ANALISE DA IMPLANTAÇÃO DE UMA PLATAFORMA DIGITAL DE VENDAS DE PRODUTOS AGROECOLOGICOS COMO FERRAMENTA PEDAGOGICA E ALTERNATIVA DE COMERCIALIZAÇÃO.

 

MODESTO, Gedeone B.1

PIRES, Sonia Aparecida de Lara Pires2

 

RESUMO

A dinâmica atual da reforma agrária infelizmente por vezes apenas assenta os indivíduos sem preocupação com a forma com a qual esses indivíduos vão produzir e se fortalecer nestes locais, por vezes a simples posse da terra não é suficiente há o grande problema da escoação dos produtos, tendo isto em vista estudantes e professores da UNEMAT – Sinop elaboram um projeto que visava sanar essa deficiência através do fomento a produção agroecologica e a Economia Solidária, além de contribuir para o processo de ensino – aprendizagem dos estudantes da escola do campo, surge então o CANTASOL, o presente projeto pretendeu avaliar os resultados obtidos pelo presente projeto discutindo sua viabilidade como ferramenta de comercialização e ferramenta pedagógica. Percebeu – se que o mesmo cumpre as duas funções de forma exemplar, e que possuí apenas alguns pontos a serem melhorados, entretanto tem em sua vantagem o fato de ser um projeto em constante construção baseando sempre na ferramenta proposta por Thiolant “Projetos educacionais devem ser sempre de construção coletiva, baseado no muro das lamentações e na arvore das possibilidades”.

 

Palavras Chave: CANTASOL, Economia Solidária, Ferramenta Pedagógica.

 

INTRODUÇÃO

 

A Amazônia norte-matogrossense é fortemente marcada pelo processo de avanço do modelo agroexportador. Concentração fundiária, desflorestamento e intensa contaminação por agrotóxicos são elementos que fazem parte da paisagem encontrada pelos trabalhadores da agricultura familiar camponesa que, atraídos por projetos como a SUDAM e SUDECO, vieram de suas regiões à procura de terra e trabalho e acabaram obrigados a se sujeitar aos ditames dos grandes empresários rurais.

Os assentamentos da Reforma Agrária não se apresentam de forma diferenciada: as famílias que ali moram ainda encontram dificuldades para produzir de forma autônoma e com boas condições de trabalho, além de enfrentarem dificuldades para garantir o escoamento de sua produção. Esses dois fatores, especialmente, obrigam estes trabalhadores a buscar empregos nas fazendas, armazéns e outros espaços do agronegócio, que circundam os assentamentos, ou a submeterem a venda de seus produtos aos atravessadores, que compram os produtos da agricultura familiar por valores muito abaixo do mercado e os revendem, na cidade, obtendo consideráveis lucros sobre o trabalho dessas famílias.

Nesse sentido, é importante a busca por modalidades para a organização destes trabalhadores, alternativas ao modelo produtivo hegemônico, e a criação de possibilidades concretas de superação destas relações expropriadoras e garantindo as condições adequadas para a permanência dos camponeses em suas terras. Buscando conceitos e experiências de Associativismo, Cooperativismo e Economia Solidária que contribuam para a organização da comunidade em torno de suas instituições.

Além do escoamento da produção, parte das famílias residentes no assentamento possuem filhos em idade escolar estes reclamam da falta de correlação entre os assuntos tratados na escola, e os assuntos vivenciados na prática pelos filhos na propriedade dos pais essa desconexão faz com que os estudantes apresentem pouco se não nenhum interesse nos temas tratados pela escola formal se distanciando assim do ensino. Freire (1992) ressalta que é preciso que a escola se adeque a realidade do educando e não o oposto, as considerações que o mesmo faz a respeito da educação de jovens e adultos, se encaixam perfeitamente na dinâmica vivenciada pela escola do campo, pois os estudantes da escola também vivenciam uma realidade que extrapola os muros da escola e deve ser aproveitada em seu processo de ensino – aprendizagem.

O presente trabalho busca analisar a atuação do Sistema Canteiros de Comercialização Sociossolidária Agroecológica – CANTASOL, na Escola Estadual do Campo Florestan Fernandes, sediada no Assentamento 12 de Outubro, região de Cláudia/MT, no sentido de promover a comercialização de gêneros agrícolas, oriundos das famílias assentadas, diretamente aos consumidores, além de possibilitar uma excelente ferramenta pedagógica no processo de ensino aprendizagem dos educandos do ensino básico.

 

MATERIAS E MÉTODOS

A realização do presente trabalho se deu através de pesquisa qualitativa e quantitativa através de entrevistas com as famílias produtoras, professores da escola Florestan Fernandez, estudantes e os grupos de trabalhos responsáveis pelo gerenciamento do sistema de vendas. Realizou – se também uma analise do fluxo de vendas do sistema ao longo do ano de 2016 levando em conta variações sazonais que influíram na produção, em posse dos dados de venda foram elaborados tabelas e gráficos para posterior analise e melhor apresentação dos resultados.

Durante a elaboração do presente trabalho procurou – se estabelecer uma abordagem de observador não influindo assim na dinâmica já estabelecida pelo grupo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

O Sistema Canteiros de Comercialização Sociossolidária Agroecológica (CANTASOL) é uma ação extensionista do Projeto Canteiros de Sabores e Saberes, da UNEMAT, campus de Sinop. Em atividade desde 2012, promove a comercialização direta de produtos da agricultura familiar camponesa, oriundos de assentamentos da Reforma Agrária na região de Cláudia/MT. Recentemente, firmou-se uma parceria com o Projeto Miscelânea: saúde e cidadania, da UFMT, campus de Sinop, buscando estreitar os laços institucionais por meio de qualificação das atividades já desenvolvidas, em especial nos campos da saúde coletiva e das ciências agrárias, ambos deficitários nos quadros da UNEMAT. Desta maneira, tem-se ofertados novos campos de pesquisa e atuação para os estudantes e pesquisadores destas áreas, proporcionando a vivência de situações concretas para a aprendizagem. Tendo como fundamento as concepções epistemológicas e metodológicas da Pesquisa-Ação (Thiollent) e Pesquisa-Participante (Brandão), aliadas à arquitetura de Projetos de Aprendizagem, busca-se consolidar a Extensão Universitária como instrumento para a transformação efetiva da realidade, não apenas no sentido de transformar essa realidade para a comunidade implicada, mas na promoção de condições para a reprodução de outros valores – opostos àqueles valorizados pelo modelo produtivo hegemônico – junto aos professores, estudantes secundaristas e universitários, além dos produtores e toda a comunidade ligada à Escola do Campo.

Nos quase três anos de vendas, o CANTASOL vem se consolidando como alternativa para o escoamento da produção das famílias assentadas, além de garantir, a preços justos, o acesso a produtos livres de agrotóxicos e insumos sintéticos aos trabalhadores urbanos.

Na observação realizada para o desenvolvimento do presente trabalho pode – se constatar que a plataforma online de vendas trata – se de um sistema (tecnologicamente falando) bastante simples, segundo os envolvidos no projeta a mesma é baseada na plataforma do sistema SISCOS (sistema de comércio solidário) projeto do IOV (Instituto Ouro Verde) desenvolvido no município de Alta Floresta – MT desde 2010.

Abaixo podemos observar algumas fotos que demonstram o funcionamento do sistema:

Foto 1: Página Inicial do sistema, Fonte acervo pessoal do autor

 

            Como podemos observar a pagina inicial apresenta a possibilidade de já acessar o sistema ou no caso de primeira visita se cadastrar, já nesse instante começa as possibilidades de utilização do sistema como ferramenta pedagógica, ao se cadastrar os dados do futuro consumidor vão para um banco de dados que acessado pela equipe da escola juntamente com os estudantes através da inclusão digital os estudantes são incentivados a colaborar com o projeto realizando o cadastro dos novos consumidores.

            No caso de consumidores já cadastrados o mesmo terá acesso a seguinte página:

Foto 2: Interação entre consumidores e equipe através da plataforma virtual. Fonte: Acervo Pessoal do autor.

 

                Esse espaço possibilita que os consumidores entrem em contato com a equipe de trabalho e com os produtos, fazendo sugestões, perguntas e criticas a interatividade aqui é mantida pelos estudantes da escola que tem a responsabilidade de responder todos os comentários, é interessante visualizar como os professores de língua Portuguesa utilizam do mesmo como ferramenta de incentivo a leitura e escrita. Percebe – se então que de forma lúdica e atrativa, pois os mesmos estão discorrendo sobre os produtos que muitas vezes ajudam a produzir os estudantes vão prosseguindo no currículo escolar.

           

Foto 3: Espaço destinado a seleção dos produtos. Fonte: Acervo Pessoal do Autor

 

            A imagem acima demonstra o espaço reservado para a seleção dos produtos, as crianças das famílias participantes recebem na escola uma planilha, que devem preencher junto aos pais essa planilha indica quais os produtos e em que quantidade estes produtos serão ofertados na semana, os estudantes das seres iniciais são responsáveis pelo preenchimento das planilhas, e os estudantes das seres mais avançadas pela alimentação do site. Mais uma vez percebe – se um estimulo a leitura e escrita, já na escola esses estudantes junto com os professores preenchem o preço de cada produto levando em conta o preço individual fornecido pelos pais e a formação de kits para a venda pela equipe de trabalho (1/2 kg de mandioca R$ 1 real, entretanto se comercializa apenas o Kg inteiro) percebam então que as operações matemáticas podem ser facilmente estudadas utilizando o momento de preenchimento das planilhas com o preço adequado.

Foto 4. Entrega dos produtos pelos produtores no ponto de entrega na cidade. Fonte: Acervo Pessoal do autor.

É interessante que se destaque duas situações na foto acima, 1º após selecionar os produtos e fechar a sacola o consumidor é informado que deve retirar seus produtos na quarta – feira no campus da UFMT e/ou UNEMAT (dependendo do cadastro prévio do consumidor onde o mesmo faz a opção do local) no horário das 16:00 ás 18:30, neste dia os próprios produtores vem a cidade para entrega dos produtos propiciando assim outra canal de comunicação entre os consumidores e produtores; 2º os estudantes fazem um rodízio, para a definição de quais acompanharam a entrega naquelas semana (devida a logística de transporte) e no momento da entrega os mesmos são responsáveis pela conferencia da cesta de compras e pelo recebimento, assim como no retorno ao assentamento são responsáveis pela partilha entre os produtores.

Em relação as vendas propriamente ditas os gráficos e tabelas abaixo ilustram a evolução das vendas ao longo dos três anos de implantação do projeto.

Gráfico 1 – Evolução das Vendas. Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados fornecidos pela equipe do projeto.

 

No gráfico acima é demonstrado a média das vendas semanais ao longo do 1º, 2º e 3º semestre do ano nos anos de 2014, 2015 e 2016, apesar do projeto ter se iniciado no ano de 2013 ao longo do respectivo ano foram realizados apenas oficinas com os produtores e professores afim de se construir coletivamente a estratégia de trabalho.

Pode – se perceber que em todos os anos as vendas apresentam uma queda relevante no segundo trimestre fato este muito provavelmente decorrente do menor fornecimento de produtos devido a época acentuada de chuvas, percebe –se também uma queda vertiginosa no segundo trimestre no ano de 2016 se supõe que a queda foi ocasionada pela greve ocorrida nas duas universidades onde ocorre a entrega dos produtos, o esvaziamento do campus sem dúvida contribui para o decréscimo das vendas já que boa parte dos consumidores pertencem a comunidade acadêmica das duas IES.

Foto 5. Aviso por email. Fonte: Acervo pessoal do autor

 

Acima vemos a imagem de uma mensagem enviada a todos os consumidores via email cadastrado no final do mês de novembro de cada ano, devido às férias escolares na escola onde o projeto é realizado a entrega dos produtos é interrompida retornando apenas no outro ano. Nas entrevistas com os docentes da escola todos 6 entrevistados revelaram que após a implantação do projeto os estudantes participantes de demonstraram mais atentos e interessados na vivência escolar, o projeto despertou também nestes estudantes o anseio de continuar os estudantes em áreas que possam vir a contribuir para a continuação e expansão do projeto, sendo que no ano de 2017 teremos 4 ex estudantes participantes ingressantes no ensino superior em universidades públicas nos curso de Sistema de Informação, Ciências Contábeis, Agronomia e Pedagogia. Ao ser perguntada sobre sua avaliação do projeto a atual coordenadora da escola professora Maria Tereza deu a seguinte resposta:

Pra mim é um orgulho imenso poder dizer que participei desse projeto desde seu inicio, meu trabalho de final de curso foi o cantasol me formei em educação no campo na unemat trabalhando a alfabetizando das crianças através das planilhas de compra do cantasol, agora estou vendo o meu filho que participou do cantasol nos últimos anos do ensino médio ingressar na universidade para cursar agronomia com o objetivo de retornar ao assentamento, esta pra mim é uma das maiores conquistas ver os nossos jovens desistindo do êxodo e permanecendo no assentamento.

           

Em entrevista com o senhor José Adalberto carinhosamente chamado por todos de Seu Maringá o mesmo ao ser perguntado a respeito da mudança que o cantasol trouxe, respondeu da seguinte forma:

Tinha muita coisa aqui no sítio que a gente não vendia, porque como a gente não usa veneno, as coisas não fica tão bonita como as que vende no mercado, sabe elas não fica assim do mesmo tamanho nem tão verdinha então não tinha pra quem vender e ai com o cantasol a gente passou a vender e ajudou a trazer mais um dinheiro pra pagar as contas no fim do mês, teve também as coisas que eu nem sabia que dava pra vender e agora eu vendo, é que assim eu tinha pouco sabe mais os meninos do projeto falou pra mim porque o senhor não vende, pode vender o pouco mesmo, tudo que o senhor não for consumir o senhor pode vender, ai agora eu vendo acerola e caju quem diria e esse dinheirinho da pra comprar o material dos menino.

 

Até o encerramento da pesquisa realizada para o presente trabalho o projeto possibilitou a elaboração de 4 TCCs por estudantes do curso de pedagogia do campo (moradores do próprio assentamento) 4 TCCs de estudantes dos cursos de economia e administração da UNEMAT, campus Sinop e encontram – se em desenvolvimento 1 TCC do curso de Administração – UNEMAT, 1 TCC do curso de Medicina Veterinária – UFMT, 1 TCC do curso de nutrição FASSIPE.

Nota – se então que o mesmo vem contribuindo como ferramenta pedagógica também no ensino superior, auxiliando no cumprimento do tripé educacional e no pagamento da dívida que a universidade pública tem com a sociedade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O sistema de vendas online mostra-se consolidado como ferramenta efetiva para divulgação e organização do escoamento da produção das famílias, aliado à ampla divulgação nas mídias sociais. Neste sentido, a capacitação para o desenvolvimento destas atividades desponta como oportunidade importante para a inclusão digital dos estudantes e produtores do Assentamento. Observa-se avanços na consolidação da proposta de geração de autonomia ao grupo implicado, como a criação de um grupo gestor, formado pelos estudantes e produtores, sob orientação dos universitários e professores da Escola. Tem-se, também, significativa ampliação da produção de alimentos agroecológicos com a realização de oficinas de capacitação em tecnologias produtivas pelos estudantes das ciências agrárias, confirmando a proposta de difusão da Agroecologia como alternativa para produção de alimentos saudáveis, vinculada às discussões acerca dos riscos na utilização dos agrotóxicos, demonstrados por inúmeros pesquisadores dentre eles João Piguinatti.

Quanto a ferramenta pedagógica é nítido a contribuição que o mesmo trouxe as salas de aula, despertando o interesse dos estudantes através da inclusão digital e trazendo os conteúdos dos currículos programáticos para mais perto da realidade destes estudantes.

Ao final da elaboração do presente trabalho fui informado de que a equipe do projeto foi convidada pela prefeitura do município vizinho a pensar a aplicação do mesmo com os produtores através de uma parceria com a secretaria de agricultura e de educação, sendo assim não há como não encerrar o presente trabalho com a conclusão de que a iniciativa cumpriu a meta a que se propôs e têm tudo para alçar maiores voos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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BRANDÃO, C. R. Pesquisa Participante. 5. ed. Nacional: Brasiliense, 1990.

MARX, K. A Mercadoria. In: ______. O Capital: crítica da Economia Política. – Volume 1 – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

 

PEREIRA, D. J. R. Canteiros de Sabores e Saberes. Projeto de Extensão Universitária- Departamento de Matemática da Universidade do Estado de Mato Grosso, 2011.

 

PERIPOLLI, O J. Expansão do Capitalismo na Amazônia Norte Mato-Grossense: a mercantilização da terra e da escola. FAED: UFRGS, 2009.

 

SINGER, P. I.; SOUZA, A. R. A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. 2. Ed. São Paulo: Contexto, 2003.

 

THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. – 7ª ed. – São Paulo: Cortez, 1996.

 

Werner, I.; SATO, M. (Orgs.). Relatório dos Direitos Humanos e da Terra: Mato Grosso 2015. Cuiabá: Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso, 2015.

 

ZART, L. L. Socioeconomia Solidária. – Volume 2, Número 1 – Cáceres: UNEMAT, 2013