O polêmico Projeto de Lei 227/2004 - PLS 227/04 -  em tramitação no Supremo Tribunal Federal,  propõe alterar o artigo 128 do Decreto-Lei nº 2.848 do Código Penal, permitindo o aborto em gestantes de fetos anencéfalos ou portadores de  outros tipos de anomalias idênticas e também em outros casos extremos, inclusive os que pôem em risco a vida da mãe. 

Referindo-me particularmente ao caso dos fetos sem cérebro, conforme depoimentos publicados pela medicina, geralmente os recém-nascidos portadores dessas anomalias têm apenas alguns minutos de vida, e em alguns casos chegam a viver por algumas horas. Porém existem relatos de casos em que alguns sobrevivem por bem mais tempo. Eu sequer consigo imaginar o visual de um berço onde se encontra uma criança apresentando um quadro de natureza tão terrível, nem consigo avaliar o sofrimento dos pais, por mais que eles possam aceita-la e ama-la, como afirmam. Até porque não acredito nisso.

Pergunto: essa criança existe? Existe como, e para que existe? Por que mantê-la nesse sofrimento inexprimível, se tudo poderia ser evitado? 

Com todo o respeito às opiniões contrárias, eu me posiciono no sentido de que todos têm direito à vida, desde que nasçam em plenas condições de viver. E o que eu entendo por vida é uma existência plena, completa e não a sobrevida de uma criatura semi-morta, de aspecto chocante, que só causará sofrimento e lágrimas, cujo nascimento não trouxe nenhum prazer para os pais. Uma criança anencéfala não é somente uma criança diferente, como alguns pais afirmam e querem forçosamente acreditar que ela seja, porque não é. Ela não vive, apenas vegeta. Alguns movimentos bruscos e até mesmo o esboçar de algum sorriso involuntário que às vezes acontecem, nada mais são do que simples reflexos musculares do que ela faria se pudesse viver, até porque ela está alheia a tudo que se passa a seu redor; não sente, não ouve, não vê. Uma criança descerebrada ou mesmo com o cérebro exposto e inútil e que tem vida apenas por estar ligado a alguns vasos sanguíneos, está fatalmente destinada a morrer. Mesmo que ela sequer sinta fisicamente o seu próprio sofrimento, a sua morte será apenas uma questão de tempo. Também entendo que o amor dos pais em cuidar dessa criança, trata-se apenas de compaixão e de um sentimento inconsciente de culpa e de auto-punição. Também em muitos casos há um sentimento decorrente de ideologias utópicas, fantasiosas, de origem religiosa. Podendo se evitar tanto sofrimento, por que levar-se adiante a gravidez de um feto portador de tão terrível anomalia, se ele dificilmente sobreviverá ou terá uma breve e sofrida sobrevida? Se ele pudesse, com certeza agradeceria a quem lhe poupasse antecipadamente desse sofrimento.

Eu acredito sim, que Deus nos dá vida, mas vida plena, e não aberrações. Acredito também e tenho certeza de que uma existência triste e amargurada não provém da vontade de Deus. Nesses casos, geneticamente deve ter acontecido algo errado que nós ainda não temos condições de saber a causa, mas se podemos evitar a conseqüência dessa causa, por que não faze-lo?    

Júnia - 2012