Nação, minha nação. A luta contra a repressão colonial justificava-se plenamente, pois que a povo algum é dado o direito de reprimir outro povo, nem politicamente, nem economicamente, nem juridicamente, nem militarmente, nem religiosamente e nem de qualquer outra forma, mas a peleja que entre nós atiçamos em tempo algum poderemos justificá-la (nem ontem, nem hoje e nem amanhã), pois que, o que fizemos depois, tê-lo-íamos feito antes para evitar o fratricídio sangrento que a todos prejudicou; ainda assim, e apesar de tudo, nada nos impede hoje de cantar jubilosamente os efeitos positivos da paz e honrar, sem bajulação, a atitude sensata daqueles que a tornaram possível entre nós. Graças cantemos ao Senhor do universo!
A palavra "paz" não é um simples conceito imaginário ou fantasia poética, tão pouco mero silenciar dos canos mortíferos e uma consequente ataraxia que nos impele para a inactividade, não é uma obra arquitectada, edificada e acabada ou uma conquista terminada, muito pelo contrário! A paz entre os homens, é uma obra em curso e uma donzela que se vai conquistando enquanto houver vida e esperança; a paz requer acção contínua, trabalho sem repouso, sacrifício abnegado, humildade política e sobretudo, mas sobretudo mesmo, um voto de caridade de todos.
A paz interessa-nos a todos e todos devemos lutar por ela dia após dia, e torná-la também possível na vida do irmão, para algum dia não voltarmos a parvoíce de pensar em armas para resolver problemas dialécticos, aliás, não existem, penso eu, problemas que pelo diálogo não se resolvam, incluindo aqueles que nos levam às armas, Pois, arma alguma, de qualquer amplitude ou calibre que seja ela, seria capaz de fazer mal ao homem senão através do próprio homem; Portanto, ao homem só a paz no lugar da guerra seria salutar para a sua vida.
Uma sílaba apenas mas que chega a ser um dom em cujo conceito cabem infinitas possibilidades, belezas e valores que tornam compatíveis com o acto muito dos sonhos da velha humanidade. E quanto a nós, nada nos pode ser indiferente e muito menos nos passar despercebido: o alvor da paz chama-nos a uma renascença muito mais profunda do que a imaginada. Uma renascença que seja capaz de mostrar à mulher e ao homem de hoje uma direcção certa para o destino a que se dirigem: o seu antes, o seu agora e o seu depois, ou seja, de onde vieram, onde estão e para onde estão a ir. E em virtude disto contemplar as possibilidades que a paz oferece para a realização eficaz e sensata da vida. Uma vida vivida de verdade: em prol do amor, em prol do irmão e da própria nação. E esta renascença impõe-se, a priori, em relação a qualquer outra forma de renascença que ao país convida.
O "evento" paz convida a sociedade em geral a tomar consciência da prioritária necessidade de renascer o humano em todas as suas possíveis dimensões: intelectual, moral, espiritual? renascer a mulher e o homem em todas as suas dimensões valorais. E ninguém pode ser indiferente a esta necessidade humana de edificação e conservação dos seus mais sublimes valores senão aquele que continua cativo na caverna da sua própria ignorância, contemplando a sombra da realidade que lhe chega aos sentidos vazia e desprovida de razão. Pois, como todos sabemos, numa guerra não somente tombam homens e derrubam-se edifícios, como também desmoronam grandes estruturas de valores, que depois da contrição reivindicam prioridade e urgente reedificação. Por isso, é fundamental nunca esquecer, mas nunca mesmo, que por baixo dos escombros de um país destruído, haverá sempre uma mulher e um homem demolidos, ou fisicamente ou em termos concernentes aos mais sublimes valores, sejam eles morais, espirituais ou intelectuais. Consequentemente, connosco não tem sido diferente: sentimo-nos cada vez mais envolvidos numa "porrada" de degradação de tais valores dentro desta sociedade que renasce de mais de três décadas seguidas de guerra intensiva sem trégua que valesse apenas. Parece que cada vez mais é notável a queda dos valores culturais, religiosos e intelectuais que de resto são alicerces fundamentais na construção de uma sociedade saudável e benfeitora. A aculturação, resultante duma realidade estrangeira mal interpretada e mal vivida, o desrespeito pelos valores universais e tradicionais ou culturais, a não percepção do valor daquilo que é santo e digno de louvor em detrimento do profano e do indigno de reputação plausível, são sem dúvida apenas alguns exemplos consequentes desta hecatombe que tem sido a sacralização do profano e, do outro lado da moeda, a profanação do sagrado.
Quantas vezes não ouvimos no nosso quotidiano palavras como: "fala mais pra veres se não vou te partir ngala", "vou te dar um tiro e vou te assumir", " a vida é minha, eu que sei se faço o quê", " tira a porcaria do teu carro da frente do meu portão."? Quantas vezes não nos deparamos com situações em que as pessoas tomam o vulgo mata-bicho (pequeno almoço) no táxi, almoçam enquanto caminham para mais tarde jantarem nas barracas e chegarem totalmente embriagadas ao lar e dormirem, isto, se não se envolverem em briga com o cônjuge ou com os filhos, para amanhã a mesma rotina seguir? Para não falarmos dos táxis convertidos em discotecas em trânsito, das almas corrompiveis e corrompidas pelo cheiro do kwanza em detrimento da própria vida. Para não falarmos ainda do sexo sem compromisso, promíscuo, animal e hedonístico, enfim. Ver como "as bitolas levam à nganza, como as nganzas levam à ngala e a confusão ou ao sexo promíscuo" é, nada mais, nada menos senão contemplar como de um erro se chega a outro e do outro em diante, até que se chegue à degradação fatal da própria sociedade. Contudo, esforços têm sido demonstrados contra tal tendência: é preciso não esgota-los e sim perpetua-los.
É dentro desta esfera de pensamento que canto a minha poesia, esperando de todos um refrão ao "verdadeiro renascer de Angola". Um renascer que em todos seja um acto da razão, da fé, do amor, da paz. Um acto sensato, prudente e digno de louvor. E que todos trabalhemos honestamente com abnegação, audácia em prol do país, da pátria e da nação. Renascer Angola significa, na verdade, erguer ou reerguer em cada angolano e qualquer um que se entrega pela causa angolana, uma consciência intelectual, uma consciência ética e cultural e uma consciência espiritual, que levem a uma consciência social. E nenhum homem deveria considerar-se efectivamente homem se não estivesse munido de tal consciência, porque, e como disse Aristóteles, o homem é por natureza um animal político e, por consequência disso, sente-se intrinsecamente apelado e porquê não dizer mesmo, condenado a viver em sociedade.