ANISTIA E INDULTO: UMA ABORDAGEM DOUTRINÁRIA SOBRE OS INCIDENTES DE EXECUÇÃO PENAL 

Alex Bruno Canela Vilela[1]

RESUMO: 

Anistia e indulto são incidentes de execução previstos nos art. 187 a 193 da Lei de Execução Penal. Esses institutos são importantes na conjuntura penal, pois representam importantes políticas criminais, haja vista a realidade carcerária do país. Nesse sentido, o presente artigo abordará os aspectos doutrinários e jurisprudenciais desses dois importantes instrumentos penais. 

1 INTRODUÇÃO          

Incidente vem do latim incidere, que significa “que sobrevém, que cai depois, acessório superveniente”, entre outros. Portanto são todas as questões que podem surgir no processo, que podem ser benéficas ou maléficas para o julgado.

Incidentes são questões jurídicas supervenientes à sentença de condenação ou de absolvição imprópria, que atingem o processo de execução da pena ou medida de segurança, impondo ao juiz da execução o dever de resolvê-las no curso do processo executivo.

Dada a natureza das questões incidentes previstas na Lei de Execução Penal, elas poderão proporcionar tão somente a modificação dos rumos da execução, alterando seu curso, reduzir ou até mesmo extinguir a pena ou medida de segurança submetida à execução.

A Lei de Execução Penal prevê as seguintes espécies de incidentes: conversões (arts. 180 a 184), excesso ou desvio (arts. 185 e 186), anistia e indulto (arts. 187 a 193) cumprindo salientar quanto a estes dois últimos, o caráter substantivo de causas de extinção da punibilidade. A seguir e, pontualmente, anistia e indulto serão analisados sob o aspecto da legislação vigente. 

2 ANISTIA

Trata-se da declaração realizada pelo Poder Público, por meio de lei ordinária editada pelo Congresso Nacional (arts. 21, XVII, e 48, VIII, da CF), no sentido de que determinados fatos tornem-se impuníveis ou insuscetíveis de medida de segurança em razão de clemência política ou social. Com a anistia, exclui-se o fato criminoso da incidência da lei penal. O instituto, portanto, refere-se a fatos e não a indivíduos. E, apagando o fato, afasta-se em consequência a tipicidade, pois essa é a adequação do fato ao tipo penal. Vale a pena ressaltar que Anistia não se confunde com abolitio criminis, sendo esta deixa de considerar universalmente determinada conduta como criminosa, enquanto a anistia incide sobre a prática criminosa apenas em certos casos concretos. Por essa razão, muitos a consideram uma causa excludente da tipicidade sui generis.

Um exemplo muito difundido é o que se encontra elencado no art. 1º da Lei 6683/1979, pelo qual se concede anistia a todos os que, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao Poder Público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. Nesse caso, como se vê, foram anistiados especialmente aqueles que praticaram fatos classificados como crimes políticos ou conexos e crimes eleitorais no período mencionado.

Essa causa extintiva da punibilidade alcança, em regra, crimes políticos. Excepcionalmente, porém, pode abranger crimes comuns, o que fica bem claro a partir da interpretação contrario sensu do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, ao dispor que são insuscetíveis de anistia “a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”. Ora, ao dizer a Constituição Federal que esses delitos não podem ser alcançados pela anistia, permitiu indiretamente que outros crimes comuns o sejam.

2.1 Classificação

A doutrina apresenta algumas classificações referentes ao instituto da Anistia, onde se utiliza como critério o beneficiado pela clemência, os efeitos e momento de concessão.

  1. a) Anistia especial e comum: anistia especial é aquela que beneficia agentes que praticaram crimes políticos, o que, como vimos, é a regra; por outro lado, anistia comum é aquela que alcança os que praticaram crimes comuns.
  2. b) Anistia própria e imprópria: própria é a concedida antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, acarretando a extinção da ação; imprópria é a concedida depois desse trânsito, importando em extinção da condenação.
  3. c) Anistia condicionada e incondicionada: denomina-se anistia condicionada a que impõe condições a serem aceitas pelo destinatário (por exemplo, a reparação do dano). Nesse caso, a não aceitação implica recusa à anistia. Anistia incondicionada, por outro lado, é a que não está sujeita a condições para sua aceitação, não sendo passível, portanto, de recusa.
  4. d) Anistia geral e parcial: a anistia geral destina-se a todos os indivíduos que praticaram determinado fato; já a anistia parcial alcança apenas algumas dessas pessoas (por exemplo, somente os acusados primários).
  5. e) Anistia irrestrita e limitada: irrestrita é aquela que alcança todos os delitos que guardarem relação com o fato criminoso principal; limitada é aquela que exclui alguns desses crimes.

2.2 Efeitos, procedimento e competência

A anistia produz efeitos ex tunc, isto é, apaga o próprio crime, atingindo todos os efeitos penais da sentença. Logo, se em momento posterior o beneficiado cometer outro crime, não será considerado reincidente. Sinale-se, todavia, que a anistia não afeta os efeitos extrapenais da decisão condenatória (dever de indenizar, perdimento do produto do crime e de instrumentos ilícitos utilizados na sua prática etc.), subsistindo esta como título executivo judicial na esfera cível.

Uma vez concedida, a anistia não poderá mais ser revogada, ainda que, no caso da anistia condicionada, não sejam posteriormente cumpridas as condições impostas. Nesse caso, resta imputar ao indivíduo, se for o caso, o cometimento do crime previsto no art. 359 do Código Penal[2].

Relativamente à competência para reconhecer a anistia e declarar extinta a punibilidade, será do juiz que presidiu o processo de conhecimento ou do tribunal (se o processo estiver em grau recursal ou no caso de competência originária), na hipótese de a lei que a conceder entrar em vigor antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Se, porém, tal lei passar a vigorar após esse trânsito, será competente o juiz da execução, ex vi do art. 66, II, da LEP, que poderá fazê-lo de ofício, a requerimento do interessado ou do Ministério Público e, ainda, por proposta da autoridade administrativa (diretor do estabelecimento penal, por exemplo) ou do Conselho Penitenciário (art. 187 da LEP). Não sendo o autor do requerimento, o Ministério Público sempre deverá ser ouvido antes da decisão judicial.

Especial atenção deve ter o juiz na hipótese de anistia condicionada, pois nesse caso a declaração de extinção da punibilidade vincula-se à realização de prévia consulta aos interessados, para que declarem se aceitam as condições estabelecidas no ato concessivo, não produzindo a anistia efeitos em relação àquele que a recusar. Note-se que, na anistia condicionada, as condições encontram-se previstas na lei federal que a concedeu. Sendo assim, a menos que haja expressa permissão legal, tais condições não podem ser transacionadas ou modificadas por ato próprio do juiz.

Finalmente, deve-se atentar que a decisão do juiz da execução que reconhecer ou não a causa extintiva da punibilidade enseja impugnação por meio de agravo da execução, ex vi do art. 197 da LEP.

3 INDULTO

O indulto pode é costumeiramente dividido em indulto individual ou graça e indulto coletivo, ou indulto propriamente dito; por uma questão didática, compete avaliá-los separadamente. O indulto individual vem disposto nos arts. 188 e a182 da LEP. O art. 188 dispõe in verbis “o indulto individual poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público”, enquanto o indulto coletivo está previsto no art. 192.

3.1 Indulto individual

O indulto individual e o indulto coletivo agregam grandes semelhanças porque ambos são concedidos via decreto presidencial, conforme dispõe o artigo 84, XIII, “atingindo apenas efeitos executórios penais da condenação, subsistindo o crime, a condenação irrecorrível e seus efeitos secundários”.[3]

Entretanto é curial distinguir esses dois institutos, uma vez que o indulto individual, ou graça, é um benefício individual com destinatário certo e dependente de provocação do interessado, enquanto o indulto é coletivo, sem destinatário certo e pode ser condido ex officio. Mirabete[4] acrescenta que:

O indulto coletivo abrange sempre um grupo de sentenciados e normalmente inclui os beneficiários tendo em vista a duração das penas que lhe foram aplicadas, embora se exijam certos requisitos subjetivos (primariamente, etc.) e objetivos (cumprimento de parte de pena, exclusão dos autores da prática de algumas de crimes, etc.)

Sobre a necessidade desse instituto, Nucci[5] destaca que o indulto “pode ser utilizado tanto para a reparação de erro judiciário como para beneficiar quem pratica um ato de heroísmo durante a execução da pena”.

A graça poderá ser total (ou plena) ou parcial, conforme leciona Avena:

“alcança a sanção imposta ao condenado, caracterizando-se como causa extintiva da punibilidade. No segundo, a graça não importa em extinção da punibilidade, acarretando apenas a redução da pena ou sua substituição por outra mais branda, o que se denomina comutação.”[6]

O indulto individual se desenvolve conforme a redação do art. 188 da Lei de Execução Penal, “o indulto individual poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa”. O conselho penitenciário deverá emitir parecer sobre o requerimento, que remeterá os autos ao Ministério da Defesa para que possa ser concedida a sanção presidencial via decreto.

Concedida a graça e anexada ao decreto presidencial, o juiz remeterá os autos ao Ministério Público e à defesa, para que se manifestem, e, em ato contínuo, declarará extinta a punibilidade em sede de decisão motivada e lastreada nos art. 112, §1º, §2º da LEP.

 

3.2 Indulto coletivo

O indulto coletivo, como a própria denominação demostra é aquele que busca contemplar um grupo de sentenciados que se encontrem em determinada condição jurídica. Assim como o indulto individual, também é uma indulgência exarada pelo Presidente da República pela via do decreto presidencial.

Conforme assevera Nucci[7], o indulto coletivo “pode servir como instrumento de política criminal, perdoando vários condenados e permitindo o esvaziamento de estabelecimentos penais”, o que torna esse tipo de incidente de grande valia para o alcance dos objetivos para a execução penal.

O indulto coletivo pode ser classificado em sua extensão como total ou parcial. “Na primeira hipótese acarretará a extinção das penas; na segunda, a diminuição ou substituição das sanções, quando então teremos a comutação”[8]. Também pode ser compreendido quanto à forma em condicional e incondicionado a depender de que haja condições ou não para o aperfeiçoamento do indulto, como por exemplo, a condição de não ser indiciado nem processado por crime doloso durante o período determinado pelo decreto.

Para que seja concedido, o indulto requer que sejam preenchidos alguns requisitos que podem ser objetivos, por exemplo, o cumprimento de certo tempo de pena, ou subjetivos, a exemplo da primariedade do réu. Compete ao juiz de execução e ao Ministério Público analisar essas condições.

Para que seja concedido o indulto, é necessária a condenação. Há na doutrina um intenso debate no sentido que sentença condenatória comporte ou não recurso. Mirabete[9] defende “a melhor solução é a de que está indultado o sentenciado quando a decisão tiver transitado em julgado para a acusação”, ou seja, se a sentença já transitou em julgada para a acusação, não haveria possibilidade de agravar a situação para pior.

A contrariu sensu, o STF já expressou entendimento, por meio do HC 71.691/1, de que é possível a concessão de indulto, sem que sejam vencidas as possibilidades recursais, “compete ao Juízo da Execução Penal decidir do pedido de indulto, na pendência de recursos extraordinário e especial, até porque, nessa hipótese, a prisão do réu, independentemente de sua necessidade cautelar, como é da jurisprudência dominante, constitui verdadeira execução provisória da pena”.

O indulto também beneficia condenados que se encontrem em livramento condicional ou no cumprimento de penas restritivas de direitos.

No tocante ao procedimento, o indulto coletivo é concedido por inciativa da autoridade concedente, sem a provocação do sentenciado, como dispõe a graça. Se o apenado for beneficiado pelo indulto coletivo, como leciona Renato Marcão:

“compete ao juiz a requerimento do interessado, do Ministério Público ou por iniciativa do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, providenciará seja anexada aos autos cópia do decreto, e declarará extinta a pena ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de comutação”[10].

Se a defesa não tiver requerido o indulto, o juiz deverá ouvi-la, procedendo ao mesmo em relação ao Ministério Público. O Conselho Penitenciário emitirá parecer sobre indulto e comutação de pena, exceto no caso de agravamento no estado de saúde do preso, porém, ressalta-se que

“embora não seja obrigatória a audiência do Conselho Penitenciário quando se trata de deferir benefício consequente de indulto coletivo, se o Magistrado entender que tal providência é conveniente, não se reveste de nenhuma ilegalidade, conforme aplicação do art. 70 da Lei 7.210/84”.[11]

O indulto coletivo é tradicionalmente concedido pelo Presidente da República em épocas festivas ou comemorativas, a exemplo, do natal e do dia das mães.

4 CONCLUSÃO

 

O processo penal encontra na fase dedicada à execução da pena a realização do jus puniendi estatal e da tão almejada reintegração social do condenado. Assim, o art. 1º da LEP estabelece que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

A partir desse comando, tem-se que a execução penal pode ser compreendida como o conjunto de normas e princípios cujo escopo cingir-se à efetivação da sentença penal que impõe ao condenado uma pena (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa) ou estabelece medida de segurança.

Dessa forma, em atendimento ao moderno processo penal constitucional, a execução deve se pautar sempre em face dos princípios da legalidade, do devido processo legal e constitucional, da personalidade, da isonomia, da proporcionalidade, e da humanidade, de modo a ser eficiente e garantista. 

Não menos importante é a observância aos princípios da imparcialidade, acusatório, da ampla defesa, da igualdade, e do contraditório.

Atentando, no particular, para esse capítulo do processo de execução penal, ao longo desse estudo, foi possível alcançar a compreensão das relevantes questões incidentais que ocorrem no curso da execução. 

Em primeiro lugar os referidos incidentes devem ser decididos no âmbito do Juízo da Execução Penal. Conforme se verificou no decorrer desse estudo, a competência para decidir sobre os incidentes de execução é do Juízo da Execução Penal, é o que estabelece o art. 66, III, f, da LEP.

Com efeito, os incidentes de execução irão refletir diretamente na pena ou medida de segurança imposta, uma vez que a constatação da presença de tais incidentes irá implicar em sua redução, substituição ou mesmo extinção.

Na Anistia – tem-se o ato de clemência do Poder Público que tem como efeito a extinção da punibilidade do apenado;

Já o Indulto – é o modo de extinção da punibilidade de competência do Presidente da República, sem que cessem, entretanto, todos os efeitos da condenação;

Nesse diapasão, pode-se concluir que a perfeita identificação e decisão acerca dos incidentes de execução, em especial da anistia e do indulto são de suma importância para a realização dos princípios acima descritos de modo a dar concretude ao processo penal constitucional, bem como de forma a respeitar os interesses e as garantias dos apenados, uma vez que a constatação da existência de tais incidentes pode consistir na melhoria da situação em que se encontra o apenado, podendo repercutir não apenas na redução de sua pena ou medida de segurança, mas na própria extinção de sua punibilidade. 

5 REFERÊNCIAS 

CUNHA, Rogério Sanchez. Execução Penal para Concursos (LEP) - 3a edição: Rev., amp.e atualizada. Editora JusPODIVM. Salvador. 2014. Pág. 202.

MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 10 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 12ª edição. Editora Atlas. São Paulo. 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11 ed. São Paulo: Forense, 2014.

[1] Estudante de Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Assistente Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão (ALEMA).

[2]Art. 359, CP. Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial.

[3] CUNHA, Rogério Sanchez. Execução Penal para Concursos (LEP) - 3a edição: Rev., amp.e atualizada. Editora JusPODIVM. Salvador. 2014. Pág. 202.

[4] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 12ª edição. Editora Atlas. São Paulo. 2014. Pág. 657

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. 10ª edição; revista, atualizada e ampliada. Revista dos Tribunais. São Paulo. 2013. Págs. 1077-1078

[6] AVENA, Norberto. Execução Penal Esquematizado. 1ª edição. Editora Forense. São Paulo. 2014. Pág. 347-350.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. 10ª edição; revista, atualizada e ampliada. Revista dos Tribunais. São Paulo. 2013. Págs. 1077-1078

[8] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal – 10ª edição. Revista, ampliada e atualizada. Editora Saraiva. 2012. Pág. 325.

[9] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 12ª edição. Editora Atlas. São Paulo. 2014. Pág. 567.

[10] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal – 10ª edição. Revista, ampliada e atualizada. Editora Saraiva. 2012. Págs. 326.

[11] TJSP, HC 291.360-3/2, 2ª Câm., rel. Des. Canguçu de Almeida, j. em 13-9-1999, RT, 773/570 .