Catiane Nascimento de Oliveira[1]

Este texto tem o objetivo de  analisar o discurso da personagem Dr. Zequinha no conto euclidiano O Advogado e o Burro Ladrão, observando a linguagem predominante e possíveis desvios da norma culta, considerada padrão pela Gramática Tradicional, assim como, análise da estrutura sintática. Para compor esta análise serão retirados alguns trechos do conto em que aparece o discurso direto da personagem analisada.

Euclides José Teixeira Neto nasceu no dia 11 de novembro de 1925, no povoado de Jenipapo, distrito de Areia (atual Ubaíra). Viveu praticamente maior parte da sua vida em Ipiaú e morreu em 05 de abril de 2000, na cidade de Salvador, conseqüência de uma parada cardíaca. Socialista, acreditava que o mundo deveria ser por essência, comunista. Prefeito da cidade de Ipiaú, Secretário da Reforma Agrária do Estado da Bahia, Secretário da Assistência Social, escritor regionalista, advogado de pé de ladeira.

Sobre sua carreira jurídica, Euclides Neto, em entrevista ao jornal A Tarde (18.02.1990), comentou: “advoguei por 40 anos e nunca para firmas ou exportadores de cacau. Sempre defendi trabalhadores rurais”.

Na produção literária, Euclides Neto, ao longo de sua vida publicou catorze obras, entre (romances e crônicas), predominantemente, tratando das desigualdades nas condições de vida entre os “senhores do cacau” e os trabalhadores rurais. Sobre a produção literária de Euclides Neto, o jornalista e poeta Elieser César, em seu livro o Romance dos excluídos : Terra e política em Euclides Neto, afirma que:

  Em toda obra de Euclides Neto [...] há essa clara intenção pedagógica, fruto da escolha ideológica do autor pelos pobres, perseguidos e humilhados: denunciar as mazelas do capitalismo (emblematizados no campo pelo latifúndio), numa crítica radical ao sistema econômico que provoca a degradação do ser humano e a exclusão social, através de uma economia de mercado que visa apenas o lucro de uma minoria e condena à fome, impondo como única saída a mais absoluta das privações a venda da força de trabalho a preço vil.  

No conto tomado como objeto de análise, nota-se a marcante presença das ideologias de Euclides Neto, sempre contribuindo para a diminuição das injustiças, feitas pelos “senhores do cacau”. Em “ O Advogado e o Burro Ladrão” o autor expressa na personagem Dr. Zequinha, a coragem e o senso de justiça, empregados pelo próprio Euclides, em defesa dos excluídos.

O conto “O Advogado e o Burro Ladrão” é uma pequena história sobre um advogado recém formado, que assumiu a defesa,  de um desafeto do homem mais importante da região, irmão do prefeito da cidade, ambos perigosos e temidos por todos. Ao vencer a causa, o inexperiente, porém, corajoso advogado, passa a conviver com o medo de ter sua vida ceifada, pela sede de vingança dos poderosos, neste contexto, sozinho em um quarto, num lugar deserto, até um simples Burro Ladrão, torna-se uma ameaça. Em razão da personagem, fazer uso do discurso, com forte poder de argumentação, qualidades indispensáveis a sua profissão, tornou-se alvo de nossa análise, desta maneira, constitui-se objeto de estudo importante, para observação de sua forma de linguagem.

BECHARA (2004), afirma que, “ entende-se por linguagem qualquer sistema de signos simbólicos empregados na intercomunicação social para expressar e comunicar idéias e sentimentos, isto é, conteúdos da consciência”

Sabe-se que a linguagem está associada a um sistema de comunicação, podendo ser de diversos tipos, verbal, não-verbal, corporal, Libras, entre outras, e está ligada a Língua que, por sua vez, representa um sistema de códigos, com regras que mantém a organização da unidade lingüística, este conjunto de regras chama-se Gramática, responsável pela norma padrão.

A Gramática tradicional, caracterizada é como um conjunto de regras, que devem ser seguidas ao pé da letra, para surtir o efeito perfeito, desconsidera as demais variedades lingüísticas, tornando-se alvo de muitos estudos.

BAGNO (2002), no livro Preconceito lingüístico, afirma que, é mito declarar que “é preciso saber gramática para falar e escrever bem”, se a declaração fosse, verdadeira, “ os gramáticos seriam grandes escritores, e os bons escritores seriam especialistas em gramática” (Bagno, 2002), por mais que o falante tenha domínio da norma padrão, certamente na fala, será diferente. Mario Perini, 1997 (apud, BAGNO, 2002, p. 63), declara que:

Quando justificamos o ensino de gramática dizendo que é para que os alunos venham escrever (ou ler, ou falar) melhor, estamos prometendo uma mercadoria que não podemos entregar. Os alunos percebem isso com bastante clareza, embora talvez não o possam explicitar; e este é um dos fatores do descrédito da disciplina entre eles. (PERINI, 1997, p.50)

Nota-se que há grandes controvérsias no que diz respeito a gramática normativa, no entanto, aprender a variante padrão é de fundamental importância, uma vez que, tornou-se um instrumento de poder e controle, capaz de romper muitas barreiras sociais, embora existam grandes contradições  na gramática normativa e consequentemente, na forma  de ensino, será através dela, que as regras gramaticais, tão cobradas na norma padrão, serão ensinadas.

A LINGUAGEM DE DR. ZEQUINHA

Os períodos são predominantemente longos, como o exemplo: “Este rapaz, quase menino, é vítima da prepotência dos poderes econômicos e político”. Ou ainda mais extensos: “O processo é uma infâmia que deveria trazer aqui o delegado, médico legista, testemunhas, inclusive o mais criminoso de todos, o promotor ali sentado”. Porém, apresenta períodos relativamente curtos: “E não adianta V. Exa. senhor promotor, mostrar suas armas”.

No discurso de Dr, Zequinha, observa-se a presença de substantivos, pronomes, adjetivos, organizados em sequência lógica, com a colocação adequada dos sujeitos e verbos. Destacaremos alguns períodos do conto para análise, observando o pronome pessoal obliquo átono. De acordo com a gramática normativa, “ os pronomes oblíquos, quando funcionam como objeto, têm a seguinte distribuição: o, a, os, as, funcionam sempre como objeto direto, me, nos, te, vos, se, variam de função, de acordo com a transitividade do verbo ao qual servem de complemento” (FERREIRA, 2003, p.556).

[...] Tornou-se sua teúda e manteúda [...]

Na oração acima, percebe-se a correta colocação do pronome pessoal obliquo “se” que de acordo com a norma padrão, “funcionam como complemento de um verbo na terceira pessoa, cujo sujeito também é da terceira pessoa” (SARMENTO, 2000, p.161)

Os pronomes pessoais obíquos o, a, os, as, são substituindos, em alguns casos, pelas formas prenominais lo, la, los, lãs, quando vêm depois de formas verbais terminadas em - r, - s, e - z, que perdem essas terminações (SARMENTO, 2000, p.162) “Mas é que, quem arquitetou essa coisa, fê-lo (fez) em uma assentada e, estando em 1951, tendia a colocar a data do ano em que se encontrava, como é normal em todos nós”. (NETO, 2001, p. 42).

“Digo-o com toda a convicção do meu juramento na Escola, que V. Exa. também prestou e se lembra, enquanto estes acusadores, se o prestaram, não se recordam.” Nesta sentença, o pronome obliquo – o, na função de objeto direto.

Dr. Zequinha faz uso de  algumas expressões do latim jurídico comuns entre os juristas: “Esta nojeira, esta cloaca, datíssima vênia, prepare-se V. Exa., meritíssimo, para levar o lenço ao nariz...”  A palavra "venia" significa "permissão", "licença", sendo um substantivo, portanto. As palavras "data" e "concessa" são formas verbais, sendo "data" originada do verbo "dare" (= dar) e "concessa" oriunda do verbo "concedere" (=conceder). Literalmente, a tradução poderia ser "sendo dada permissão" ou "sendo concedida permissão" para dizer ou fazer algo.  Estas palavras não admitem variação de grafia quando se quer fazer realce. Por exemplo, se  quer pedir muita permissão, se  quer enfatizar o pedido, deve-se utilizar "data maxima venia" ou "concessa maxima venia", jamais "datissima venia", que é considerado um erro gramatical, no latim, mas que é perfeitamente aceita na linguagem jurídica.

O uso de pronomes de tratamento, está presente ao longo da narrativa  segundo FERREIRA, (2003) “ são formas pronominais equivalentes a pronomes pessoais. Excluindo-se a forma você(s), usada no tratamento informal, todas as demais são empregadas para falar com (ou referir-se a) alguém de maneira respeitosa e formal” 

“[...] Se duvidam, peço ao Meritíssimo que todos nós, agora, acusação e defesa, acompanhados por V. Exa. nos dirijamos ao endereço indicado, para comprovar o alegado”. Neste caso, o uso dos pronomes de tratamentos, destacados são usados para juízes, portanto perfeitamente empregado, pelo Dr, Zequinha, ao reporta-se ao juiz, do conto em questão.

Uma das funções da escola, através do ensino de língua portuguesa, é oferecer ao estudante condições de dominar as estruturas (regras) da língua padrão, a fim de que, quando necessário, ele tenha condições de utilizá-la de maneira adequada e eficiente. Sendo assim, após analisarmos o discurso do Dr. Zequinha, nota-se que as regras gramaticais aplicadas na linguagem do personagem, pode ser considerada, como fruto de sua formação acadêmica, conquistada na escola, e notavelmente pelo seu esforço.

REFERENCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico – O que é, como se faz. 15 ª Ed. Loyola: São Paulo. 2002, p. 63

BECHERA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ed. rev., ampl. e atual. 14ª reimpr.-Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

FERREIRA, Mauro. Aprender e praticar gramática. Ed. renovada.- São Paulo: FTD, 2003.

NETO, Euclides. O tempo é chegado. Ilhéus: Editus, 2001 p. 37-45.

SARMENTO, Leila Lauar. Gramática em textos. 1ª Ed. São Paulo: Moderna, 2000, p. 161-163.



[1] Discente do curso de Letras Vernáculas, da UNEB, campus XXI, III semestre, turno  noturno.