ANTOLOGIA DE WALTER CARDOSO



Discurso de Antônio Garcia Filho ao receber na Academia Sergipana de Letras o Dr. Walter Cardoso, ocupante da cadeira nº 31 em 30/09/1971

Excelências
Minhas Senhoras e meus Senhores
Jovens Universitários
Confrades Acadêmicos
Prof. Dr. Walter Cardoso:

"como arredor do sol a primavera vez que vistes sua luz
Em solene ordem os planetas apareciam formados
Assim vos foi implantada, à maneira de guia,
A lei que desde então haveis obedecido
Um dia que cantam as sibilas os sábios profetizam:
Assim deveis ser não podeis evadir-vos".

Goethe

O discurso não é meu.
É ele a mais completa expressão do pensamento.
Querem aniquilar-lhe a energia potencial, criticando-lhe a forma, o estilo, a emolduração dos seus aspectos, a dramaticidade dos seus impactos, a importância da sua força intrínseca. Querem torná-lo monólogo sem mensagem, estória de eventos corriqueiros, prosa simples, poesia imprecisa, quando, na realidade, é um todo harmônico onde as artes do pensamento equilibram-se continuamente.
Por isto que Wagner, analisando a Nona Sinfonia de Beethoven afirmara que "a seqüência do poema musical exigia uma conclusão que não pode ser expressa senão pela palavra".
E veio nos versos de Schiller, para manter o alto padrão cultural e rítmico, humano e espiritual, e sobretudo a universalidade da mensagem:

"abraçai-vos milhões de seres".

E Eleonora Duse, segundo o depoimento de Eduard Schneider, imaginava um teatro sem ornamentos, quase sem cenários, mas onde se pudesse, "antes de tudo, ouvir e comunicar".
É que tudo está no Discurso: a forma, o estilo, a prosa, o diálogo, a poesia, a musicalidade, a mensagem histórica, a crítica, os potenciais energéticos a serem captados na apresentação ou leitura, a verdadeira "sinfonia das idéias" que exprimem a força da personalidade, unindo ou desunindo Apolo e Dionísio.

***
E vós, novel acadêmico, sois orador, como forma intelectual da expressão do pensamento. Nas letras da Ciência e na ciência das letras.
A literatura pela literatura, perde-se após o momento da contemplação. Como resultante da criação humana terá de ser forçosamente dialética e embora coordenada pelos valores superiores do Homem, sofrerá, por certo, as influências do meio e da tecnologia, ressurgindo da tese e da antítese, gerando, no seu bojo crítico, a caracterização de uma época.
Seria ridículo, para os nossos dias, redescobrir a Amazônia encomendando-se uma lenda a um poeta, apresentando-a como continuidade de uma civilização pré-existente a fim de enaltecê-la. Todavia Virgíllius, o vate "profeta e mago", modê-lo dos épicos latinos, cujo verso era "encimado de estranho clarão" na exaltação de Victor Hugo, fez descender de Eneias, fugitivo de Troia, a genealogia dos aristocratas do Lácio.
E Eneias assim falou à Venus:
"Saídos da antiga Troia ? se o nome Troia chegou aos vossos ouvidos ? e empurrados de mar em mar, fomos trazidos, ao acaso, pela tempestade, para estas praias. Sou o piedoso Eneias, que trago comigo, na frota, os penates arrebatados ao inimigo, e cuja fama atingiu o alto éter. Procuro a Itália, pátria da minha estirpe, que vem do grande Júpiter".
Não quer dizer que poetas também não a decantassem ou escritores não na enaltecessem; porém teriam de fazê-lo, considerando a Amazônia no realismo das suas dificuldades e do seu potencial, planificando o seu aproveitamento na integração pátria. E assim haveriam de surgir escritores da Economia, das ciências geológicas e da política, do planejamento, do folclore e das artes, da pesquisa e do saneamento.

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Médico-escritor e escritor-médico.
Não por que fazeis das letras hobby de quem precisa descansar da árdua profissão, ou por que queirais enaltecer vossos dotes intelectuais. Mas para acentuar a conduta humanística que deve presidir toda atividade social.
Reproduzo a estória que contastes na Revista Brasileira de Medicina em "Reflexões sobre a mortalidade infantil":
"Certa feita, entrou-nos no Consultório uma mulher do povo, trazendo enrolado em um chalé, pequenino ser humano em decomposição. Examinando-o podemos contar-lhe as costelinhas frágeis mal cobertas pela pele ressequida. Impressionado, quase indignados, perguntamos a razão daquele estado, porque consentira naquele infanticídio lento... E a pobre mulher, emocionada, confusa, à medida que as lágrimas corriam-lhe dos olhos foi dizendo que entregara o filhinho aos cuidados de uma criadeira, pois precisava trabalhar fora. A criadeira, essa palavra, ficou ressoando nos meus ouvidos com a insistência de um aviso. Por aí se vê que as principais causas da mortalidade infantil se podem resumir na ignorância e na pobreza".
E não é somente na palavra, na letra que mata, mas na ação que vivifica.
Vossa passagem pelo Departamento de Saúde Pública e depois na Secretaria da Saúde do Estado, e atualmente no Hospital de Clinicas "Dr. Augusto Leite" e na Cátedra de Doenças Tropicais da Faculdade de Ciências Médicas d Universidade Federal de Sergipe, imprimiu e imprime a marca da vossa personalidade.
No Hospital começastes por distribuir a justiça entre os colegas e servidores, que a discriminação é o anti-homem, e quando serve para projetar alguns suspeita-se dos seus merecimentos e prejudica os mais capazes e idealistas.
O Direito não é uma dádiva; é um bem aberto a todos que estejam preparados, mediante normas gerais, sem acepção de pessoas. Antes, constitui-se arma para combater os egoístas que esquecendo o valor comunitário da instituição solapa-lhe o desenvolvimento e o prestígio, impedindo o trabalho em Equipe e o acesso à cultura.
Como Augusto Leite, não vos faltariam talento e preparo para auferir vantagens monetárias; preferis seguir a trilha do grande mestre, e da Medicina enriquecer-vos com a Ciência e a auréola do amor ao próximo.
Daí a vossa luta na implantação do Pronto Socorro e d dinâmica universitária do Hospital, casa de assistência, mas sobretudo, como afirmastes na vossa posse de Diretor, Instituto de Saúde Pública, de Ensino e de Pesquisa.

***
Marcado. Predestinado. Jamais direis "missão cumprida" pois tendes delegação universal, dominante na continuidade mendeliana, vivo na militância ou desincorporado na Glória, enquanto os pósteros repetirão a luta em chama que de outros grandes recebestes.
Imortal portando já éreis.
E de quem recebestes tal missão?
De certo modo a pedistes.
D. Martinho MIchler, teólogo do Centro D. Vital, transmitiu-vos a mesma alegria de Felipe:
- Walter eis o Logos.
E vós já estáveis debeixo da Figueira.
Como no quadro a óleo descrito por Soljenitzine, prêmio Nobel de Literatura, repetindo no tempo as algemas de Dostoiéwsky, nas sharashkas, nova edição das "casas dos mortos", quadro que ao exprimir a beleza das cores, de Kondrasshev-Ivanov, fixa o momento em que o homem defronta-se com a perfeição do mundo espiritual, ali representado pelo Castelo do Santo Graal:
..."Havia uma ravina profunda entre duas falésias. Encimando-as à direita e à esquerda, uma floresta, uma floresta espessa e primitiva. Samambaias e moitas de ásperos arbustos invadiam os flancos da falésia. No cume, à esquerda, assomava da floresta um cavalo cinza-claro com um cavaleiro de manto e elmo. ... Mas o homem a cavalo não olhava o abismo. Deslumbrado, fitava ao longes, onde uma luz de ouro rubro, vinda talvez do sol talvez de algo mais puro que o sol, inundava o céu ao fundo do Castelo".
Medievais:
"o Homem é uma unidade integral sujeito às influências tangíveis ou intangíveis do mundo físico, biológico, cultural e sobrenatural... É a razão de ser dos nossos objetivos".
E o acompanhastes, sem perder o fio das vossas futuras meditações:
"É natural que os sanitaristas se voltem contra a pobreza, considerando-a, ao lado da deseducação, os dois maiores obstáculos à ação da saúde pública".
E continuando:
"Sente-se a necessidade de um trabalho organizado, coordenado, homogêneo, harmonioso, obedecendo a uma hierarquia de valores e exigências sociais".
Recebido como um velho conhecido, não precisastes fazer a pergunta natanaélica: "Donde me conheces tu?"
- Da figueira
Do Grão de Mostarda.
Da Pedra.
Tendes-me como Verbo, Protótipo, Ação, Idéia Universal.
E Encarnado.
E Crucificado.
E Ressuscitado.

Como Claudel, em olhando a Cruz:
"A filosofia cristã ensina-nos que a verdadeira ciência é conhecer pelas causas. A verdadeira causa não é o como mas o porquê... mas a razão de ser. Ora o segundo dos grandes Mandamentos determina que amemos o próximo como a nós mesmos".
Ou Schmauss:
"Os que amam são, pois, os que hão de salvar o mundo".
"Que falta nesta cidade? ... Verdade
Que mais por sua desonra? ... Honra
Que mais falta, que lhe ponha? ... Vergonha.
(Gregório de Matos ? Juízo Anatômico da República ? Da era Luso ? brasileira)
"Oh homem, que fizeste? Tudi brada,
Tua antiga grandeza
De todo se eclipsou; a paz dourada,
A liberdade com ferros se vê presa
E a pálida tristeza
Em teu rosto esparzida desfigura
Do Deus, que te criou, a imagem pura"
(Souza Caldas ? Ode ao homem selvagem
- Da era pré-romântica)
"Os que amam são, pois, os que hão de salvar o mundo"
"Hoje ... cum?lo de maldade
Nem são livres p?ra morrer ...
Prende-os a mesma corrente
- Férrea, lúgubre serpente ?
Nas roscas da escravidão
E assim Zombando da morte.
Dança a lúgubre coorte,
Ao som do açoite ... irisão! ...
(Castro Alves ? O Navio Negreiro ? Da era romântica)
"Não choremos amigo, a mocidade:
Envelheçamos rindo! Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem
Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!"
(Bilac ? Velhas Árvores ? Do Parnasianismo)
(Os que amam são, pois, os que hão de salvar o mundo"
No carvão, escondestes o diamente
E ocultastes as pérolas, sob a água,
E os prázios, sob a areia transitória.
E foi à alma de um negro agonizante
Que houvestes a mais pura flor da Mágoa
E a dor mais alta pelo Amor e a Glória!"
( Hermes Fontes ? A Lâmpada Velada ? Do Simbolismo).

"Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos, meus inimigos
Procurem a estrela da manhã"
(Manuel Bandeira ? Do Modernismo)

"Os que amam são, pois, os que hão de salvar o mundo"

Oscar Clark, de quem, admirável recipiendário, fizestes elevado necrológio, e dele recebestes o interesse pela Medicina Preventiva, na 2ª Enfermaria da Santa Casa de Misericórdia, foi também um dos que amaram, como citastes em "Oscar Clark e a Medicina Contemporânea":
... " apóstolos de uma nova religião, da qual tanto depende o futuro do nosso querido Brasil, a proteção ao escolar abandonado. E sobre o tempo sagrado que é a pública, faria gravar as palavras eternas de Santo Agostinho: o corpo é também uma criação divina".
E Miguel Couto, do qual fostes interno:
"Se toda medicina não está na bondade, menos vale separada dela".
Novamente o tema de Schumauss:
"Os que não amam são, pois, os que hão de salvar o mundo"
E não desmerecestes vossos Mestres e vos incorporastes aos que amam, e amam com justiça:
"Far-se-ia necessária uma reforma vertical, de alta envergadura, uma mudança dos nossos quadros sociais, uma profunda alteração de estrutura política. E não sei se tudo isso feito, no fim uma verdadeira utopia, realizaríamos os sonhos de inúmeros idealistas: a unidade do gênero humano, a fraternização do todo, o bem estar coletivo".
Ressalta, todavia em vosso mister, o carinho com que cuidais do problema da criança, especialmente em Sergipe. Vários são os trabalhos científicos, ressumbrando olor literário, caracterizando as causas fundamentais do abandono em que, na época e digamos com coragem, ainda hoje, mutatis muutandis, a sociedade impassível assiste, e indiretamente promove, o extermínio do pequeno ser, imediata ou mediatamente, que pela falta de planejamento assistencial a partir da gestação, quer pelas condições de analfabetismo ou econômico-sociais das populações.
Podereis ter sido um sacerdote tonsurado, a espargir a Doutrina na formação das almas.
Serieis sacerdote,de maneira particular na família, filho extremoso, irmão de muitos cuidados, sobrinho afetuoso; amantíssimo esposo de D. Antônia Angélica Faro Cardoso, cujo lar Deus abençoou com diletos filhos Walter, Angélica - consorte do Eng. Químico Pedro Linhares e Elisabete ? consorte do Dr. Geraldo Prado Mesquita ? aureolado de netos que são acordes da cítara de David, mel dé Abraão e perfume de nardo.
Renomado médico, culto e sempre atualizado, estudioso dos problemas sanitários que desafiam os poderes constituídos e a comunidade.
Professor universitário de confirmado prestígio entre colegas e estudantes, administrador equilibrado e humano.
Sacerdote sois, de maneira particular.
Depois que estudastes no Paraná e na Guanabara, voltastes para Sergipe Del-Rei, para a formosa Aracaju ? menina enfeitada andando de bonde elétrico, com o rio dos saveiros e das barcaças.
Os navios do Ita/ apitavam no porto/ e só de ouvi-los o povo acenava/ Adeus comadre/ Adeus menina/ O colégio do Professor Zezinho marchava nas ruas/ e a procissão do Senhorr Morto/ era um enterro de verdade/ De noite a serenata/ zão de Cula, Nogueira, Argolo, Morais/ Depois Carnera, João Moreira, João Melo,/ Jaci, Antônio Garcia, José Sampaio,/ São João era samba de côco/ ganzá e a cuíca/ pandeiro e um tambor/ tamanco no tijolo/ Mulher cheirando a flor.
Hoje Aracaju é centenária
/ e não lhe mata a sede um rio só / milhares de automóveis pelas ruas / Hotel de luxo, Estação Rodoviária / Suas luzes formam um véu/ cintilante de estrelas/ e a gente nem se lembra mais de olhar o céu/ Bairros novos vão surgindo/ e o barulho da cidade/ esconde o gemer dos pobres / A Atalaia desponta com o sol e a juventude/ e o povo esquece a sua dor/ Bom dia Aracaju / Bom dia Amor!

***

Aqui já encontrais, na justa imortalidade, os velhos carvalhos que o tempo e as tempestades contorcem, porém não conseguem arrancar-lhes as raízes e o tronco.
Augusto Leite, bisturi de ouro da medicina e das letras.
Marcos Ferreira de Jesus, orador e jornalista, espírito de grande oriente em nosso meio.
Hunald Santaflor Cardoso ? estilo de Rui, Bevilaqua do Direito em Sergipe.
Mons. Domingos Fonseca, grande Orador sacro que tem de Vieira o estilo e de D. Marcos Barbosa a beleza poética.
Pires Winne, amorável e plácido poeta, jurista, historiógrafo e historiador, para quem:
"A História, a hoje que se quer, é uma ciência e não fonte de informações num amontoado destituído de senso crítico".
Epifânio Dórea, o abençoado obreiro.
O encantado e encantador Freire Ribeiro, oriental do amor na mágoa do ocidente:

"Depois partimos, meu amor morremos...
Nas areias natais adormecemos
Dentro da noite que se faz manhã!...
Hoje voltei ao meu destino incerto
Que saudade de ti no meu deserto
Sob a paz do luar de Ramadâ!..."

João Cajueiro, o Presidente que guardou a chama desta Academia para transmiti-la enriquecida e respeitada.
José da Silva Ribeiro, poeta e professor de altos méritos.
Luiz Magalhães, o Direito pelo Direito, cujos parceiros são acórdãos vazados em estilo de fidalgo.
Jorge de Oliveira Neto, criador de almas para as coisas como "frutos do amor, só do amor".
"Certas Almas de Coisas são tão simples e tão pequenas, como as borboletas e os beija-flores. Adejam somente, sobre, sobre a cabeça de quem as criou e as sustenta".
Zózimo Lima, etopeu do jornalismo sergipano, emérito Presidente desta Academia.
José Olino, latinista e filólogo, o La-Fontaine sergipano.
Severino Uchôa, de vestes talares na elegância do estilo, calçando no Brasil o chapéu de Couro da sua gente mansa e simples:
"Minha gente eu vou falá
Dos cabôcos brasileiro
Que são pescado do má
Vaqueiros do tabulêro
Jagunço que acaba as feras
Sanfonêros dos forró
Candango das bagacêras
Campiões de futibó"

José Silvério Leite Fontes, escritor, jornalista e professor, perseverante da Fé, intransigência católica de Leon Bloy.
Manuel Cabral Machado, estentor que suscita no discurso a pugna das palavras para transmitir vitoriosas as frases acadêmicas.
Luciano José Cabral Duarte, nosse eminente Arcebispo, flama sempre acesa da Fé e da Inteligência, a dobrar melodias de Paz e Esperança, como os sinos de Notre-Dame:
"Somos todos uma refração infiel do Evangelho. Sem dúvida. Mas o Evangelho mesmo, fonte eterna, água de cristal, pureza imaculada, guardará para outros, depois de nós, melhores do que nós, sua veemência, sua vitalidade, sua energia inexaurível. Os homens se cansam de tudo, inclusive dos cristãos. Mas os homens não se cansam de Jesus Cristo."
Luiz Pereira de Melo, jurista, professor e jornalista, exemplo inquebrantável de harmonia e justiça na Magistratura.
Emanuel Franco, fruto da literatura especializada da Ciência agronômica.
Luiz Garcia, arte literária na legislação, na Política, na advocacia e no Governo.
Eunaldo Costa, o humanista da moderna poesia sergipana, que vislumbra a libertação:
"De onde vem esse canto
Ó minha amada?
Do rio,
Do vento
Ou do bojo da noite?
Leanta-te,
E caminhemos em sua direção"

Gonçalo Rolemberg Leite, mestre do Direito que, na introspecção da sua personalidade, acumula erudição e cultura, que faz explodir na cátedra, nos pareceres, nas conferências e nos artigos especializados.
Sebrão, Sobrinho, professor, crítico, poeta, historiógrafo, pesquisador:
..."Laranjeiras é a evocativa toponímia da onomástica de um engenho do antigo distrito da Passagem da Igreja de N. S. Imperatriz dos Campos do Rio Real de Cima (então Paraíso, nome de uma fazenda distante), hoje Tobias Barreto..."
Santo Souza, recém-chegado, trazendo, como Eneias, as milenares riquezas de Tróia:

... "Venho dos sons da música eterna,
Da primeira palavra proferida
E atravessei caminhos silenciosos
Onde se pode ouvir o movimento
Da sombra, inquieta,
Do tempo, caminhando."

Como Heredia, do qual é renomado tradutor, fulge Clodoaldo de Alencar, como artista da poesia universal:

"Na montra azul do mar, sobre o lençol de argila
que a tintura do Iodo há milênios encarde,
-desde que nasce a aurora e morre, em sangue, a tarde
Sob a equórea pressão a pérola cintila"

Garcia Moreno, pena de ouro e platina, o talento a serviço da cultura:

"Todos, na futura idade do silêncio, terão exclusivamente a linguagem telepática. Só os idiotas falarão, por grave deficiência intelectual. A língua ficará reduzida a simples órgão gustativo e as cordas vocais minguarão num atrofia fatal. Em câmbio as mulheres serão silenciosamente belas. E os homens, sabiamente calados."
São estes, os que aqui residem, que percorrem a estada da imortalidade, e não somente a conquistaram como a mereceram, e assumiram novas responsabilidades, porque a imortalidade não é a imobilidade, está acima do Eros.
No Banquete, Platão os dinamiza´
-"O que é , pois, Eros? Será mortal?
-De maneira nenhuma.
-Mas o que é ele, afinal, Diotime?
-É um grande gênio, Sócrates, porque todo gênio está entre o que é mortal e o que é divino.
-E qual a função dos gênios?
-Serem os mensageiros e os intérpretes dos homens para os deuses e destes para os homens".

***

Afora os que aqui não mais residem e emprestam em terras co-irmãs o brilho dos talentos exportados tornando-se da arte literária cultores notoriamente consagrados. E mais ainda a nova geração que como as contas luminosas de um rosário já traz sedimentada a erudição: Luiz Antonio Barreto e dos Alencar Luiz Carlos, Hunald, Clodoaldo e Leonardo; Jackson Cavalcante, João Costa, Ezequiel Monteiro Os Eduardo Vital e Garcia, Petrônio Gomes e outros bardos. Também às mulheres a Academia as portas deve abrir de par em par colorindo-se de estrelas noite e dia.
Para receber-vos, em nome de tantos ilustres confrades, a palavra deveria ser mais forte que a alegria, como Tchen, de "La Condition Humaine" de Malraux, jê cherche um mot plus fort que Joe. Silêncio, não! Pois como versejou Edgard Allam Poe.
"O nosso mundo é feito de mil termos
E chamamos Silêncio a quietude dos ermos
A mais vã das palavras existentes.
Mas Dante, habituado aos eventos surgidos, vez que se encontrava no Paraíso, Canto 24,9,
"Screver não cabe à pena tanto
Cores não tem palavra ou fantasia
Que exprimam propriamente o doce encanto"
Walter:
Fiquemos com Dante que não nos perderemos, pois além dele e por cauda dele teremos Virgilius e Beatriz.
Nós vos recebemos com o doce encanto traduzível na honra com que a Academia Sergipana de Letras enriquece hoje sua Galáxia.

Sede bem-vindo!




















DISCURSO DO DR. WALTER CARDOSO AO TOMAR POSSE DA CADEIRA Nº 31 DA ACADEMIA SERGIPANA DE LETRAS

Que as minhas primeiras palavras sejam de reconhecimento pela benevolência de vosso gesto, elevando-me à altura de vossa glória.
Diante de tal privilégio ouso aludir ao esforço que farei para não desmerecer a bondade de vossa confiança e o agasalho de vossa companhia.
Agradeço ao vosso julgamento conferindo-me a alta distinção de imortal. Reconheço-me. Sou apenas e tão somente um simples médico provinciano, conscientemente devotado à profissão, que consagrou sua modesta vida ao serviço da medicina, e acredita ter dado algo de si mesmo, voltando-se para os enfermos, menos favorecidos pela sorte.
Aprendi com Egídio Mazzei que a Medicina é clemência, consciência, honra e caridade. Esforcei-me para honrar a minha vocação, como um serviço ao povo, consoante os desígnios de Deus.
Como homem de Saúde Pública, tive em minhas mãos a alegria de numerosas oportunidades para poder servir aos sergipanos. Também estou convencido que este Sodalício, acolhendo-me, quis, unicamente, com este cativante gesto, prestar uma significativa homenagem aos médicos sanitaristas, homens dedicados "ao bem estar das coletividades".
Sei que um médico não pode consagrar-se à medicina e ser um bom escritor ao mesmo tempo. ? Quando isso acontece, é sempre muito raro. Tanto a medicina como a literatura são absorventes e exigem devotação completa. O penetrante Fernando Carneiro disse: - "O literato e o médico vivem em atmosfera diferentes são dominados por hábitos mentais diversos, alimentam-se de experiências dessemelhantes".
Medicina! Medicina! Exigente Medicina, mas demasiado bela no limite do sublime.
Medicina! Medicina é entusiasmo. Dizei-me sabeis o que é entusiasmo? Eu respondo, como Pasteur: é ter dentro de si mesmo um Deus, um Deus interno.
"Desejo, aqui, afirmar para sempre," servindo-me das palavras de Achiles Scorzele Junior: -
"Quero viver e quero morrer como médico".
* * *

Bem sei do relativo das coisas. De coisa alguma podemos nos orgulhar. Todos os nossos dons vêm de Deus. Os nossos méritos não nos pertencem, conseqüentemente. Daí exclamar como o acadêmico Celso Vieira: - "Conheço bem os caminhos da vida e as quimeras do homem, para não me exaltar no deslumbramento em que voam os sonhos das mil e uma noites acadêmicas, estreladas de glória pela fugaz magia da posteridade".
O silêncio eterno dos espaços infinitos me espanta, disse Pascal.
E tenho no coração os versos de Jacinto Figueiredo, jóia de arte e grandeza, a refletir o sofrimento, a amargura profunda do poeta, na anciã de perfeição:
"Quem me dera atingir a inatingível altura,
Do verso cinzelar com a perfeição devida,
Com a mesma obsessão de quem tenaz procura
Dar ao mármore frio a sensação de vida.

E sem palavras e rasgos de loucura,
Transposto o patamar da íngreme subida,
Poder interpretar na fonte de água pura
A forma, a cor, o tom da idéia concebida.

Na posse desses dons, cantar a natureza,
Tudo quanto transluz da universal beleza
Com que Deus premiou a própria criação.

Depois cantar da vida os íntimos sentidos,
Que os meus olhos não vêem e falham-me os ouvidos,
Na cegueira e surdez da minha imperfeição!"

SENHORES ACADÊMICOS!

Nesta noite de tanta significação para mim, aquecido pela chama da gratidão, permiti-me que também agradeça àquelas bondosas criaturas que pela palavra, oração e pelo exemplo contribuíram, empurrando-me até chegar a esta invejável altura em que fiscais.
Dom Martinho Michler ensinou-me a essência do catolicismo. O Cristo Eucarístico não é um benefício, não é um favor, é uma necessidade.
A Eucaristia não é uma devoção sentimental e anêmica, mas o centro por excelência da vida do cristão que recebeu no batismo e na confirmação uma dignidade grandiosa e uma existência inteiramente nova. Suas aluas sobre Doutrina Católica e Liturgia, revolucionárias na época, pronunciadas na Associação Universitária Católica, no Centro D. Vital, ainda as guardo quentes no meu coração.
"A concepção que a igreja é o Corpo Místico na História".
"Catolicismo não é só regra moral ou código de proibições nem apenas doutrina, mas antes de tudo, vida, sacramento, missa (oração oficial), e expansão desse núcleo sacral nas obras da justiça, e nos ázimos da sinceridade".
Devo a Miguel Couto a lição: " a medicina só poderá ser exercida, plenamente exercida, com o exercício da bondade". O saldo da vida é a favor da bondade, assim me ensinou Hamilton Nogueira.
Não exagerou o inesquecível mestre e amigo Oscar Clarck: " a saúde é um dever cívico e não um objeto de luxo que só os ricos podem adquirir". "A maior necessidade reside na aplicação dos conhecimentos médicos à coletividade, essa é também, a mais eficiente conquista social que têm de alcançar os governos na era em que vivemos". "A Saúde Publica passou a ser um dever do Estado. Ela reconheceu ao pobre o direito de gozar saúde".
Destacando a afetividade, quanto devo a minha mãe, cuja lembrança, cuja saudade são indeléveis. Lembro a expressão fina, doce, triste do seu rosto, e a sua discrição, o seu apagamento, a humildade e a pureza de seus gestos por não ter nunca ofendido a ninguém, no seu heroísmo escondido, em suportar o sofrimento até a última solidão, "coluna de bruma, nuvem sombria", sem uma palavra de impaciência. As suas mãos adormecidas, ainda as vejo geladas, postas em cruz, "O que não podes olhar de frente, não é a tua própria morte, mas é a da criatura amada". (Francois de Mauriac).
"Custa-me encarar a triste realidade, a do silêncio onde ele agora dorme como em cama de flores"
(Aloysio de Castro).
Permiti-me que eu cite, aqui as palavras amargas de Gustavo Coração:
"Olha em volta de ti, alma atribulada e triste". Um cansaço mortal esmaga o coração. Um coro de zombarias parece dizer que tudo é vão neste mundo absurdo, e submerge a alma matando não só as esperanças com também aquelas flores do passado que pareciam tão solidamente plantadas no fato de terem existido. E o mundo então nos parece mau... E é nesse momento, que pelos critérios do mundo estamos mais rebaixados, nesses momentos indescritíveis, intransmissíveis, incomunicáveis, a não ser em gemidos, em imprecações, em frases de dor entrecortadas e sem sentido, é nesse momento de humilhação, de irritação, de quase desespero, que Deus está próximo de nós, descido pelos degraus que o Cristo carnalmente desceu, tornado opróbrio como ele carnalmente e visivelmente se tornou. Basta para isso um movimento de alma. Um pequeno movimento. Um movimento de pequenez, uma atitude inversa de tudo aquilo que os impérios prestigiam. "De profundis clamavit ad te Domine".

***

Serei recebido pelo acadêmico Antonio Garcia Filho, meu ilustre e querido amigo. Sempre olhei Antonio Garcia como um sergipano rido de muitos talentos. Este é o acadêmico que com o privilégio, o estro, o fulgor do seu verbo, certamente procurará estender uma tela colorida sobre os meus equívocos, minhas cóleras injustificadas, meus erros no espelho das minhas imperfeições. Tudo que ele disser por conta de sua reconhecida bondade, cabe a vós o perdão.

A CADEIRA Nº 31

Senhores Acadêmicos:

Dizia Anibal da Fonseca, nosso eminente conterrâneo, ao entrar na Academia Brasileira de Letras, o seguinte: - os nomes dos patronos das cadeiras dever ter a feição de sombras tutelares a afirmar o prestígio das letras e a estimular os neófitos."
Venho ocupar a cadeira nº 31, cujo patrono JOSÉ MARIA GOMES DE SOUSA, estanciano, casado em São Cristóvão, falecido a 29 de novembro de 1894, no município de Barbacena, em Minas Gerais. Toda a sua vida laboriosa e atormentada foi dedicada ao estudo. Era uma cultura polimorfa. Uma das maiores do seu tempo, assim fui informado pelo acadêmico Sebrão Sobrinho, Homem notável, GOMES DE SOUSA, professor, culto poeta, vibrante jornalista. Escreveu em prosa escorreita: - " O Asilo de Órfãs" e "Discursos". Deixou inspirados livros de poesia. "Estancianas", "Mocidade e Velhice", "Musa Sergipana", poesia do melhor quilate, cheia de claridade.

***
Cabe-me, seguindo a tradição da CASA, traçar aqui, o perfil do meu antecessor.
FILADELFO JONATHAS DE OLIVEIRA
Sucedo ao Cônego FILADELFO JONATHAS DE OLIVEIRA. Nasceu Filadelfo, na cidade de Laranjeiras, a 15 de janeiro de 1879, em lar modesto. Morreu com a idade de 93 anos. Fez seus estudos secundários no antigo Ateneu Sergipense e no Pequeno Seminário de S. Tereza, na Bahia. ? Sobressaiu-se como estudante de rara inteligência. Foi colega de D. Augusto Álvaro da Silva. O conhecido prelado considerava FILADELFO ? uma cabeça privilegiada. Recebeu ordens sacras no Seminário de Olinda, em 1901, o não de 1904 marca decisivamente a sua vida, este extraordinário acontecimento: é nomeado vigário de Laranjeiras. Escreveu os livros ? " O que aprendi na Peregrinação à Aparecida", "História de Laranjeiras Católica". Colaborou nos Jornais de Sergipe.

LARANJEIRAS

Seja-me permitido focalizar o ambiente onde viveu e estudou Filadelfo Jonathas de Oliveira, - " A história humana está inteiramente ligada a terra, ao meio em que o homem vive. E não poucas vezes o destino do homem é marcado por esse meio" (Hamilton Nogueira). Laranjeiras foi o cenário de sua vida, Laranjeiras, a pequena cidade do vale da Cotinguiba, teve o seu período de esplendor. Desse tempo merecem ser lembrados os canaviais verdejantes, a cidade com seus sobrados alinhados, com suas ruas, ruas e caminhos da vida, com seu comércio efervescente, o seu viver, suas filarmônicas, suas festas suas idéias, suas lutas, suas ambições, suas esperanças.
Sim, vemos a cidade, desde os seus primórdios, com as suas Igrejas nos pastos, substituidoras dos Oratórios, das casas grandes, dos sobrados, panorama sempre admirado por aqueles que o contemplassem de longe, em seus cerros, como o da Matriana, Bom Jesus, Bomfim, Navegantes, além da bissecular Comendaroba, igreja fundada pelos jesuítas, tendo o consistório mais bonito do Brasil.
Sim, relembro a cidade com seus homens de letras e ciências, escutando ainda o eco da voz de Fausto Cardoso, de Felisbelo Freire e outras culturas onímodas.
Era assim, Laranjeiras! Mas, mesmo que tivesse pincelado toda a sua aparência e alguns pontos luminosos da inteligência dos seus homens, pouco ou nada teria dito se olvidasse dois grandes homens ilustres.
Dr. Bragança: - cultura, bondade, educação, elegância, espontaneidade, inteligência, dignidade. Orador empolgante. Poeta e compositor, quase perfeito, quase um santo. Para sua imensa e rara generosidade, Laranjeiras era grande, porque amava a terra. Perto de morres permitiu-lhe o médico que saísse de casa, lentamente, vendo e revendo a sua própria existência, aqui, ali, acolá. As crianças de Laranjeiras não queriam deixar de olhar o seu vulto, de fitar o seu rosto intensamente bom, como se lhe pedissem a graça de uma última benção. Dr. Bragança, o homem que preferiu, na sua grandeza de alma, fazer o bem a todos os que o procuravam, velado na humildade de um interior pequeno e triste.
Acrísio Cruz. Querido Acrísio, outros e outros louvaram o teu talento jornalístico, a facilidade de expressão, o dom de dizer as coisas com clareza, com criações humorísticas. Eu admirei, sobretudo, a tua capacidade de amar os amigos. "Ele soube embelezar a arte de ser amigo". (Aloisio de Castro)
Com toda espontaneidade e aparente alegria de tuas conversas, tu me davas a impressão de carregar dentro da alma um fardo amargo e intransferível, uma espécie de cansaço.
Ajustam-se a ti, inteiramente, os ritmos de Fernamdo Pessoa:

O que há em mim é sobretudo cansaço,
Não disto, nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada,
Cansaço assim mesmo, etc. etc. mesmo cansaço.

Que digo? Mesmo cansaço? Angústia vazio? Angústia profunda? Medo, frustração? Sofrimento? Que difícil é o caminho do coração. Ah! Infeliz do home cujo coração não aprendeu, enquanto moço, a esperar, a amar e a confiar na vida! Exclamava Conrad.
Acrísio Crus foi um grande laranjeirense; vocação autêntica de escritor, poderia ter sido o maior historiador de nossa terra, se assim quisesse; não estou exagerando, não é generosidade fraterna, a minha admiração prende-se a um ato de lídima justiça: louvar a rútila inteligência e o labor fecundo e ininterrupto dos que ficam na província incompreendidos e injustiçados.

Meus Senhores,
Qualquer pessoa que chegue em Laranjeiras no intuito de uma pesquisa, no interesse de traçar um perfil ou prestar uma homenagem, entre a figura distante do grande Dr. Bragança e a lembrança ainda tão forte de Acrísio Cruz, terá de para por uns instantes diante da professora Eufrozina Guimarães, D. Zizinha, que educou na larga estrada do saber, com carinho e com bondade, toda uma geração.
D. Zizinha fez estudar em Laranjeiras muito menino inteligente que odiava os livros, e fez de crianças analfabetas, pobres, que nada lhe poderiam pagar, criaturas capazes de enfrentar a vida. Não somente ensinava a ler, mas rendia um culto à tradição, distinguia todos os grandes que a infância deve aprender a conhecer e a respeitar.
Professora de exemplar conduta, de capacidade de antever o progresso e ajustar seus meninos a esperá-lo, sob vários pontos de vista.
Soube amar a sua terra, ao seu colégio, aos seus alunos.
Mas, D. Zizinha teve um traço característico que a tornou mesmo inesquecível: era a missionária da alegria, a semeadora da alegria, amanhecia e anoitecia alegre. Tinha os seus problemas, os seus múltiplos afazeres, ações e reações de todo muno, mas a sua grande diferença positiva era manter-se alegre, comunicativa, no desembaraço amável da bondade inteligente, compreensiva e humana.

***

Falando de Laranjeiras não se pode esquecer, é um crime imperdoável não tocar no âmago do laranjeirense: - o bom humor refinado, o cômico, a crítica, o riso, a ironia, a filosofia a verve, a jovialidade, a imaginação, a sutileza única, singular do laranjeirense. Mil estórias, mil casos poderiam ser lembrados.
Um seu porrete causa estonteamento a quem é o alvo de sua chacota. Contou-me o professor Sebrão Sobrinho: era de tal natureza o porrete laranjeirense que o nosso querido Manoel do Passos, que nunca cuidou realmente de sua indumentária, veio a Laranjeiras vestindo um jaquetão já fora da moda, tendo acompanhá-lo seu parente, o jovem cadete Otaviano Mesquita. Ao chegar em Comendaroba, os irmãos Correia e outros receberam-nos com um vaia esplêndida, plena de porretes que pareciam mais bombas de foguetes do que o eco da voz humana. O Otaviano Mesquita, a olhar para ele, disse ? "Dr. Isso é com o senhor" ao que o filósofo retorquiu: - ora, Otaviano, que pretensão a tua de querer compartilhar comigo a esta ovação!
Humor laranjeirense, mil estórias poderiam ser narradas, acreditem os senhores, por Barreto Fontes, um Acioly Pôrto, ou um Garcia Moreno, representantes deste temperamento original, deste humor.
Eles se divertem contando o fio dourado e inexplorado do folclore, dizendo com um sorriso as coisas graves e gravemente as coisas frívolas.
Laranjeiras é hoje uma cidade abandonada. Apenas no coração daqueles que a conheceram no período do esplendor, persiste a imagem feliz e imorredoura de então, traduzida fielmente nos indos versos de Freire Ribeiro:

***

Hoje em dia, dos sobrados,
Num constante meditar,
Silenciosas janelas
São os olhos do passado
Com vontade de chorar.

Sobrados de Laranjeiras,
ò veneráveis sobrados
no tempo enormes fechados,
cheios de sombra e de paz.

Sobrados abandonados,
Irmãos na dor, na agonia
Desses engenhos parados.

***

O HOMEM

Foi neste ambiente pitoresco, no convívio com esta gente singular, que FILADELFO viveu e exerceu seu profícuo apostolado. Era um brevilineo, atlético, pícnico, de olhar vivo e malicioso; o rir nos olhos ele possuía; otimista até certo ponto, comunicativo, hábil, amando a vida em seu fulgurante esplendor, amando a paisagem, os seres e as coisas, na curva de sua existência não conheceu o fascínio da ascensão. Suportou som paciência e ânimo cristão o amargo do cotidiano sem horizontes. Tudo suportou sem cansaço.
Disse Goethe: " Tudo que fazemos na via é um eterno cansar-se, bendito aquele que não se cansa". Realmente, afirma Pedro Almeida Moura: - Nós nos cansamos com as nossas obrigações, nós nos cansamos com os nossos sonhos de arte, e, até, com as nossa amizades, certas vezes, nos cansamos. Bendito aquele que se renova continuamente, que, continuamente se reergue de suas decepções e de seus erros: que se levanta de suas amarguras e de seu tédio para tornar a viver, para respirar de novo o hálito dos heróis, no dizer de Romain Rolland".
De temperamento extrovertido, correspondendo, aliás, ao seu tipo morfológico, nem por isso deixava de ser tocado de quando em quando pelos ressentimentos, zangas e caprichos. Pretendendo um cargo junto ao presidente Josino de Menezes, como não fosse atendido. Dirigiu-se ao Presidente com o seguinte telegrama: - Nunca vi satanás pregando quaresma".
Não era dessas curas que irradiam pela aparência, algumas vezes, a santidade e heroismo. Era um homem de temperamento sentimental. Bom irmão e irmão e bom filho. Um homem acolhedor, amigo dos colegas. Espírito aberto ao diálogo. A inteligência não foi aproveitada na razão de sua potencialidade. O homem em luta com o meio. O meio exigindo muito dele e sugando-lhe o máximo de energia, na ação permanente de atender os múltiplos deveres da paróquia, não lhe restando um mínimo de tempo para o cultivo do espírito, que tanto desejava.
O PÁROCO
FILADELFO foi um pároco, de acordo com a época ambiente, apologético, moralista, intelectualista, na base de uma piedade subjetiva e sentimental.
O homem do culto e da administração dos sacramentos. Na problemática da época, deu assistência à sua paróquia, com fidelidade aos seus deveres de pároco. Nunca se ausentou. Só no ocaso da vida, em conseqüência da idade. Fez o Bem. Celebrava a Missa com dignidade, Batizou. Batizou 30 mil crianças . Era festeiro. Festa do Coração de Jesus. Festa de S. Benedito, Festa de Reis, as prediletas ou as mais importantes ao seu espírito.
O "Te Deum", com a sua voz melodiosa, causava profunda emoção. Era de arrebatar o povo laranjeirense. Novenas, conferências. Lançou sementes. Mês de Maria, em que cada moça se apresentava melhor ornamentada para o culto da Santa Mãe de Deus, ressaltando-se a família Santaninha, herdeira dos esplendores, oriundos de d. Possidônia Maria de Santa Cruz Bragança, a professora Dodona, tão querida, tão lembrada e tão respeitada por Sergipe inteiro.
Era um fato inconteste a devoção filial de FILADELFO a MARIA Santíssima, o modelo da Igreja, que me faz lembrar a respeito os versos de CLAUDEL:
"Meio dia, vejo a igreja aberta e entro,
Mas não é para rezar, ó Mãe, que eu estou aqui dentro.
Nada tenho a pedir, nada para dar,
Venho somente, Mãe, para te olhar...
Olhar-te, chorar de alegria, sabendo apenas isto:
que eu sou Teu filho e Tu estás aqui, Mãe de Jesus Cristo!
Ao menos por um instante, enquanto tudo para, (meio dia)
Estar contigo nesse lugar em que estás, ó Maria.
Nada dizer, olhar-te simplesmente o rosto,
E deixa o coração cantar a seu gosto,
Porque Tu és bela, porque Tu és imaculada,
A Mulher na graça reintegrada.

A criatura na sua honra primeira e na plenitude final,
Tal como saiu das mãos de Deus no seu esplendor inicial.
Porque estás sempre aí, porque existes simplesmente por isso,
Muito obrigado, Mãe de Jesus Cristo!

***
Filadelfo foi um pároco que atuou de acordo com a mentalidade da época, onde o sacerdote se sentia voltado de modo especial para o lado preponderante religioso, vinculado à tradição sacramental no exercício do seu ministério. Aquela concepção da Igreja administradora de sacramentos. Atualmente, o pároco se sente atraído para a realidade complexa em que vivem as populações, decorrentes dos desajustamentos, das injustiças, dos distanciamentos sociais. Os homens vão tomando consciência do problema e clamam por uma organização mais justa da vida.
Pároco cumpridor dos seus deveres, FILADELFO JONATHAS OLIVEIRA, amava a sua terra e a sua religião.
Sendo um homem inegavelmente talentoso, tolerante e admirador das tradições de sua terra, deixou nas festas natalinas, principalmente Reis, que os grupos atraentes, como Taieiras, Cacumbí, Chegança, sem rivais em Sergipe, tivessem entrada na Igreja, dançassem e cantassem ali, com todo o respeito e acatamento não só dos figurantes, mas igualmente dos assistentes, quase todos oriundos de Laranjeiras, ali residentes ou vindos de outras paragens para matar saudades desse grande dia de Reis, na cidade tão hospitaleira. Nada havia de pejorativo em tais manifestações. Padre Filadelfo olhava como uma expressão artística negra, incorporada ao nosso folclore, simplesmente um Canon declamatório, na linha da tradição popular. Assim, como no-lo descrevem os versos:

***
"Deus salve a Casa Santa
Onde Deus faz a morada,
Onde mora o Cálice e neste Cálice a
Hóstia,
A Hóstia consagrada..."

Os humildes, os pobres, os simples, para o coração de Filadelfo tinham sua própria expressão de amar a Deus e na se lhe exigia a fórmula social comum e quantas vezes apenas declamada...

O ORADOR SACRO:
Distinguiu-se Filadelfo como orador sacro, anunciando o Cristo através da Palavra. Pregava bem o Evangelho. Difundia o evangelho através de leituras e reflexões, lembrando aqui e ali os exemplos, os milagres dos santos. Sem dúvida, era o Padre Filadeldo um grande orador na Cotinguiba, àquela época. Sobretudo era afamado e procurado para os sermões de Encontro. O estilo da pregação estava muito preso às exigências da retórica e muito mais à clareza e à simplicidade da palavra, que é a verdade de Deus, visando principalmete a comunicação accessível a todos os níveis de inteligência. Dizia o Padre Antonio Vieira: "Pregar há de ser como quem semeia". "Eis que sai o semeador a semear a sua semente, e , como reza a parábola, de suas mãos algumas caem nos caminhos e morrem pisadas pelos que passam; outras nas pedras onde as queimam o sol ou donde as espalham os ventos; outras em terra estéril em que se estiolam; outras na gleba fecunda em que germinam, cobrindo-a de flores e de frutos" (Fernando Azevedo).

O HISTÓRIADOR

Como historiador, o Cônego FILADELFO OLIVEIRA mostra o amor à terra e as tradições. Cuidadoso no narrar, sem mistificação, apenas lamentamos a falta de análise dimensional mais profunda. No entanto, é característico e amor à sua terra e aos seus paroquianos, seus conterrâneos, filhos da mesma gleba natal em que veio à vida, por ela sacrificando os próprios interesses, dedicando-se a escrever a vida social, dando um exemplo de ajuda, de compreensão e de comunicação aos demais párocos sergipanos que deviam imitá-lo em a narração do passado de seu livro "Laranjeiras Católica", onde se observa ao lado de suas qualidade de narrador, fiel à verdade ambiente, a revolta, a ironia e o humanismo, em suma, marcos de sua personalidade e de seu pensamento.
Eis ai estas amargas e duras palavras: - "A pressão e o rigor dos senhores contra os escravos chegam ao extremo. A aurora e o crepúsculo dos dias eram saudados com os azorragues que arrancando gritos doridos produziam gotas de sangue que lavavam a terra pelos mesmos escravos cultivada".
Assim escrevia FILADELFO para a posteridade. Não é de ontem, nem de hoje, o despertar da Igreja para os graves problemas sociais, e sobre a dor dos apagados quantas vezes não se vêm debruçando os santos de outrora. Vejamos como se exprimiam S. Basílio e S. Ambrósio diante dos poderosos: - "O pão que guardais é o dos famintos, a roupa que encerrais no armário é a do indigente que fica nu, o calçado que apodrece e embolora em vossa casas é o do miserável que anda descalço, e é o dinheiro do pobre que escondeis no seio da terra".
Estas fortíssimas palavras vem sendo alteradas, no seu sentido e na sua íntima verdade. Tem servido, sem dúvida, para vestirem outros pensamentos, mas, existiram assim, textualmente, e existiam também Ambrósio e Basílio.
Se é de longe a desventura de tantos, também vem de longe a luta para minoração da mesma angústia; pelo menos, dentro da Igreja tantos existiram que também clamavam justiça!
Em outro lugar, mostra o padre Filadelfo sutil ironia. Dr. Zacaria de Goes e Vasconcelos tomou posse do Governo da Província de Sergipe em 28 de abril de 1848. O presidente, entusiasta pela Capital, teve a funesta idéia de comprar e levar para S. Cristóvão o relógio da Igreja de Senhor do Bomfim. O povo laranjeirense protestou contra a resolução arbitrária do Governo, porem, não podendo lutar com as armas nas mãos, procurou reagir por meio da astúcia, escondendo no seio da terra tão precioso relógio. Fez como o avaro que não tendo garantias, enterra o seu tesouro".
Também humor:
Laranjeiras foi objeto das cogitações do Presidente Inácio Barbosa para sede da Capital da Província, o que não se realizou por motivos políticos e, talvez, por causa do célere brinde no banquete, no engenho denominado Jesus, Maria, José, quando o major Botocudo, saudando o Presidente, declarou bem conhecer toda sua família composta de honrados e dignos mestiços. O presidente retirou-se precipitadamente, deixando desiludida uma noiva, desfeito um noivado e morto o brilho futuro de Laranjeiras, como Capital de Sergipe".
Enfim, o texto que se segue deixa entrever os seus sentimentos: - "Qual o laranjeirense que não se recorda do sino do Bonfim, cujo som dolente e fúnebre, quebrando-se pelo Vale da Cotinguiba, anuncia a morte de um ente querido?".
Finalmente motivos sentimentais, fortes reminiscências levam o Padre Filadelfo a escreve:
"O mês doloroso, tão querido do povo laranjeirense, devia ser chamado mês saudoso... aquela colina pedregosa e despida de vegetação é o sacrário onde repousam os restos mortais dos nossos antepassados. É a colina da saudade". Não resta dúvida que seu estilo é precioso, contraído, retórico, com sacrifício evidente da limpidez, clareza e aticismo da frase perfeita.
***
Ao transpor o átrio desta Casa, o Padre Filadelfo Jonathas de Oliveira pronunciou um belo discurso, mostrando vivacidade de inteligência e evocação para as letras. Deixou para a posteridade as razões de sua fé inquebrantável em Deus. Ele acreditava no Deus que amava desde pequenino. Aquele mesmo com quem conversava seus íntimos sofrimentos. O Deus que o ajudava a subir a ladeira da vida, jamais o abandonaria a meio do caminho.
Ouçamos o Padre Filadelfo em seu ato de fé: - "Vejo Deus reinando e imperando aqui, como no grão de areia, na erva, como na floresta, no vento, como no tufão, no cérebro, como no coração".

ASPIRAÇÕES

Soube o Pe. Filadelfo cumprir a sua missão, como pároco e como historiador demonstrou o amor que tinha à sua terra natal e aos seus paroquianos. Os graves problemas ele os enfrentou quase sozinho: - a pobreza e a solidão existencial. Dramas que perturbaram enormemente a sua atuação sacerdotal; carregou dentro de si o peso de todas as angústias.
"Basta um fio para começar um tecido; não raro uma pedra atirada às águas torna-se a base de uma grande ilha" ( Ozanan). Tivesse tido o Padre Filadelfo a desejada compreensão das horas sombrias, fossem-lhe dado o apoio de que todos nós precisamos tantas vezes, quem sabe a sua cruz teria sido mais leve?!
Alimentou durante a vida duas únicas aspirações; ser cônego e entrar para a Academia de Letras de Sergipe. ? Ninguém pode atravessar o seu pensamento íntimo, para atinar com a essência, o mistério, a fonte destas esperanças mas, felizmente, conseguiu ambas as coisas.

O CASO

Filadelfo Jonathas de Oliveira morreu pobre e muito velho, aos 93 anos de idade. Dentro de tão longa vida, uma existência sem grandes contornos, mas inteiramente dedicada à Igreja e à Província ? Laranjeiras.
Viveu os últimos dias encarcerados em um mundo estranho, curtindo a fria indigência da indesejável solidão.
Não mais, a tocha acesa, a luz transmitindo a fé, legado precioso e incomparável, nascente de esperança, fonte de salvação, mas, agora, somente, uma concha perdida, um búzio solitário na amplidão de praia...
Dizia Fernando Pessoa:
"No seu céu interior, não encontrava uma estrela". Para François Mauriac: "A última graça que pede uma criatura que viveu muito, é a de morrer". A falta de perspectiva, a falta de luz, a falta de vida, assim podia exclamar como outro poeta: "Sou como um vale numa tarde fria", e confessa o próprio padre Filadelfo: - "cansado de carregar o tempo".
É de Helber Figueiredo Murtinho esta expressão magnífica e rimada:
"Velhice, projeção da mocidade,
Folha seca da árvore da vida,
Folha que rola fria e consumida,
Pela estrada tristonha da saudade..."

Ou como o Salmista; "Uma flor que se murcha, uma folha que cai, um vaso que se quebra".
Oh! Velhice inválida, nostalgia, fria penumbra, trevas impenetráveis.
Oh! Visões do tempo passado, ou como diria Conrad:
"Oh! O esplendor da mocidade! Oh! O fogo que ela encerra, mais brilhante do que as chamas do navio incendiado, fogo que projeta sobre a terra imensa uma claridade mágica que se lança audaciosamente para o céu em breve deve apagar-se ao contacto do tempo, mais cruel, mais impiedoso, mais amargo do que o oceano, fogo que será envolvido como as chamas no navio incendiado, por trevas impenetráveis".


MISSÃO DO HOMEM DE LETRAS E DO CIENTISTA

Uma obra artística, literária, ou científica deve possuir um sentido construtivo. Tendências à elevação, convergência para Deus. Em 1936, aos setenta anos, disse Romain Rolland: - "Desprezo a arte pela arte e o pensamento sobre si mesmo". "As nossas construções sonoras, onde cantam as nossas paixões, serão templos vasios, desmoronar-se-ão no esquecimento".
Também dizia o genial Fernando Carneiro: "porque a palavra, como os outros instrumentos da arte, nunca valem por si só. Um encontro de palavras como um encontro de cores e de sons, só tem valor quando determina um encontro de idéias e de sentimentos". Exclamou Mario de Andrade: " A arte tem de servir, é exatamente como a cátedra uma forma de ensinar, uma proposição de verdades, o anseio que se faz a gente de uma vida melhor".
A obra de arte, como uma árvore na imagem de Teilhard, como a árvore, participa da Terra, pelo seu realismo, pelas suas raízes, vigorosamente imersas no concreto, mas como as árvore participa também do céu pelo "élan" ascensional de seu lirismo, pelas folhagens inumeráveis de sue gênio poético".
Poderia, aqui citar numerosos exemplos de romancistas, poetas e homens de ciências, cujas obras encerram uma mensagem construtiva.
No mundo literário, em nossa pátria, observamos as figuras inconfundíveis de Machado de Assis, Castro Alves e Garcia Rosa. No mundo científico, citamos 3 nomes também: Gaspar Viana, Osvaldo Cruz e Carlos Chagas, Machado de Assis, "modelo supremo da arte de bem escrever".
Disse uma vez Ruy Barbosa; "Modelo foi de pureza, correção, temperança e doçura: na família, que a unidade e devoção do seu amor converteram em santuário; na carreira pública onde se extremou pela fidelidade e pela honra; no sentimento da língua pátria, em que prosava como Luís de Sousa e cantava como Luis de Camões; na convivência dos colegas, dos seus amigos, em que nunca deslizou da modéstia, do recato, da tolerância, da gentileza".
Castro Alves, "o poeta anti-escravo que nos deixou versos Shakesperarianos no dizer de Fernando Carneiro:
"Senhor Deus,
Dá que a boca da inocência
Possa ao menos sorrir..."

E, Garcia Rosa, o nosso Garcia, a sua poesia lírica representa o que o homem tem de mais contingente: vales e colinas, luz e somba, ocaso e aurora, lua e sol, pão e vinho, espiritualismo e determinismo, o eterno fluxo e refluxo da vida. Garcia Rosa, a fé intuitiva. A alta preocupação de fazer o bem. A alta preocupação de não fazer o mal a ninguém. Delicadezas de espírito. Sempre uma resposta humana em seus lábios. A grande sabedoria estava ali. Depois, a simplicidade. Depois, sinceridade,. Depois a inspiração profunda. Depois o homem forte, um caráter uma consciência. Garcia, a pureza de intenções, um fino cristal ou a fonte de água límpida e transparente a mitigar a sede dos que a procuravam. Ele é único, é incomparável, é simgular, Jackson de Figueiredo, grande admirador de Garcia, escreveu para Olegário Silva: - "Mas Garcia é um sábio, A sabedoria é uma graça singularíssima. A sua falta de fé é positiva, pode ser assim interpretada. Deus demonstra com ele as perfeições da razão natural, quanto esta pode. Garcia lhe fará um grande bem ao espírito. E vá recolhendo tudo o que for sabendo dele, e me enviando, pois ainda pretendo escrever sobre ele, o meu melhor livro. É preciso mostrar que Sergipe deu o homem mais singularmente iluminado que já se viu sob o céu do Brasil".
Ouçamos Garcia o pessimista-

"Ontem, hoje, amanhã, névoa e mistério.
Vida! Gesto de amor, punho cerrado,
Lágrimas, riso e o pomo deletério
Da esperança mendaz, nunca alcançado.

Ânsia vã de fugir-te ao duro império,
Cego destino de antemão traçado!
Agonia mortal! Ou gozo eterno,
A quimera do bem e a do pecado.

Ontem, hoje, amanhã... vida inclemente!
Esfinge que o intérprete devora,
Para os traze a lume novamente.

Ontem hoje, amanhã... Ocaso e aurora.
Divina exaltação de um dia ardente,
Curto instante de amor que a vida enflora".

Ouçamos, agora, Garcia, em busca da Cruz:

"Quanto amor, quanta dor, quanta amargura,
Nós levamos conosco a sepultura,
Meu pobre coração!
Atenta bem no que te digo, atenta!...
Nesta marcha fatal, acerba e lenta
Não te aflijas, em vão,

Se já não podes iludir-te ao menos,
Recusa, cauto, os pérfidos venenos,
Que a saudade propina.

Olha de frente a negra cruz erguida.
Crucifica-te, sofre, pois a vida,
Sempre na cruz termina..."

Garcia, um espelho refletindo sempre na perfeição do verso genial, a vida, o mistério da vida. Eu te peço permissão para usar aqui as palavras de S. João da Cruz: - " Senhor, como te sou agradecido por esta amizade, obrigado por este amigo".
Podemos apreciar agora as obras dos 3 sábios brasileiros, iluminadas pela luz do humanismo. Gaspar Viana mártir da ciência, morreu de tuberculose miliar em pleno apogeu da sua vida intelectual e científica, aos 29 anos de idade. Relatam os cronistas da época, tais como Margarinos Torres e Edgar Cerqueira Falcão ele, ainda febril, já dominado pela tuberculose miliar e disto tendo pleno conhecimento, comparecia aos seu gabinete, religiosamente, para trabalhar e ultimar pesquisas que ansiava ver concluídas antes de morrer.
Gaspar Viana descobriu a terapêutica do Leishmanniose tegumentar ? americana e leishmaniose visceral. Isto significa a salvação de milhões de pessoas, especialmente , na Índia, Mediterrâneo e toda a América.

***
Osvaldo Cruz, idealista também, saneou a cidade do Rio de Janeiro, combatendo a febre amarela, a varíola e outras endemias urbanas, que equivaleu à abertura do Brasil aos países amigos para o comércio e o turismo. E livrou da morte milhões de brasileiros e estrangeiros aqui radicados. Não foi sem obstinação, sem lutas que obteve a vitória consagradora. Osvaldo Cruz, grande estimulador, capacidade extraordinária de comunicar o seu ideal aos discípulos. Aqueles que passaram pelo seu horizonte, foram marcados forte e imorredouramente pelo ideal do mestre.

***
Carlos chagas, consagrou a vida ao estudo de uma doença, Encerrado num pequeno Laboratório, em um vagão de Estrada de Ferro, em Lassance, no interior de Minas, durante meses consecutivos, realizou Chagas um fato único no mundo o de um só pesquisador descobrir ao mesmo tempo o agente etiológico, o transmissor vetor, os reservatórios de uma mesma doença.
Realizando essa proeza científica sem paralelo na história da medicina, começou Chagas, logo após os primeiros momentos de glória, a sofrer, todas as espécies de crítica, terminando quase por ver sua grande descoberta inteiramente negada pelos seus colegas, no que diz respeito à real importância da mesma no quadro nosológico do País.
E hoje, pouco mais de 60 anos decorridos após a descrição do primeiro caso humano, feito pelo próprio Chagas, na pessoa de Berenice, toda a classe médica reconhece que a tripanossomíase de chagas incide em toda América. O número de pacientes somente no Brasil, segundo os inquéritos mais recentes, deve ser superior a 6 milhões. Afinal, podemos exclamar como Miguel Couto: - "O que fica dos homens não são as lutas, são as suas obras".

SENHORES ACADÊMICOS!

O literato e o homem da ciência devem possuir uma mística viva, orientada, para algo realmente útil, construtivo, para a humanidade. É ponto pacífico que deve ser um idealista profético como Gaspar Viana. Deve ser um idealista prático, no roteiro de Osvaldo Cruz. Deve ser um idealista teórico, persistente, introvertido na luta constante para provar o seu ideal, como Carlos Chagas. Mas dizia Machado de Assis: "o meio termo é a posição do bom senso". Ele deve ter na sua mensagem algo profético. Algo teórico, algo de prático, deve ser profético, até quando isso não significa a destruição de sua própria vida. Deve ser teórico, até quando isso não torne a especulação cansativa, penosa e estéril.
Deve ser prático, até quando isso não traduza a aplicação de seus conhecimentos, de sua cultura, de maneira excessivamente materialista. O home de letras, ou cientista de ideal, deve encerrar dentro de si, uma chama de um Machado de Assis, alguma coisa de um Gaspar Viana, um raio de sol que seja de um Castro Alves iluminando, o ideal de um Oswaldo Cruz, a claridade de um Garcia Rosa, claridade permanente, pura, meridiana, envolvendo todos os passos de um Carlos Chagas!
Minhas Senhoras!
Meus Senhores!
Senhores Acadêmicos!

Atravessa o mundo uma grande noite de incerteza, reinam no mundo desesperos, desencontros, desalentos. Falta-nos o amor, prontidão permanente. Entrega de si e não das sobras. De dar na alegria como Deus ama e quer. Falta-nos a bondade. "Todas as sementes de bondade que um homem espalha no mundo, brotarão um dia nos corações e pensamentos de outros homens." Disse Albert Schwitzer. Falta-nos "um suplemento de alma", dizia Bergson. "Sem um suplemento de amor, não há luz me nossas vidas". (Ruy Otávio).
Estou certo que bem perto de nós, alguém não só pensou assim, como também agiu: Dr. Augusto Leite, o homem que envelhece apenas no corpo, mas mantém na alma a aspiração de um amanhã melhor para os outros homens. É uma maneira humana de esperança, e é justamente de esperança a minha mensagem neste momento, meus senhores!
"É preciso dar aos homens uma esperança para aqueles que não tem. Uma esperança para os cristãos que não sabem a que preço foram resgatados".
Aloysio da Castro dizia que certamente há uma esperança no nosso esforço cotidiano de vida e um ideal que nos justifica a existência. Nós aceitamos este pensamento porque ele encerra a mais sábia lição, porque nos conduz a depositarmos em Deus as esperanças de que dum dia seremos libertados de tanas incertezas e de tantos sonhos perdidos!
E crendo assim e assim sentindo meu coração já cansado de tanta luta, eu gostaria de pedir as palavras de Michel Quoist para dizer a todos vós apenas isso: -
Oh! Deus!
Obrigado pela noite serena.
Pelas estrelas,
Pelo silêncio,
Obrigado pelo tempo que me deste,
Pela vida,
Pela graça.
Obrigado por estares aqui, "SENHOR".