Andarilho

Nada do que acontecia à sua volta fazia sentido para ele, indiferente que se tornara a tudo e a todos. O estar em companhia de alguém não mais o interessava. Vivia num mundo a parte, sem ater-se a nada, identidade perdida que era. Passava as horas como se elas não houvessem. Mal amanhecia o dia e ele já podia ser visto caminhando apressadamente pela cidade, um meio sorriso nos lábios e um olhar indefinível, como se a procurar sabe-se lá o quê. Vez ou outra se mirava no espelho que trazia consigo, talvez para não esquecer aquele que já foi um dia. Como se possível fosse.

Foi visto pela última vez, num sábado à tarde, perambulando em direção à rodovia, tendo ao seu lado seu fiel escudeiro de todas as horas, que o seguia por onde quer que fosse.  Partiu sem dizer adeus ou até logo. Foi sabe-se lá para onde, levando apenas a si mesmo, deixando para trás todos os laços que o uniam a quem quer que fosse. Apenas foi tentar viver a vida a seu modo, talvez buscando a felicidade em outras paragens, transpondo os limites comuns do mundo partilhado.

De início houve certo estranhamento. Falava-se muito a seu respeito, teciam-se comentários, conjecturas... E só, pois o tempo discreto que é a tudo e a todos cala.

Talvez ele tenha se perdido na vida, embrenhando-se meio às suas incertezas do dia a dia, reescrevendo sua história com palavras que a ela dessem sentido, distante dos que o queriam por perto, dos que o queriam bem.

Os vínculos frágeis  que o uniam a quem o amava, romperam-se, sem que ninguém se desse conta de tal. Pouco a pouca restaram apenas sombras do passado no presente, no presente  do qual ele já não mais fazia parte, já que se fizera amigo da solidão. Em sua busca incessante do que não se sabe o quê, descomprometeu-se das regras escritas pelo homem.

O tempo passou e não mais esperaram por ele, presente que era pela ausência... Sempre. A saudade dos primeiros tempos, pouco a pouco tomou o caminho sem volta. Foi embora lacrimejante, andando sem rumo à procura de nada.

Pobre fotografia esmaecida pelo tempo nos álbuns da família, desconhecido que aos poucos se tornou lembrado apenas como alguém que passou pela vida sem parar, andarilho que se tornou.

Heloisa/ 2013