ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A INTRODUÇÃO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR- BNCC

João Paulo Nogueira de Souza

1       INTRODUÇÃO

            O presente texto faz uma análise crítica da introdução da Base Nacional Comum Curricular, criada nos últimos anos com o propósito de unificar o ensino nas diversas regiões do país. Com isso faremos uma análise de como esse documento poderá contribuir para a melhoria da qualidade da educação e onde e como deixa a desejar nos seus objetivos.

           Ao longo dos últimos anos muito tem se discutido sobre a necessidade de mudanças no currículo escolar, buscando resolver problemas de aprendizagem, sobretudo no que diz respeito a fragmentação dos conteúdos dentro de suas respectivas disciplinas, o que denota uma separação das áreas, como se não dependessem umas das outras e que o conhecimento fosse único de cada disciplina.

         Dessa forma, quando se pensou na Base Nacional Comum Curricular, a ideia foi deixar de lado essa fragmentação e tornar o currículo escolar algo transdisciplinar e interdisciplinar, favorecendo assim a aquisição do aprendizado pelos estudantes. Contudo, o que se vê ao realizar uma leitura minuciosa e crítica desse documento que foi criado com participação intensa da população, o que se nota ainda é que se trata de um ideal imaginário, principalmente quando se compara com o cenário real em que estamos inserido, quando, assim como em muitos outros documentos educacionais, como a Lei de Diretrizes e Bases- LDB, a BNCC fala, logo em suas primeiras linhas em princípios norteadores, como éticos, políticos e estéticos, além de tratar de formação humana integral e construção de uma sociedade justa e solidária, além de continuar favorecendo a homogeneização dos conteúdos, o que desrespeita o multiculturalismo e as diversidades existentes nas escolas.

            Há quem diga que os pensamentos supracitados e que constam na nova Base Curricular são importantes e demonstram o desejo da grande massa da população, porém o que a prática, seja educacional, seja política, seja social tem demonstrado o contrário, quando vemos situações de desrespeito e injustiça e, além do mais, quando esses atos partem daqueles que deveriam garantir os nossos direitos. Mesmo assim, existe os que dizem que estamos falando de uma educação futura, uma vez que a BNCC ainda não se tornou realidade, mas faz parte de um projeto para os próximos anos e, nesse caso, a única coisa que nos resta é torcer para que não seja apenas mais uma política educacional fracassada e relâmpago.

            Outro ponto que merece destaque no texto que introduz esse documento tão importante é que além do cunho pedagógico, é presente também a parte administrativa e financeira da educação. Nesse ponto, fica também a reflexão de como será essa oferta financeira, se o que vemos é uma educação pública sofrida e com pouquíssimos investimentos, que ainda por cima, sofre com a desvalorização profissional e a falta de credibilidade pelos resultados das avaliações externas. Novamente faz-se necessário uma auto avaliação sobre a responsabilidade do documento, pois quando cita que os investimentos oferecidos servirão para que o país consiga atingir o pleno desenvolvimento da educação está se falando de algo que está anos-luz de distância do que se tem no cenário atual.

            A Base Nacional, surge como tentativa de salvar uma educação pública “falida” e, como os autores do documento citaram em suas primeiras linhas da introdução, também esperamos que ela cumpra com seu papel e seja balizadora da educação, pois ninguém é tão sabedor da necessidade de mudanças no panorama atual do que quem está no chão das escolas, sem estrutura, sem apoio, servindo de cobaias para políticas públicas mal planejadas e sem sequência, talvez por isso um pouco de dúvidas sobre sua eficácia.

 

2 OS MARCOS LEGAIS QUE EMBASAM A BNCC

           

            Assim como tantos outros documentos que regeram e regem a educação a BNCC tem como elementos norteadores documentos maiores do país como as Diretrizes Curriculares, a LDB e a Constituição Federal, lei maior da nossa nação. Aí já se encontra outro grande problema, uma vez que estamos falando de leis que em sua teoria são belíssimas, mas que não são cumpridas como deveria ser.

            Como forma de compreender o fato do descumprimento dessas leis basta lembrar que a CF diz que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, fato esse que já merece análise, já que muitas vezes o Estado se omite de sua responsabilidade quando superlota salas de aula, não oferecendo estrutura de trabalho aos professores, quando não valoriza o trabalho docente, já a família por sua vez tem se eximido quase que em sua totalidade de suas obrigações com a educação das crianças e adolescentes, transferindo à escola o que seria de sua incumbência. Com tudo isso, o que se tem como consequência é a baixa qualidade do ensino e os diversos problemas que enfrentamos no interior das instituições, o que distancia ainda mais do que a Constituição chama de desenvolvimento pleno da pessoa.

                 Assim como a Constituição Federal, a LDB também orienta para a criação de uma Base Comum que possa integrar as três esferas, ou seja, federal, estadual e municipal, e isso já tem mais de 20 anos que está no papel, contudo, somente agora está começando a se concretizar, o que demonstra a vagarosidade das leis em nosso país e a importância que é dada a educação.

            Tendo como parâmetros essas leis maiores, a BNCC traz à tona um novo conceito, quando fala de aprendizagens essenciais, ou seja, do que a criança precisa aprender naquele ano/série em que se encontra, levando em conta ainda a idade e a relevância desse aprendizado para que outros possam surgir. Esse conceito segue a linha de que a escola deve está integrada com a realidade local e regional, assim como trabalhar os problemas sociais e ambientais da comunidade onde está inserida. E não pode deixar de ser feito outra crítica a esse trecho que acaba de ser escrito, quando se percebe que a escola ainda está longe de trabalhar a própria realidade em que ela vive, quando se preocupa mais com situações que nem ela mesma conhece com propriedade, situação essa que se torna fator complicante da aprendizagem dos discentes.

            Inserido nesse turbilhão de documentos oficiais e tendo esses como fonte de estudos, a BNCC fala da necessidade de se ter uma unidade nos conteúdos trabalhados em todo país, com vista a obter estratégias que melhore a qualidade do ensino, contudo, peca quando não cita quais estratégias seriam essas para que os professores pudessem utilizá-las em seu dia a dia, assim como comete um erro enorme quando desconsidera as peculiaridades de cada região e assim como em muitos documentos anteriores perpetua uma visão elitista e dominante da população. Corre-se o risco então, de mais uma vez aqueles que mais precisam de oportunidades de melhoria serem excluídos do sistema.

 

3 A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O PACTO INTERFEDERATIVO

 

3.1 Base nacional comum: igualdade e equidade

 

           Nesse contexto, a BNCC trata da “acentuada” diversidade existente em nosso país, o que já merece uma análise crítica, considerando-se que somos um país de grande e não acentuada diversidade, basta analisar a imensidão de crianças e jovens que estão dentro das escolas que pertencem diferentes a etnias, religiões, gêneros, situação sócio-econômica, estrutura familiar. Nesse mesmo pensamento, a base fala da busca por equidade na educação, que necessita de currículos diferenciados.

               É necessário, no entanto que se saiba a relação entre diversidade e diferença, já que essas palavras não são sinônimas, mas se inter-relacionam, assim como diferenciar equidade de igualdade, sobretudo porque muitas pessoas confundem esses dois termos, enquanto que, quando se fala em educação eles devem ser entendidos de formas diferentes, já que em muitos casos tratar de forma “igual”, ou seja, padronizar um único currículo a todos, na maioria das vezes não significa tratar com equidade, ou seja, respeitando o modo de ser e agir de todos.

             Tendo como norteadora a LDB de 1996, a nova base reafirma o desejo de que o estudante tenha oportunidades iguais de ingressar, permanecer e aprender nas escolas, estabelecendo um patamar de aprendizagem e desenvolvimento a que todos tenham direito. Ao se ler esse trecho, é preciso que se pergunte como isso será possível, se o que se tem na prática é que essa garantia já vem estendida desde a criação da LDB e o que ainda se tem é um grande número de crianças e jovens fora da escola e mais grave ainda que isso, um enorme aglomerado de alunos que estão inseridos nas instituições escolares, mas que não aprendem, seja por que não são oferecidas condições para que isso aconteça, seja porque o próprio aluno não tem encontrado na escola algo que desperte seu interesse, nesse caso, mais uma vez vemos a teoria muito distante da prática.

              Na busca por essa igualdade tão almejada na BNCC, é frisada com ênfase a contrapartida das Secretarias de Educação dos Estados e Municípios, aumentando a responsabilidade dos entes federativos, que, seja por falta de condições ou por incompetência já não conseguem cumprir sequer as que já são de sua alçada. Dessa forma, quando se descentraliza as ações, se de uma forma garante a participação de uma maior parcela, por outro tira a responsabilidade de quem realmente deveria ter.

           

3.2 A Base Nacional Comum Curricular, os currículos e o regime de colaboração

 

               Antes de adentrar o universo da relação entre a BNCC e os currículos trabalhados nas escolas é preciso que se compreenda o currículo como o processo de caminhada da instituição, estando esse presente em cada parte desse caminho e não somente como ponto de partida como muitos imaginam. É importante também perceber que o currículo não é e nem pode ser algo neutro, uma vez que depende de outros fatores, inclusive externos aos muros da escola, sendo necessário assim levar em conta o currículo oculto, tão relevante no que diz respeito a dinâmica da aula.

             O texto analisado fala identificação que existe entre a BNCC e os currículos através da comunhão de princípios e valores. Basta saber que princípios e valores são esses e para quais alunos eles se destinam, se a sua maioria ou se apenas uma pequena parte, que por natureza já é favorecida. Outro ponto que merece destaque é a complementariedade da base com o currículo com vista a assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da educação. Mais como saber o que é essencial, se cada ser humano é diferente e pensa de forma única, portanto, há de se conscientizar de que o que é essencial para alguns pode não ser para outros. É urgente também que se reflita que se o aluno não aprender o que é essencial para um determinado ano/série, poderá ter problema para adquirir os conhecimentos nos anos posteriores, fato que nem sempre é levado em conta nos documentos que formam o chamado currículo formal, que corresponde aos documentos oficiais que regem a educação.  

             Merece destaque também o que a base traz sobre a sua relação com os currículos, trabalhando de forma interdisciplinar e contextualizada, ou seja, diminuindo a fragmentação que há entre as disciplinas e fazendo com que o conteúdo seja visto de uma forma mais global, relacionando os assuntos abordados em sala de aula com o cotidiano do estudante, tornando-o significativo. Concordando com as ideias apresentadas no parágrafo acima, vê-se como fundamental que isso realmente ocorra e que traga os resultados esperado, contudo, deixando em alerta que para que isso realmente seja colocado em prática é necessário uma atualização por parte dos professores, já que muitos se resumem a estudar sua área específica, assim como planejar melhor suas aulas, de modo que a transposição dos conteúdos seja feita de forma a alcançar os alunos.

 

4 OS FUNDAMENTOS PEDAGÓGICOS DA BNCC

 

4.1 Os conteúdos curriculares a serviço do desenvolvimento de competências e o compromisso com a Educação Integral

 

            O texto que apresenta o subtema acima tem seu inicio tratando do que a LDB chama de aplicabilidade do conhecimento, que demonstram se os resultados foram satisfatórios ou não, o que denominamos de competências. Esse talvez seja o grande desafio da educação, quando vemos que a grande maioria dos estudantes concluem os ciclos de ensino sem a mínima competência necessária para sua idade.

            Para tentar minimizar esse problema, estados e municípios precisam e muitos já começaram a fazer, a criação de currículos voltados para essas competências, fato esse que é um dos propósitos da BNCC. O grande empasse disso tudo é que os professores e gestores já tem consciência de que muitos alunos são aprovados em suas respectivas séries sem o domínio das competências necessárias a ele, contudo, o que lhes falta é suporte para entrar reverter essa situação, como maior apoio pedagógico e financeiro, assim como auxílio na tentativa de conter os fatores externos que impedem que os alunos aprendam, como indisciplina, ausência da família, despreparo profissional, dentre tantos outros.

            Muito tem se falado hoje sobre o que aprender e para que apender, a questão é que não parte do aluno o que aprender e muitos não compreendem para que aprender, uma vez que as propostas educacionais vêm de “cima para baixo”, muitas vezes criadas por quem nunca adentrou o piso da sala de aula ou copiadas de outros países. Outra reflexão que aqui se faz, é se esse “o que aprender” se destina aquele jovem que já tem a competência necessária, tratando-se de uma pequena minoria, ou é algo voltado para a grande maioria, que aprende com dificuldade e ainda não vê nos estudos uma saída para mudar sua vida.

                Tem se falado também na necessidade de aprender a aprender, uma vez que muitos dos conhecimentos que a escola repassava a seus alunos até poucos anos hoje são considerados ultrapassados e desnecessários. É urgente que as instituições educacionais trabalhem as tecnologias voltadas para educação, assim como a educação em tempo integral.

            E por si falar em educação em tempo integral, segue aqui uma crítica as famosas escolas prossionalizantes, programa de educação do Estado do Ceará e que tem servido de referência para o restante do país. Esse programa, que é um dos primeiros impulsos da escola de tempo integral, também defendido por essa base, além de fazer um retorno ao ensino tecnicista, ainda promove a exclusão quando faz uma seleção por notas, selecionando apenas aqueles alunos com competências mais desenvolvidas e deixando a margem quem precisa mais ainda de oportunidades de uma educação holística e voltada para a formação integral.

            O que resta é torcer para que a BNCC não seja apenas mais uma proposta sem planejamento e que faça professores e alunos de cobaias, que não seja apenas mais uma experiência falida, mas que represente uma verdadeira mudança no panorama educacional.