RESENHA DO ARTIGO DE CIPRIANO LUCKESI

VERIFICAÇÃO OU AVALIAÇÃO:

O QUE PRATICA A ESCOLA?

Cipriano Luckesi inicia seu artigo com uma observação fundamental: a avaliação escolar tem sentido desde que articulada com um projeto pedagógico e este, por sua vez, com um projeto de ensino. Assim, essa linha leva à priorização do desenvolvimento do aluno – a avaliação deve servir de base para se tomar decisões que ajudem a construir conhecimentos, habilidades e hábitos com e nos educandos.

O artigo mostra, então, uma abordagem crítica sobre os conceitos de verificação e avaliação, com o objetivo de expor os elementos do movimento real na prática escolar. Isto para quê? Para tentar responder se há verificação ou avaliação escolar e, consequentemente, para propor alternativas de prática dos professores, de forma a facilitar o processo de ensino.

O aproveitamento escolar, em geral, é medido tomando-se por base três procedimentos sucessivos:

1. Medida do aproveitamento escolar – os professores usam o acerto de uma questão como padrão de medida do resultado da aprendizagem. Essa medida consiste na contagem das respostas corretas que o aluno deu acerca de certo conteúdo de aprendizagem. Normalmente, esses acertos são transformados em pontos. O autor observa que, qualquer que seja a forma de medir, se precária ou sofisticada, ela não deixa de ser necessária. Ela é o ponto de partida para que o professor possa prosseguir em sua tentativa de aferir a aprendizagem.

2. Transformação da medida em nota ou conceito - Este é o segundo passo do professor. A medida transforma-se em nota (conotação numérica) ou conceito (conotação verbal). Isso é feito de forma simples. Por meio do estabelecimento de uma equivalência entre os acertos e a escala de notas ou conceitos. Ex: 10 pontos equivalem à nota dez, ou ao conceito A. Essas notas ou conceitos procuram expressar a qualidade que se atribui à aprendizagem do educando. Ao final de um período de tempo (bimestre, semestre), essas notas ou conceitos são transformadas em uma nota média, que pode ser calculada de forma simples ou ponderada. O autor comenta que há, aqui, uma transposição indevida de qualidade para quantidade.

3. Utilização dos resultados – Este é o terceiro passo do processo de aferir aprendizagem. O professor pode simplesmente registrar o resultado; oferecer ao aluno uma oportunidade de melhorar a nota/conceito; ficar atento às dificuldades e desvios de aprendizagem para, junto com os alunos, ajudá-los para que aprendam o que necessitam, construindo, de forma efetiva, os resultados necessários da aprendizagem. A orientação que, em geral, é dada, consiste em alertar o aluno para que ele melhore a nota, mas não para que ele aprenda de forma melhor. Não é a nota que deve ser enfatizada. Na concepção do autor, essa ênfase na nota é um desvio da ação do professor, que deve ser focada na aprendizagem do aluno, não em uma “nota”. Ele ainda alerta que os professores preocupam-se com aprovação ou reprovação, mas não com o estímulo para que aja uma aprendizagem consistente. A aferição da aprendizagem escolar é usada para classificar alunos, não para ajudá-los a, realmente, aprender.

Dessa forma, com base nesses comentários apresentados, o autor raciocina que a escola atua com verificação (ver se tal coisa é verdadeira, por meio de um processo de observação, obtenção, análise e síntese dos dados), não com avaliação (atribuição de um valor ou qualidade a algo) da aprendizagem. Aqui, cabem algumas considerações: a verificação significa ver/constatar – e pronto. Já a avaliação é algo que vai além, não termina na configuração do valor ou qualidade que foi atribuído a algo; a avaliação exige um posicionamento do avaliador e, consequentemente, exige uma ação. A avaliação exige que haja uma ação sobre o que fazer com o avaliado.

Poucos professores têm essa visão de avaliação do processo de aprendizagem; essa visão de aferição como um processo de compreensão de avanços, limites e dificuldades do aluno. O domínio da verificação nos processos de aferição da aprendizagem conduz a uma atitude de medo, por parte dos alunos, por causa de ameaça contínua de reprovação. A verificação torna o processo de aprendizagem em algo estático; enquanto a avaliação acompanha o dinamismo que é o cerne do processo.

Após essas considerações, o autor apresenta algumas sugestões sobre como pode ser a conduta do professor que deseje, realmente, aferir o aprendizado e contribuir para o processo de desenvolvimento do aluno. O professor deve procurar coletar, analisar e sintetizar, de forma mais objetiva possível, as manifestações dos alunos; depois, deve qualificar essa aprendizagem, tomando por base um padrão preestabelecido e aceito pela comunidade dos educadores e especialistas no conteúdo dado; e, então, decidir sobre as condutas que devem ser tomadas, para: reorientar a aprendizagem (se necessário) ou ir adiante com os que atingiram um grau satisfatório de aprendizado.

O autor comenta, ainda, que a seu ver não deveria haver notas. Aprovar ou reprovar seria consequência da constatação de uma aprendizagem efetiva dos conhecimentos mínimos necessários, com o consequente desenvolvimento de habilidades e hábitos. Mas, ressalta, como não há possibilidades de eliminar, de forma imediata, as notas e conceitos, até por limitações legais, Luckesi sugere que se trabalhe dentro de um conceito mínimo de aprendizagem (nota 7) e que se trabalhe com o aluno que não atinja esse limite mínimo. Dessa forma, a média expressaria melhor o verdadeiro aprendizado.

Com um adendo: “definir o mínimo necessário não significa ater-se a ele”, diz o autor. Esse “mínimo” deve ser apenas aquilo que o professor não pode passar para a frente sem que seus alunos todos os seus alunos aprendam esses conteúdos. E esse mínimo, para evitar distorções, deve ser estabelecido coletivamente, pelos educadores, dentro de um contexto social.

A conduta do professor deve ser norteada pelo interesse efetivo na aprendizagem do educando. Do ponto de vista do autor, não é isso que ocorre, tanto no sistema social, que pouco investe na educação, como de forma particular – é preciso ter uma postura de ação, dentro de uma perspectiva dinâmica da aprendizagem para o desenvolvimento; e uma intenção real de retomar o curso de ação ou reorientá-lo, se os resultados da avaliação não forem satisfatórios. É preciso, ainda, que haja um rigor científico e técnico em todo o processo da prática educativa e da avaliação.

Pensar a avaliação dentro de um sistema muito mais amplo – dentro de um projeto de ensino. Desafio? Mais, ainda, se pensarmos em ensino como educação, isto é, como um processo de “desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social” (Novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa, 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 718).

Algumas palavras merecem destaque: desenvolvimento e integração – isso pressupõe um foco no processo de aprendizagem visando atingir a um objetivo maior e mais complexo: a interação do indivíduo na sociedade. Ao priorizar o desenvolvimento, a escola passa a atuar e usar seus instrumentos de ensino como alavancas para chegar a esse resultado de aprendizado. Dentre esses instrumentos, um em especial é objeto de estudo: a avaliação.

Ao analisar o artigo de Luckesi, pode-se concluir que a avaliação, em vez de ser punição, deve servir para verificar o nível de aprendizagem do educando. Por ser dinâmica, precisa ser aplicada constantemente para que, diante dos resultados obtidos, seja tomada uma posição, por parte do educador, a fim de efetivar a aprendizagem.

O que acontece, hoje, é que a avaliação se torna, na verdade, um mero instrumento de verificação – e verificar, como vimos no artigo, pressupõe apenas constatar, sem ter de tomar uma ação sobre o que foi constatado.

Essa prática de “verificação” nas escolas provém do interesse na aprovação ou reprovação dos alunos; não no processo de aprendizagem. A assimilação de um conteúdo mínimo é representada, nesse caso, por uma medida de pontuação que é transformada em nota ou conceito, indicando esta, por sua vez, o “resultado” do aluno.

Porém, o mecanismo da avaliação na prática da aferição dos resultados  da aprendizagem, só será  funcional quando for dada total importância para a aprendizagem do aluno, e diante dos resultados obtidos ocorra uma mobilização, por parte do educador e da escola, para que as dificuldades apresentadas pelo aluno possam ser trabalhadas, para que ele possa superá-las e, efetivamente, desenvolver-se. Aqui vê-se o processo de avaliação em toda a sua extensão – avaliar significando tomar uma atitude mediante o que foi verificado. De outra forma, a avaliação perde o seu dinamismo e a sua razão de ser.

O que queremos ser como educadores? Sermos simples observadores – constatadores de uma realidade – ou sermos atuantes, avaliadores de fato, pessoas preocupadas em observar a realidade para nela agir de forma a modificá-la, de maneira a exercer o papel de facilitador do desenvolvimento da criança, jovem ou adulto? Estas são as reflexões que o texto nos trouxe.

REFERÊNCIA

LUCKESI, Cipriano Carlos. Verificação ou avaliação: o que pratica a escola? In: LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições; 22. Ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 45-60.