Análise interpretativa do poema "Antífona", do poeta simbolista Cruz e Souza.

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Cruz e Souza

Antífona
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes ...
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...

Antes de iniciarmos a análise interpretativa do poema "Antífona", de Cruz e Souza, retornaremos brevemente sobre o período do Simbolismo, tendo início no final do século XIX.
Esta fase literária inicia-se com a publicação em 1893, de Missal e Broquéis, do poeta João da Cruz e Souza. A linguagem simbolista se caracterizava como abstrata e sugestiva, atribuindo um certo misticismo e religiosidade as obras. Os poetas dessa época valorizavam muito os mistérios da morte e dos sonhos, carregando os textos de subjetivismo. A morte é vista como uma espécie de libertação. Os principais representantes do Simbolismo foram: Cruz e Souza e Alphonsus de Guimarães.
Segundo o dicionário da Língua Portuguesa por Evanildo Bechara, o significado da palavra antífona é indicado como: Antífona. sf. Liturgia. Versículo recitado no início e final de um salmo, e que o coro repete.
As antífonas se cantam a duas vozes, uma responde à outra, e pode ter citações das escrituras cristãs. A leitura do poema, então, deve ter a solenidade do ritual religioso, e o ritmo sagrado da música sagrada. De início será abordado um pouco sobre a estrutura do poema, em que se fundamentava gramaticalmente Cruz e Souza e suas principais características no plano temático e no plano formal.
O poema é distribuído em onze estrofes, cada estrofe com quatro versos, ou seja, em quadras. Apresenta figuras de linguagem, tais como: sinestesias ("Tudo! Vivo e nervoso e quente e forte"), aliterações (2ª estrofe) e metáforas ("... da alma do Verso, pelos versos cantem."), uma certa obsessão por brilhos ? metáfora da incompreensão e pela cor branca ? metáfora da paz e da pureza. Podemos notar aspectos noturnos do Simbolismo, herdados do Romantismo: o culto da noite, o pessimismo, a morte e etc. A preocupação formal que o aproxima dos parnasianos, como a forma lapidar, o gosto pelo soneto, o verbalismo requintado, a força das imagens. O drama da existência revela uma provável influência do filósofo alemão Schopenhauer. Cruz e Souza vivia um drama pessoal, um drama racial, um sentimento de opressão, um profundo desejo de fugir da realidade, como podemos notar nos versos "... Desejos, vibrações, ânsias, alentos / Fulvas vitórias, triunfamentos acres.." . A sua consciência girava em torno da dor de ser negro, da dor ser homem, uma poesia com investigação filosófica e com a angústia metafísica , como nota-se na penúltima estrofe "Flores negras do tédio e flores vagas /De amores vãos, tantálicos, doentios... / Fundas vermelhidões de velhas chagas / Em sangue, abertas, escorrendo em rios...". A musicalidade também estava presente na vida do poeta e o mesmo tentava aproximar a poesia da música, dando ênfase nos fonemas, trabalhando com as sinestesias. Outra característica presente nesse poema como em outros poemas, é uma predisposição para a formação de imagens através das palavras. O poeta brinca com as palavras, nos fazendo imaginá-las em nossa mente a partir da significação no contexto em que estão inseridas. Como quando o poeta inicia o poema, enfatizando as formas alvas, brancas, as formas do amor. Remetem-nos claramente ao termo Simbolismo, relacionado ao signo icônico, semiótico, símbolo e pensamento por imagem.
No plano temático apresenta características relacionadas à morte, a transcendência espiritual, a integração cósmica, o mistério, o sagrado, o conflito entre matéria e espírito, a escravidão, atenção especial por brilhos e pela cor branca, a angústia e a sublimação sexual. No plano formal, as sinestesias, imagens surpreendentes, a sonoridade das palavras (expressam desejos), a predominância de substantivos, utilização de letras maiúsculas, com a finalidade de dar um valor absoluto a certos termos.