I – DOS ASPECTOS GERAIS

No dia 13 de novembro de 2015, o Governador do Ceará encaminhou à Assembleia Legislativa do Estado as Mensagens nº 7.905 e nº 7906, que acompanhavam, respectivamente,  os Projetos de Lei nº 84/2015 e nº 85/2015, onde se propôs alterações nas alíquotas dos impostos ICMS e IPVA. As propostas foram aprovadas no dia 27 deste mesmo mês.

Inicialmente, o Projeto de Lei nº 84/2015 propôs a redução das alíquotas de ICMS que oneram operações com creme dental, escova dental, fraldas, capacete para motos, protetor dianteiro e traseiro para motos, bicicletas para uso em vias públicas e desodorante para uso axilar.

Em contrapartida, o mesmo Projeto determina majoração nas alíquotas de ICMS de 17% para 28% em drones, embarcações e jet-skis (e suas partes e peças) e rodas esportivas para automóveis; de 25% para 28% em ultraleves e asa delta (e suas partes e peças), armas de fogo, artigos de tabacaria e prestação de serviço de comunicação.  Além disso, impôs a majoração em 2% das alíquotas de ICMS em gasolina e bebidas alcoólicas, elevando de 25% a 27% a tributação de ICMS incidente sobre operações realizadas com tais as mercadorias.

Por sua vez, o Projeto de Lei nº 85/2015 determinou a majoração das alíquotas de IPVA - de 2,5% para 3% - para automóveis, camionetas, caminhonetes e utilitários com potência entre 100cv e 180cv. Já para veículos com potência superior a 180cv, bem como para quaisquer embarcações, a alíquota subirá de 2,5% para 3,5%.

Quanto às motocicletas, motonetas, ciclomotores e triciclos com cilindradas de 125 a 300, majorou-se de 2% para 3%. Para veículos da mesma natureza com mais de 300 cilindradas, majorou-se a alíquota de 2% para 3,5%.

Veja o quadro comparativo das mudanças trazidas pelos projetos:

  • ICMS

REDUÇÃO DE 17% PARA 12%

REDUÇÃO DE 12% PARA 7%

AUMENTO DE 17% PARA 28%

AUMENTO DE 25% PARA 28%

AUMENTO DE 25% PARA 27%

 

Bicicletas e capacetes para ciclistas

Capacetes para motociclistas, protetores para motos, creme e escova dentais e fraldas

Drones, embarcações e jet-skis (e suas partes e peças) e rodas esportivas para automóveis

Ultraleves e asa delta (e suas partes e peças), armas de fogo, artigos de tabacaria e prestação de serviço de comunicação

Gasolina e bebidas alcoólicas

 

  • IPVA

AUMENTO DE 2,5% PARA 3%

AUMENTO DE 2,5% PARA 3,5%

AUMENTO DE 2% PARA 3,5%

AUMENTO DE 2% PARA 3%

 

Automóvel, camioneta, caminhonete e utilitário de até 180 cavalos

Automóvel, camioneta, caminhonete e utilitário acima de 180 cavalos

Ciclomotor, motoneta, mococicleta, tricilo acima de 300 cilindradas

Ciclomotor, motoneta, mococicleta, tricilo de 125 a 300 cilindradas

 

II – DAS CONSIDERAÇÕES 

II.a) A MAJORAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA COMO SOLUÇÃO PARA A PROGRESSIVA QUEDA DA ARRECADAÇÃO.

A Mensagem nº 7.905 informa há necessidade de aumento do ICMS por duas razões: a) a necessidade de compensar as perdas que o Fisco enfrentará frente às reduções de alíquota de ICMS para escova dental, fraldas, bicicletas e capacetes. b) a inevitável queda na arrecadação dos governos diante do atual cenário de crise econômica que o País atravessa.

A Mensagem nº 7.906, que trata da elevação do IPVA, apesar de não ter sugerido nenhuma redução de alíquotas que justificasse as majorações, segue a mesma tônica quanto à necessidade de elevação da carga tributária em razão da perda de receita.

Portanto, ao mesmo tempo em que as Mensagens sugerem que a receita dos governos regrediu em razão da crise econômica, sustentam a tese de que, para driblar tal regressão, seria bastante a majoração da carga tributária.

Uma análise um pouco menos apressada dos argumentos constantes das próprias Mensagens leva o leitor a notar que não é simplesmente o nível de tributação que determina a quantidade de receita obtida pelo Governo. Prova disso é o fato de que as cargas tributárias do país e do estado do Ceará não diminuíram nos últimos tempos – mas, pelo contrário, aumentaram -, logo, se os fatores “nível de carga tributária” e “nível de arrecadação” guardassem entre si uma relação de proporcionalidade direta (como contraditoriamente sugerem as Mensagens), jamais ocorreria a diminuição da arrecadação governamental. No entanto, as próprias Mensagens sugerem que a arrecadação sofreu queda, apesar de não ter caído o nível de carga tributária.

Logo, uma maior ou menor arrecadação está vinculada não ao valor que, em abstrato, cobra-se de um tributo, mas sim ao valor que os contribuintes de fato pagam. Essa parece uma conclusão óbvia e irrelevante, mas é exatamente a partir daí que se nota não ser eficaz majorar a cobrança de valores quando a meta do valor de arrecadação já não está sendo alcançado.

Pois bem. Mas seria possível que essa relação que não necessariamente é direta se tomasse inversa? Em termos práticos: seria possível que o aumento da carga tributária reduzisse a quantidade de receita obtida pelo Fisco? É precisamente nesse ponto que se faz indispensável o conhecimento das conclusões a que se chega com base na “Curva de Laffer”, um estudo do economista progressista americano Arthur Laffer, que visa demonstrar a elasticidade da receita tributável.

De modo bem simples, a Curva de Laffer calcula a relação entre carga tributária e a monta arrecadada pelo governo, partindo das seguintes premissas:

  1. Se a carga tributária for zero, a arrecadação será zero. Afinal, quando não se cobra nada, nada é recolhido ao Fisco.
  2. Se a carga tributária for de 100% das rendas obtidas pelo contribuinte, a arrecadação também será zero. Afinal, se absolutamente tudo que alguém produzir for enviado ao governo, ninguém gastará tempo produzindo (a menos que esse alguém fosse obrigado – e aí teríamos a escravidão). No caso de tributação em 100%, duas alternativas seriam possíveis: ou se pararia de produzir por total falta de interesse, ou se produziria sem o conhecimento do Fisco, forçando-se situações de informalidade. Em ambos os casos não haveria arrecadação.

Essas tendências poderiam ser graficamente representadas. Veja-se:

Pelo gráfico, percebe-se que o “ponto ótimo” para o governo, o que seria um "massacre tributário" para os contribuintes, seria o ponto “R2,t2”. Esse seria o momento do gráfico em que o governo conseguiria arrecadar uma maior quantidade de tributos. Por outro lado, se o governo elevasse a carga tributária para além do ponto “t2”, percebe-se que haveria um decréscimo na arrecadação tributária (R3,t3). Igualmente, se o governo elevasse a 100% a carga tributária, encontraríamos a Arrecadação Tributária no ponto zero. Por conseguinte, ruim para o próprio governo.

Segundo o estudo de Laffer, para a economia norteamericana, o “ponto ótimo” de tributação corresponderia a 33% do PIB. Assim, a partir do momento em que a tributação representasse mais que 33% do PIB, o governo começaria a arrecadar menos, forçando a curva em direção à arrecadação zero, conforme o gráfico.

No caso do Brasil, um país que ainda carece de muito desenvolvimento, de forma que o empreendedorismo fosse estimulado, o ponto limite com certeza está abaixo do norteamericano, no entanto, sabe-se que a carga tributária real brasileira já ultrapassa os 40% do PIB e os resultados hodiernos - e não poderiam ser outros - são a redução da arrecadação e a esterilização da economia.

Portanto, resta claro que uma análise mais apurada sobre o tema demonstra a fraqueza dos argumentos que motivaram a aprovação dos Projetos de Lei nº 84/2015 e 85/2015. O aumento da tributação apenas agravará ainda mais a crise econômica, retirando da economia dinheiro que deveria ser empregado em investimento, produção e geração de emprego.

II.b)  O ARGUMENTO DE QUE O AUMENTO DAS ALÍQUOTAS DE ICMS SERVIRIAM PARA COMPENSAR AS DESONERAÇÕES TRAZIDAS PELA MENSAGEM Nº 7.905.

Com base no texto da Mensagem nº 7.905, o aumento das alíquotas de ICMS para “drones, embarcações, jet-skis (e suas partes e peças), rodas esportivas para automóveis, ultraleves, asa delta (e suas partes e peças), armas de fogo, artigos de tabacaria, prestação de serviço de comunicação, gasolina e bebidas alcoólicas” seria necessário para compensar as reduções de alíquotas de ICMS trazidas pela mesma Mensagem para “creme dental, escova dental, fraldas e desodorante para uso axilar”.

A Mensagem, portanto, tentou passar o entendimento de que a sociedade seria onerada proporcionalmente às desonerações propostas, de modo que pouco se iria alterar a realidade tributária dos contribuintes. Além disso, informou que as desonerações aos itens listados na Mensagem ajudariam a cumprir os objetivos de persecução da saúde pública e da segurança do trânsito.

Grosso modo, o mote argumentativo apresentado pela Mensagem foi o seguinte: o governo deseja melhorar aspectos da saúde e segurança da população. Em razão disso, propõe a desoneração das alíquotas dos bens relativos a esse objetivo. Em contrapartida, dado que não se pode abrir mão de receitas em um momento de crise, seria necessária a elevação das alíquotas de outros bens como forma de compensar as receitas perdidas pela desoneração.

Claramente se trata de um argumento falso. Isso porque os bens com tributação minorada pela Lei representam parcela irrisória da arrecadação de qualquer estado-membro, principalmente quando comparada à arrecadação proveniente de bens para os quais alíquotas foram elevadas. Basta comparar o volume financeiro das operações relacionadas à venda de fraldas com as de energia elétrica, ou das operações com desodorante e aquelas com combustível.

Assim, o argumento meramente retórico do governo não possui nenhuma base fática quanto ao caráter meramente compensatório das elevações das alíquotas de ICMS.

III.c) IMPACTOS DA MAJORAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO EM ALGUNS BENS CONSIDERADOS “DE LUXO”.

Outra justificativa do governo para o aumento dos tributos está no fato de que boa parte dos produtos que estão sofrendo o gravame são de natureza supérflua, logo, a tributação somente afetaria aos mais ricos.

Entretanto, a história ensina que a maioria dos bens ou práticas hoje consideradas triviais um dia foram tidas como expressões de luxo. Banheiro dentro das casas, água encanada, água engarrafada, shampoo, calças jeans, televisão, locomoção por avião, computadores, celulares, dentre outros, já foram tidos por inacessíveis ao grande público e restritos aos mais abastados. E foi exatamente o reiterado interesse dos mais ricos por esses produtos e práticas que indicaram aos seus produtores que valeria a pena realizar mais investimentos e ampliar o público consumidor. Em 1990, apenas ricos tinham celulares. Hoje, numa casa de favela é possível encontrar um celular por cada morador. 

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