Antonio Gonçalves Dias e Rodolpho Amoedo da Narrativa Literatura à Representação Imagética em Marabá.

Introdução:

Romantismo brasileiro e identidade no século XIX fazem parte do canto indianista ao projeto de nação, bem como de uma identidade nacional. O século XIX foi marcado por grandes transformações sociais, políticas e econômicas, é também o século de ouro da burguesia, da nova classe trabalhadora, dos novos gostos literários e artísticos, da vida no campo e nas grandes cidades, e a nobreza, por sua vez, perdendo seus privilégios, viu-se substituída pelos ricos burgueses que constituíam novas atuações sociais à imitação dos nobres. Por outro lado, nesse processo de transformação, ocorre a construção das primeiras estradas de ferro, da criação da fotografia, do telefone e do telégrafo, permitindo o processo de racionalização das ciências atingirem seu auge; a expansão das máquinas a vapor, o desenvolvimento da eletricidade e outras inúmeras invenções, viriam transformar a vida cotidiana, fazendo do século XIX, o palco das grandes transformações tecnológicas e científicas.

    ¹ Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas da Escola de Ciências, Educação,              Artes, Letras e Humanidades da

       Universidade do Grande Rio – UNIGRANRIO – Campus I – Duque de Caxias – RJ.     

Portanto, nesse processo de mudanças, transformação e formação da cultura e da sociedade brasileiras e,  consequentemente da vida cotidiana bem como considerando um país aculturado  e  miscegenado, o que se tem em verdade é um  mosaicao das  diferentes vertentes culturais que também se refletem no Brasil oitocentista. Naturalmente, após três séculos de colonização portuguesa, a cultura do Brasil é, majoritariamente, de matriz  lusitana.

É justamente essa herança cultural lusa que compõe a unidade do Brasil: apesar da pluraridade do povo brasileiro, a língua é a matriz religiosa,  são os instrumentos de identidade. Esta identidade linguística e religiosae  é um fato raro para um país de grandes proporções, especialmente se comparado com os países do Velho Mundo  conforme nos descreve o antropólogo Darcy Ribeiro (1991, p. 16):

 “A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas  como    variantes da versão lusitana da tradição civilizatória européia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos”.               

“O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante, remarcado de características próprias, mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizariam plenamente”.

Assim, é neste cenário de transformações, descrito no parágrafo anterior e nas citações de Darcy Ribeiro  que também se insere as narrativas literária e  pictórica.  Na literatura romântica brasileira,  o neoclassicismo ou arcadismo, no século XVIII é marcado pela ascensão da burguesia e de seus valores. Esse fato influenciou na produção das obras desta época. Enquanto as preocupações e conflitos do barroco são deixados de lado, entra em cena o objetivismo e a razão.

A linguagem complexa é trocada por uma linguagem mais fácil. Os ideais de vida no campo são retomados e a vida bucólica passa a ser valorizada, assim como a idealização da natureza e da mulher amada.

Literatura, romantismo e indianismo

A poesia romântica surge em meio aos fervores independentistas da primeira metade do século XIX, tendo como marco inicial a obra de Gonçalves de Magalhães."Suspiros Poéticos e Saudades". Apesar de servir como marco de início do romantismo no Brasil, a obra "Suspiros Poéticos e Saudades" não apresenta grande notoriedade ou importância no cenário artístico poético do romantismo brasileiro assim como  outras obras de Gonçalves de Magalhães.

De acordo com as características e vertentes assumidas por cada poeta romântico, a poesia romântica, na primeira geração, indianista ou nacionalista sofre influência direta da Independência do Brasil, nacionalismo, ufanismo, exaltação à natureza e a Pátria, o índio como grande herói nacional e o sentimentalismo.

Ainda neste sentido, a  poesia romântica é também marcada, num primeiro momento, pelo teor patriótico, de afirmação nacional, de compreensão do que era ser brasileiro, ou pela expressão do eu, isto é, pela expressão dos sentimentos mais íntimos, dos desejos mais pessoais, diferente do ideal de imitação da natureza presente na poesia árcade. Isto tudo seguido de uma revolução na linguagem poética, que passou a buscar uma proximidade com o cotidiano das pessoas, com a linguagem do dia-a-dia. No poema "Invocação do Anjo da Poesia", Gonçalves de Magalhães diz que vai abandonar as convenções clássicas (cultura grega) em favor do sentimento pessoal e do sentimento patriótico.

Marabá Literária – contextualização histórica

Marabá pertence a publicação Últimos Cantos (1851), dividido em Poesias Americanas (7), Poesias Diversas (45) e Hymnos (4), além de notas explicativas sobre cada poesia e cantos. Para entendermos o poema "MARABÁ”, de Gonçalves Dias, precisamos estudar a história do Maranhão, especialmente na história transgressora de descendentes franceses com índias de etnia tupi; provavelmente, Tupinambás que vinham fugindo da colonização portuguesa². O mesmo estudo também acontecerá nas obras Iracema, Último Tamoyo, Paraguaçú, Moema, Lindóia, Primeira Missa no Brasil e outras do indianismo brasileiro que comporão o estudo iconográfico das personagens indígenas do Brasil oitocentista e do projeto de dissertação.

Por esta miscigenação, tem-se os franceses apelidados de Mayra (maíra) e o indivíduo tupi chamado de Awa. Assim, Marabá é uma derivação híbrida de Mayra + Awa = Mayrawa, que pela mutação linguística se transforma em “Marabá". A "Marabá" do poema é uma mulher mestiça de pai francês e mãe índia; não servia ao branco, não servia ao índio e do mestiço de português, era como que uma inimiga.

Quando os franceses foram expulsos do Maranhão ficaram aqui milhares de descendentes de homens franceses com índias tupis, os Mayrawa que passaram a ser discriminados pelos portugueses e mestiços de português com índio. Então, os Mayrawa eram vistos como "Índios Impuros" com os traços do estrangeiro invasor³.  

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² Os nativos maranhenses eram bilíngues, falavam o tupi-geral e um pouco de português.

³ Caso análogo no século XX em relação aos filhos dos soldados americanos com mulheres nativas no Vietnam, que ficaram lá.

Portanto, o poema Marabá, de Gonçalves Dias, composição indianista da primeira fase do romantismo brasileiro situado entre os anos de 1836 e 1852, disserta sobre a história da mestiça Marabá de origem étnica – conforme citado em parágrafo anterior, compreende a mistura entre índio e branco. Marabá, desprezada pelos índios e rejeitada pelos brancos, padece de crise identitária por não reconhecer-se e não ser reconhecida pela comunidade indígena, como observamos nos seguintes fragmentos do poema:

 

 

“Marabá”

Eu vivo sozinha; ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
Tu és, me responde, Tu és Marabá!                    

                      [...]

Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços,
Responde anojado; "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"

                       [...]

Se ainda me escuta meus agros delírios:
"És alva de lírios",
Sorrindo responde; "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."

                       [...]

Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá",

Assim, temos o ponto crucial da discussão inserida no poema: a mestiçagem que deforma a beleza indígena em uma outra estranha a sua comunidade. Mestiçagem formadora do povo brasileiro que ilustra a tentativa de românticos desse período de promover uma literatura que fosse a expressão legítima da nação.

O próprio Gonçalves Dias, mestiço, orgulhoso de seu sangue índio e branco era exemplo dessa tentativa de sintonizar a literatura brasileira com a mestiçagem que compunha os homens e que agora tematizava também as Letras do Brasil.

Parêntese do autor: O poema de Gonçalves Dias, embora necessite consultar outras fontes, pode ser considerado muito mais a História de uma discriminação aos descendentes dos franceses com índios, que ficaram no Maranhão, e com o tempo os "Marabá" foram misturados aos demais e se perdeu a etnia, é como se ninguém quisesse ser mais "Marabá". Um belo poema, mas também nos parece uma história de discriminação. Esta citação, grifo do autor, não tem a intenção de tecer juízo de valor.

Portanto, em relação a estudos sobre mestiçagem em Gonçalves Dias, temos as colocações de Débora de Freitas Ramos Apolinário (Doutoranda UERJ/2014) quando coloca:

 “não é difícil imaginar essa índia “deformada”, de pele branca, loira, cabelos cacheados, de estatura flexível e esguia que a fim de pertencer a uma esfera comunitária, busca na natureza relações de alteridade e parentesco. A identidade deslocada de Marabá e o conseguinte sentimento de não pertencimento acontecem por sua diferença quando contrasta com as outras índias de olhos pretos, “rosto de jambo corado”, cabelos lisos. “Essa comparação entre Marabá e as índias “genuínas” ressalta que as relações de intolerância não se restringem ao dominador, mas ao estranhamento e percepção de si em contraste com o outro também na própria comunidade indígena”.

Portanto, na análise do poema “Marabá”, de Gonçalves Dias, é possível perceber a presença marcante do romantismo, da mestiçagem, da crise identitária bem como do registro de uma memória. Essa presença é logo apresentada no tema geral do poema: "amor-melancolia; amor-desespero; amor-desilusão".

É em torno do embate entre Marabá e os guerreiros que se dá esse amor desiludido. Outra característica que se apresenta na construção das personagens Marabá (índia mestiça) em oposição à índia verdadeiramente brasileira. Ora, é sabedor que o índio constitui elemento singular em nossa literatura romântica.

Seus traços brasileiros ganharam tanta conotação que embora Marabá seja, apesar de mestiça, bonita, ainda sim é rejeitada, pois não se enquadra na descrição do indígena transplantado para a nossa literatura.

Outros elementos também merecem um olhar diferenciado: linguagem poética carregada de metáforas que exaltam o elemento paisagístico (brisa, beija-flor), paralelismo, jogo de palavras, presença de duas vozes (Marabá e o guerreiro) intercalando as ações: ora Marabá ressalta a sua própria beleza, ora é o guerreiro que ressalta a beleza indígena por ele preferida. E nesse vai e vem de exposição do belo, Marabá se dá conta que a sua beleza é desprestigiada naquele meio social. Um exemplo de lirismo em que a figura do elemento indígena adquire a conotação de elemento principal do nosso período romântico.

No ensaio Léxico e poema: um estudo sobre Marabá de Gonçalves Dias, Luciene Braga alerta que o substantivo comum “marabá” (mestiço) ao funcionar como substantivo próprio “Marabá” identifica e nomeia esse sujeito em trânsito incapaz de se definir por etnia, uma vez que o mestiço é um sujeito sem lócus. Destacamos a seguir um breve destaque de Braga sobre esse argumento:

[...] o eu-lírico do poema, a índia denominada “Marabá”, substantivo comum que, como foi dito, significa “mestiça” acaba funcionando como substantivo próprio que designa o nome da personagem. Contraditoriamente, seu nome, em vez de lhe prover uma identidade, ressalta sua contradição de “ente em transição”, seu nome é motivado pelo seu próprio drama. Marabá é a síntese da perda de identidade: por mais linda que seja, não pertence a povo algum e todos a rejeitam por isso. (2010: 8).

Marabá: a personagem feminina, pictórica, indígena e oitocentista de Rodolfo Amoedo

“Esse sentimento vivo da natureza, essa rápida maneira de sentir a forma, a densidade e a cor dos corpos, manifesta-se em Amoedo, com frequente habilidade”.

 Acquarone, Francisco 1941

Uma hibridação de paixão, sofrimento, luta, dor e até morte pela pessoa amada. Assim, estão adjetivadas na narrativa literária as personagens ficcionais indígenas alencarianas no indianismo brasileiro oitocentista. Estas são algumas das formas, entre outras de caracterizar o indianismo na literatura e na arte brasileiras. Na arte brasileira, o indianismo é herdeiro tardio do indianismo literário. Diferente da literatura, essa temática ainda não foi suficientemente abordada nos estudos sobre história da arte no Brasil, mas apenas em caráter superficial, o que torna um desafio qualquer texto que procure investigar esse segmento temático.

A temática indianista teve sua representação em diversos países e períodos da história. No período colonial foi rico em imagens de indígenas americanos, não só no Brasil como no resto do continente. São imagens de cunho etnográfico e documental, diferente do meu interesse de estudo e que viria a ocorrer no Brasil apenas na segunda metade do século XIX – de aspecto literário, artístico e histórico, mas não antropológico e científico.

No cenário artístico brasileiro, principalmente no século XIX diversos artistas como Victor Meirelles, Pedro Américo de Figueiredo e Mello, Rodolfo Amoedo, Rodolfo Bernardelli e tantos outros tiveram seus estudos realizados na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) e sua complementação de estudos na Europa, como pensionista do governo Brasileiro.

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