Dentro de um método analítico aristotélico, a história de Filoctetes não poderia ser considerada um dos pontos altos das obras de Sófocles - é uma de suas obras menores, no sentido que damos a obra que mesmo sendo boa é inferior as demais do autor, ou da época.

Primeiramente, o mito é tratado de maneira simples. Vejamos primeiro o argumento: Um herói d guerra é exilado por causa de uma doença, depois é convocado para salvar os Gregos da ruína, pois apenas ele possui o arco de Héracles. O conceito aristotélico para a tragédia diz que ela não é mera imitação de homens, mas de ações e vidas (sua idéia de "ação" é um tanto imprecisa e adota outros significados em outras partes, porém neste momento diz respeito aos feitos dos homens), ou seja, a tragédia se diferencia das demais formas de poesia por imitar atos que podem ser generalizados por todo homem e que por isso pode o leitor se identificar com que lê. Todos nós até hoje sentimos piedade, amamos, sofremos com traições e com nossas oscilações interiores ? cabe ao poeta criar personagens que fizesse disto algo universal. Nesta simples idéia está a semente que pode germinar em verossimilhança, ou simplesmente gorar. No caso de Filoctetes a semente germina, mas não floresce. A temática proposta é deveras boa, pois trata de como é preciso sofrer pelo bem de outros, e mais precisamente do dever para com a pátria, que é o sentimento que movimenta as ações tanto da parte estrangeira, que seriam as pessoas que saem em busca do arco de Héracles, representadas pelo ardiloso Odisseu e Neoptólemo, filho de Aquilis, e pelo pobre Filoctetes, malfadado herói cansado das agitações da guerra e que só deseja voltar para sua terra natal, onde poderia sofrer menos com sua ferida pustulenta e morrer em paz, entre os seus, preservando a honra. Fica claro tudo isso nos primeiros diálogos quando Odisseu dá instruções a Neoptólemo para que utilize até mesmo da mentira para cooptar o exilado, e este se recusa a manchar o nome em troca de um favor de que não resultaria em qualquer prêmio pelo feito, mas Odisseu, que por todos é reconhecido por sua dissimulação, convence o filho de Aquilis de ir ter com o exilado.
Das outras características a nós apresentada por Aristóteles é a peripécia, momento em que a trama do herói muda completamente, a que parece ser mais difícil de encontrar nesta peça, por se tratar de uma obra simples, construída de maneira até mesmo relaxada ? como veremos adiante ?, e para o bom reconhecimento de todos os tópicos aristotélicos seria preciso que se tratasse de uma obra de composição perfeita, como o Édipo Rei, ou a Antigone, porém, obras de composição exímias são difíceis de encontrar, e foi para esses tipos mais bem acabados que Aristóteles disse serem as que utilizam-se de mitos complexos, pois todo o desenvolvimento dá-se de maneira que os acontecimentos da peça são todos explicados por ela mesma e a peripécia aconteceria junto ao reconhecimento. Vejamos por exemplo o caso de Édipo: o rei começa proferindo um discurso onde condena e declara caça ao impuro que habita a cidade de Tebas tornando-a amaldiçoada. Com o decorrer das investigações o ambiente em torno do rei começa a ficar pesado, todos se perguntam quem poderia ser o assassino de Laio, até que Édipo ao poucos chega à conclusão de ser ele o protagonista da antiga profecia da cidade: mataria o pai e deitar-se-ia com a mãe, causado a todos os que vejam a peça uma sensação de ansiedade sufocante. Já em Filocetetes não temos esta clareza de expressão, a reviravolta se dá no momento em que Filoctetes descobre ter sido enganado pela lábia Neoptólemo, que o convenceu de que finalmente o levaria para casa, onde poderia ser curado de sua ferida pelos Asclepíades e poderia viver bem, e na verdade está sendo levado para Tróia. Não se compara ao que passamos com Édipo, nem quando descobrimos que Antigone morreu levando a todos consigo, porque era previsível demais que isso fosse acontecer, dado que Neoptólemo nos é apresentado como sendo homem valoroso que estaria mais disposto a ter o arco de Héracles para ele próprio derrotar Troia em sua própria glória. Pode-se dizer que este momento também é o de um tipo de reconhecimento, que diz respeito ao herói reconhecer o que realmente acontece ao seu redor e tomar ciência do destino que o aguarda. Os outros reconhecimentos são mais usuais, a exemplo da chegada de Odisseu, que é reconhecido pela voz: "Ai de mim, quem é o homem, não é Odisseu que ouço?"; ou o encontro de Filoctetes com Neoptólemo: " Ai, estrangeiros\Quem sois que a esta terra, sem bom porto\nem habitada, aportaste com remo?" ? o reconhecimento aqui se dá diretamente, quando um se vê de frente ao outro. De certa forma pode-se dizer que há também uma peripécia anterior a ação do texto e que a esta é que se deve todo o desenrolar da história de Sófocles. O exílio a que foi condenado Filoctetes foi a primeira peripécia de sua vida, quando passou de herói de guerra para uma situação deplorável, tendo sua vida mudada por completo. É muito diferente de ter escolhido por não narrar a vitória de Édipo sobre a Esfinge, momento este que é de grande importância para o rei tebano mas não diz respeito a grande mudança de sua vida ? ele ainda tinha profecia a cumprir e vencer a Esfinge era apenas mais uma etapa para sua grande desgraça.
Mas nem tudo é mal na peça, há nela ótimos momentos, os quais se podem incluir a construção do caráter, principalmente no que se refere a Neoptólemo, que à princípio nos é apresentado como sendo um jovem em busca de glória, que aceitou capturar Filoctetes pelo engrandecimento que daria ao seu nome. No decorrer da peça nos vai ficando cada vez mais claro que, pelo contrário, Neoptólemo é uma pessoa de grande honra e humanidade, chegando a renunciar a missão por piedade que sente da situação humilhante em que se encontra Filoctetes, fazendo assim valer o sangue nobre de Aquilis.

O ponto que fica mais claro a inferioridade da peça em relação às outras do próprio Sófocles é ter o autor se utilizado do deus ex machina para arrematar a trama. Horácio talvez não fizesse qualquer censura pelo artifício, já que a chegada de Héracles nos parece ou inevitável, ou como plausível de que aconteça. Quando que ele aparece, já perto do fim, para convencer Filoctetes de cumprir sua verdadeira missão, já havia sido introduzido aos poucos alguns elementos que tornaram sua chegada menos abrupta e não ficasse tão deslocada a aparição do Deus. O pior efeito disso tudo é que toda a trama de desenlaça de uma vez, e como estava toda ela ainda muito apertada, a solução de enviar um deus para concluir um enredo intricado não só deixa tudo mais fácil para quem compôs ? mostrando pouco domínio do artista sobre a obra criada ? como faz com que a obra torne-se menos verossímil e perca a capacidade humanizadora da obra de arte, quando nos amplia a imaginação e a capacidade de entender que certas coisas, mesmo que não tenham acontecido conosco, são prováveis que aconteçam, tornando nossa experiência de vida mais completa através da experiência artística: o possível é plausível, disse Aristóteles. Ora, de Filoctetes poderíamos crer que a única solução para alguém tão resoluto de sua decisão seria a intervenção divina. Por mais interessante que a aparição de uma divindade grega nos pareça hoje (não se nega que este deus ex machina em particular desvalorize menos a obra agora do que em sua época) imaginemos o que seria se numa peça contemporânea o próprio Jesus Cristo, com barba e coroa de espinho, descesse a terra e dissesse aos terroristas que desistissem de explodirem-se junto aos aviões que destruíram as Torres Gêmeas. Seria motivo de riso e desconforto para cristãos e céticos.

Foi dito há pouco que poderíamos crer que assim se passou nesta peça de Sófocles, isso porque não foi bem assim que as coisas se deram. Atentemos ao seguinte: Héracles quando apareceu tentou convencer Filoctetes de que o melhor a ser fazer era cumprir sua missão. O filho de Zeus não ordenou nada, apenas sugeriu que Filocetetes se sacrificasse em vida para que em troca pudesse ter esperança de uma vida gloriosa "a partir destes sofrimentos" e que visse nele (Héracles depois de muitos serviços prestados aos homens conseguiu a graça de se tornar um deus) o exemplo de que há recompensa naquela que honra as intenções divinas. Esta passagem nos mostra muito do que seria a mentalidade gregra, ou pelo menos de sua classe intelectual, de como eles realmente foram tementes aos deuses e acreditavam poder desfrutar de um destino melhor do que o Hades ("até o Hades", diz Filocetetes em seu momento mais melancólico, quando descobre que fora enganado e perde todas as esperanças de voltar para casa ) sendo justos e honrados. É semelhante àquele diálogo de Héman e Creonte, onde o primeiro acusa o pai de estar tomando o lugar dos deuses, e que apenas aos deuses pertence o destino dos homens.

Em nenhum momento Sófocles utiliza de meios catastróficos, não há sequer violência. Há apenas o pé doente de Filoctetes, dor das dores!, que faz o pobre herói lamentar-se longamente e perder muitas vezes a esperança. Nos momentos febris conversa com o Coro de tal bela forma que não se poderia deixar de pôr como um dos momentos mais bonitos da peça. E quanto ao uso de palavras "estrangeiras", nada se pode dizer a partir de uma tradução. Levando em conta a presente edição, de fato, é bem escrito, mas não é possível dizer o que ali há de novo ou inovador a não ser que se saiba grego antigo e qual o vocabulário usual da época; mas pela tradução é de se concluir que Sófocles escreveu de forma muito mais literária à preferência de imitar a forma vulgar, mas também não deixando o texto tornar-se obscuro por um grande número de palavras pouco usadas.

Pode não ser a peça Filoctetes o melhor que já produziu Sófocles, mas é sabido que as obras primas de perfeição aristotélicas não saem às mancheias. Horácio diria para desconsideramos pequenas falhas que algumas grandes obras possuem. Aplique-se isto aos autores, para que se possa reconsiderar pequenas falhas na bibliografia de quem já esculpiu ouro.