivos pedagógicos sempre estiveram muito presentes na actividade do publicista. Não apenas por vocação e/ou sacerdócio, mas também pelos projectos didáticos de quem, para sobreviver, se dedicou ao ensino, em momentos difíceis da sua vida, por isso, compreensível se afigura as suas preocupações éticas o que é corroborado por José Esteves Pereira: «Frente a uma ética de sentido teológico e finalista, perfila-se uma ética de meios em que sobretudo contam os móbeis da acção, mas em que, igualmente, o nexo teológico está subjacente, por um viés teleológico.» ([8])

Associada a uma ética de sentido teológico, Silvestre Pinheiro Ferreira, já próximo do fim da sua vida, ainda terá oportunidade de elaborar uma outra obra (tratado) que designará por Teodiceia e que será caracterizada por ele como um tratado sobre a Divindade enquanto tal. Atende aos atributos infinitos e também a uma relação com o mundo em geral e com o homem em particular, enquanto ser moral e sempre possível e carente de um aperfeiçoamento indefinido.

Avança depois com a ideia de que este curso tanto se destina a eclesiásticos como a leigos, na medida em que era necessário que encontrassem neste compêndio da Ciência Divina os meios para serem uns verdadeiros Apóstolos. Silvestre Pinheiro Ferreira define a religião natural como: «Conjunto de doutrinas morais, fundadas na lei Suprema das relações das Criaturas com Deus seu Criador (...) derivando exclusivamente da luz da Razão inerentes à natureza do homem.» ([9])

Poderá não ser forçado admitir que em termos filosóficos, o pensamento de Silvestre Pinheiro Ferreira não poderia concluir-se de forma melhor: depois de percorrer praticamente todas as áreas das ciências e sendo ele um homem religioso, como muito bem o demonstrou através desta sua última obra, reconhece a importância do homem para cuja vida, afinal, lhe aponta um sentido que consiste no reconhecimento da existência de Deus com o qual o compara, ainda que em termos muito desfavoráveis para o homem: «Com efeito, o homem, ao meditar sobre o poder e a perfeição infinita de Deus, não pode impedir-se de reconhecer o nada do seu valor, comprovado pelos seus inúmeros defeitos, erros e faltas de cada dia, ou melhor, de cada momento da sua existência.» ([10])

No seguimento da abordagem da filosofia silvestrina, numa perspectiva antropológica, e, adotando por rumo orientador as Prelecções Filosóficas, seja permitida a honra de concordar com António Paim quando tece comentários àquela obra, pondo em evidência as principais teses do autor: «Em que pese à enorme diversidade de temas abordados no curso é possível apreender os aspectos essenciais das concepções Filosóficas de Silvestre Pinheiro, a partir das seguintes teses, implícitas ou explícitas nas Prelecções: 1) Os fundamentos últimos de todas as ciências repousam na experiência sensível; 2) Embora extremamente complexo, lento e perfectível, o processo de elaboração e sistematização dos conhecimentos empíricos tem sua unidade assegurada: a) pela identidade da razão humana; e, b) pela correspondência existente entre linguagem e realidade; 3) A Filosofia é a disciplina que comanda e assegura o êxito do aludido processo.» ([11])

É velha a questão sobre a união da alma com o corpo, ou o processo pelo qual se estabelece a sua ligação ou, então, tal como Descartes, afirmar a dualidade que em nós existe, considerando-as substâncias distintas. Enquanto decorre o período de vivência, aquelas duas realidades humanas: uma espiritual, imaterial, imortal; a outra, matéria concreta, mortal, composta e perecível, como que se completam.

Resulta daqui que Silvestre Pinheiro Ferreira ao tratar da natureza da alma e das relações desta com o corpo, ele envolve-se em problemas antropológicos e não fugindo a eles, dá alguns esclarecimentos: indica os diferentes estados da alma a partir das diversas locuções e reações mentais e corpóreas em que um corpo, qualquer que ele seja, afete os nossos sentidos.

Provocando uma mudança no estado do corpo que ele chama efeito relativamente à causa que lhe deu origem, denominando-se por Razão em relação à Sensação que, naturalmente, se lhe segue, designando-se a alma, nesta circunstância, por passiva, na medida em que os corpos agem sobre ela. Se a alma reage em função da sensação, então diremos que ela é ativa e neste caso agiu sobre o corpo e, para Pinheiro Ferreira, é este conjunto de situações sucessivas que ele designa por “união da alma com o corpo”: «A esta série de diferentes estados da alma, que são alternativamente Razão, e efeito de uma correspondente série de estados do nosso corpo é que se tem dado o nome União da alma com o corpo.» ([12])

Pinheiro Ferreira considera que as faculdades da alma vão muito para além do conhecimento porque, independentemente das capacidades de sentir, pensar e perceber, a alma tem, intrinsecamente, uma outra faculdade notável, de características motoras e que é a espontaneidade: porque se ao nível da sensibilidade ela é apenas passiva e tudo o que nela se passa resulta do efeito dos movimentos que se realizam nos órgãos internos e externos, já que no que respeita à espontaneidade ela é ativa devido à acção motriz exercida sobre o corpo.

Na sua obra Noções Elementares de Philosophia Geral dedicada à Psychologia, este assunto fica claro, conforme nos ensina o autor: «2. As Faculdades do espírito encerram-se em duas a saber: sensibilidade e espontaneidade; 3. Aos efeitos produzidos na alma pelos órgãos da sensibilidade, dá-se em geral o nome de sensação; (...) 6. Para se denotar que a sensação experimentada pela alma é efeito de acção de um corpo sobre os órgãos da sensibilidade, dá-se o nome de Impressão; (...) 8. No exercício da sensibilidade ou, o que vale o mesmo, da Faculdade de sentir, a alma é puramente passiva; 9. No exercício da espontaneidade ou, o que vale o mesmo, da força motriz que a alma exerce sobre o corpo, ela é activa... (...) 10. O complexo destas duas Faculdades, que o espírito e o corpo possuem de obrar um sobre o outro, é o que se chama a união da alma com o corpo.» ([13])

Na explicação sobre em que consiste a união da alma com o corpo, Pinheiro Ferreira começa por esclarecer que estas duas questões, que se prendem com a acção da alma sobre o corpo e do corpo sobre a alma, têm constituído grande sofrimento para os filósofos modernos, todavia, ele remete para um certo ordenamento e distribuição das ideias que se formam no espírito, em classes, ordens, etc., segundo as afinidades das suas semelhanças e que em Aristóteles corresponde às categorias que ele, Pinheiro Ferreira, tão bem traduziu.

Assim, relativamente à primeira questão: em que consiste a união da alma com o corpo, responde: «Significa, como vimos no parágrafo precedente, que cada um de nós pela sua própria experiência sabe, que os diferentes estados da nossa alma formam uma série a que corresponde outra de diferentes estados do nosso corpo de maneira, que estes são alternativamente razão, e efeito daqueles.» ([14])

E que relativamente à segunda questão, isto é: como age o corpo sobre a alma e a alma sobre o corpo, Pinheiro Ferreira envolveu-se em alguma complexidade acerca do significado da palavra “como“ entendendo que neste caso nada significará por considerar que corresponde à enumeração da totalidade das mudanças do agente e do paciente e assim, aplicando tal doutrina, conclui com a seguinte definição: «Como a nossa alma obrou, ou produziu um determinado, e parcial efeito, ou mudança no nosso corpo, responderemos adequada, e completamente enumerando as mudanças, que tanto na alma como no corpo precederam a essa, de que se nos pede o como. Porém, se se nos perguntar pelo como da totalidade das acções da alma sobre o corpo e do corpo sobre a alma: é pergunta que não tem resposta; porque se nos pergunta o que significa a palavra como em um caso, em que ela nada significa:...» ([15])

De facto fica-se um pouco insatisfeito com a explicação silvestrina acerca desta relação alma-corpo-alma, porque não obstante parecer poder estar subjacente um princípio de reciprocidade solidária, entre a alma e o corpo e vice-versa. A ser verdade careceria de uma fundamentação mais concreta, eventualmente mais científica, até porque, Silvestre Pinheiro Ferreira, como estudioso interessado pelo funcionamento da Ciência, teria, possivelmente, a possibilidade de aplicar o seu processo, recorrendo à sua própria tese sobre os elementos comuns a todas as Ciências: ou a relação alma-corpo-alma pode ser explicada cientificamente e então integrar-se-á num corpo de Ciência, ou não passa de conhecimentos soltos e desligados.

Ora, para que tal relação e alegada reação possam enquadrar-se em corpo de Ciência, seria necessário que estivessem presentes os cinco elementos definidos por Silvestre Ferreira: «Para nós dizermos, que tais ou tais conhecimentos constituem um corpo de ciência é preciso que neles concorram todos ou a maior parte dos cinco requisitos, que eu por isso denominarei Elementos da Ciência em geral, a saber: Factos, Nomenclatura, Sistema, Teoria e Método.» ([16])

O autor desta tese, explica, nos parágrafos seguintes das suas Prelecções Filosóficas, como se caracterizam aqueles elementos e como vai construindo um corpo da Ciência, formula uma primeira asserção, pela qual, vai elucidando, ordenadamente, que as ciências ou têm por objecto as faculdades do espírito os as propriedades dos corpos. Refere depois que as faculdades do espírito, integram a Filosofia, por causa do vínculo que as liga de forma inseparável, constituindo assim como que um corpo indivisível de Ciência, que se vem denominando de Psicologia.

Salvo opinião autorizada dos ilustres investigadores, estudiosos e críticos Silvestrinos que precederam este trabalho, no que respeita ao esclarecimento da dualidade humana alma-corpo e à natureza, características e consequências da relação entre aqueles dois elementos, encontram-se algumas dificuldades na superação deste problema, muito embora não se consiga duvidar: primeiro da sua existência, enquanto realidades humanas; segundo, que existe una relação de simultaneidade entre elas; e terceiro que tal relação produz efeitos, consubstanciados nas diversas reações, sejam de natureza emocional, pensamento e desejo; ou tenham características físicas, biológicas ou fisiológicas.

 

3. Resumo Conclusivo

 

“Quem somos de onde vimos, para onde vamos?” E, ainda: “Qual o sentido para a nossa vida?” Acontece que a Antropologia Filosófica coloca estas questões, porém, as respostas não surgem em moldes objectivos, científicos, comprováveis. E, no domínio filosófico, as especulações são abundantes, conforme a época em que se produzem, balizadas entre teorias contra-teorias, novas teorias, subordinadas a valores que, nem sempre são absolutos e muito menos são imutáveis.

A Filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) tem o seu expoente máximo na obra que escreveu no Rio de Janeiro, a propósito de um curso de Filosofia, destinado a políticos, e, principalmente, a jovens que desejassem mais cultura e conhecimentos para se integrarem, no futuro, nos quadros superiores da administração. A propósito desta obra-prima, intitulada: “Prelecções Filosóficas”, e do seu autor, medite-se no que José Esteves Pereira concluiu a propósito do nosso luso-brasileiro: “Silvestre Pinheiro Ferreira, representa para o pensamento luso-brasileiro um dos seus momentos mais significativos.”

A preocupação pelo bem comum revela em Silvestre Pinheiro Ferreira a sua sensibilidade para a fragilidade da condição humana, como de resto se pode inferir da sua definição de bem quando afirma: «Chama-se bem tudo o que contribui para o aperfeiçoamento, conservação e satisfação da espécie humana». ([17]) O conceito de bem, assim definido, terá, certamente, um sentido mais abrangente é universalista e, nas notas à Ontologia, Silvestre Pinheiro, esclarece não só a profundidade como a abrangência de tal definição referindo-se ao parágrafo 13 do articulado: “Note o leitor que a significação que damos neste parágrafo à palavra bem, se restringe ao que os homens ordinariamente entendem por esta expressão. Por quanto, se estendermos a vista além da espécie humana, que nada mais é do que uma pequena e mui pequena parte do universo, a palavra bem deverá significar tudo o que contribui para a conservação e aperfeiçoamento do mesmo universo, em todas as suas partes”.

Associada a uma ética de sentido teológico, Silvestre Pinheiro Ferreira, já próximo do fim da sua vida, ainda terá oportunidade de elaborar uma outra obra (tratado) que designará por Teodiceia e que será caracterizada por ele como um tratado sobre a Divindade enquanto tal. Atende aos atributos infinitos e também a uma relação com o mundo em geral e com o homem em particular, enquanto ser moral e sempre possível e carente de um aperfeiçoamento indefinido.

Avança depois com a ideia de que este curso tanto se destina a eclesiásticos como a leigos, na medida em que era necessário que encontrassem neste compêndio da Ciência Divina os meios para serem uns verdadeiros Apóstolos. Silvestre Pinheiro Ferreira define a religião natural como: «Conjunto de doutrinas morais, fundadas na lei Suprema das relações das Criaturas com Deus seu Criador (...) derivando exclusivamente da luz da Razão inerentes à natureza do homem.»

Bibliografia

BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2002) Silvestre Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos no Espaço Luso-Brasileiro, Dissertação de Mestrado, Braga, Universidade do Minho. (Não publicada)

COELHO, Maria Luiza Cardoso Rangel de Sousa, (1958). A Filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira. Estudos Publicados pela Faculdade de Filosofia de Braga, Braga: Livraria Cruz.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro, (1839). “Noções Elementares de Philosophia Geral e Aplicada às Ciências Morais e Políticas: Ontologia, Psychologia, Ideologia”. Paris: Rey et Gravier.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro, (1970). “Prelecções FilosóficasIntrodução de António Paim, 2a Ed., São Paulo/SP: Editorial Grijalbo Ltda/USP.

FERREIRA, Silvestre Pinheiro, (s.d.). Prelecções Filosóficas. Introdução de José Esteves Pereira, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.

PAIM, Antônio, (1984). História das Idéias Filosóficas do Brasil. 3a ed. São Paulo/SP: Convívio.

PEREIRA, José Esteves, “O Pensamento - Silvestre Pinheiro Ferreira”. in Cadernos de Cultura, nº 1/1998, Lisboa: Centro de História de Cultura, 1998.

SILVA, Nady Moreira Domingues. (1978). O Sistema Filosófico de Silvestre Pinheiro Ferreira. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro/RJ: PUC

TEIXEIRA, António Braz. (1987).“Inédito de Silvestre Pinheiro Ferreira”, in Revista Análise. Lisboa: nº 7

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

 

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[1] José Esteves Pereira, Introdução às Prelecções Filosóficas de Silvestre Pinheiro Ferreira, p. 12-13.

[2] Silvestre Pinheiro Ferreira, Noções Elementares de Filosofia Geral – Ontologia, p. 13, parág. 13

[3] Op. Cit Notas, p. 63.

[4] Maria Luiza Rangel Coelho, A Filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira, p. 103.

[5] Silvestre Pinheiro Ferreira, Prelecções Filosóficas: Advertência, p. 29.

[6] Idem, Noções Elementares de Philosophia-Geral, Advertência, p. VII.

[7] Nady Moreira Domingues da Silva, “O Sistema Filosófico de Silvestre Pinheiro Ferreira”, p. 26.

  (A propósito do saber do homem, veja-se na mesma obra:

«No que respeita ao saber do Homem, o problema grave, exigindo que se complete a busca da coerência do sistema, é o da formulação de uma ética, isto é, as (paixões consideradas como atos normais). Extraída de uma fonte empírica e residindo o seu ponto de partida na identidade entre as ideias de virtude e gesto e de vício e dor, assemelha-se a ética de Pinheiro Ferreira ao utilitarismo de Jeremy Benthan, quando centraliza na sensação todo o problema moral. Ao admitir uma dicotomia entre Moral Religiosa e Moral Filosófica permite-se uma conciliação entre os dois tipos tradicionais de ética: a ética do fim e a do móvel da conduta, esta última caracterizando-se pelos efeitos imediato e sensíveis implícitos em cada acção. Ora, enquanto no plano individual, cada ato moral praticado livremente visa apenas ao bem do sujeito que o pratica. Entretanto, Silvestre Pinheiro Ferreira vai mais além e transcende o meramente subjectivo ao identificar a ideia de bem com a da utilidade e estende-la ao plano social. Da solução ética dependerá a sua teoria Política (o Liberalismo) de tão grande importância para a concepção das instituições que lograram assegurar tão largo período de estabilidade política no período Imperial.» (29)

[8] José Esteves Pereira, Introdução às Prelecções Filosóficas de Silvestre Pinheiro Ferreira, p. 25

[9] António Braz Teixeira, “Inédito de Silvestre Pinheiro Ferreira”, in Análise, Nº. 7, Lisboa, 1987, p. 137.

[10] Ibidem, p. 137

[11] António Paim, História das Ideias Filosóficas no Brasil, 3ª. Ed. p. 257.

[12] Silvestre Pinheiro Ferreira, Prelecções Filosóficas, 27ª. Prelecção, parág. 906.

[13] Idem Noções Elementares de Philosophia Geral, Psychologia, Parág. 2,6, 8, 10, pág. 1-2.

[14] Silvestre Pinheiro Ferreira, “ Prelecções Filosóficas”, 27ª. Prelecção, Parág. 907.

[15] Idem, Op. Cit., 27ª. Prelecção, Parág. 909

[16] Idem, Op. Cit. 1ª. Prelecção, Parág. 10

[17] Silvestre Pinheiro Ferreira, Noções Elementares de Filosofia Geral – Ontologia, p. 13, parág. 13