Ana

_Já pracurei o prefeitu Dotô Agusto e ele já deu muitu reméidu, mais num tem jeitu, essa minina num se cura da gaiganta. Dizia Ana para sua amiga, Judite.

_ E pruque ocê num faiz o reméidu qui a rezadera ensinô?

_E se prejuidicá a minina e ela morrê? Esse reméidu pode sê pirigoso.

_Mais se sua fia continuiá dueinti assim, ocê devi recorrê a esse reméidu.A rezadera num ia indicá um reméidu qui fizessi má. Disse a amiga.

Ana levou a mão à cabeça e ficou sem saber o que fazer. Era uma situação muito difícil.

Isso se passava no Sítio São Diogo, em 1952. A filha de Ana, Catarina, de apenas oito anos de idade, encontrava-se doente da garganta há muito tempo, e por aqueles dias, estava ainda pior. Não conseguia engolir direito, não falava, sentia intensas dores e tinha febre alta. As crises anteriores duravam três ou quatro dias, mas aquela já fazia oito dias. Nenhum medicamento funcionava, o que deixava sua mãe muito angustiada.

_O qui vamo fazê, Pedu? Perguntou ela ao marido.

_Temu qui tê caima.

_Cuma tê caima? Nossa fia tá muitu má.

_Continui dano esses reméidu, num temo oitra saluçao. Disse o pai da criança.

Depois de pensar um pouco, Ana disse:

_E se nois fizé o reméidu qui a rezadera mandô?

_Será qui temu corage, e se fô pió, e se nossa fia...

_Não! Tem razão, num pudemu arriscá a vida da minina.

Pedro e Ana abraçaram-se chorando, não sabiam mais como agir diante do problema de saúde da única filha.

Enquanto isso, Catarina chorava dentro da rede e nem conseguia chamar pela mãe, as lágrimas apenas desciam no seu rostinho.

No dia seguinte, ela amanheceu do mesmo jeito, seu quadro não tinha melhora.

Judite foi vêla e levou romã, para ela gargarejar. Ao  ver a pobre criança na mesma, a amiga de Ana voltou a insistir no tal remédio da rezadeira.

_Ainda achu pirigosu. Disse a mãe de Catarina.

_Pirigosu é ocê dexá qui essa criança continui nesse istadu.

_tô sem sabê o qui fazê. Já pensei im fazê, mais sintu medu. Disse Ana chorando.

Judite confortou a amiga, dizendo que não tocaria mais naquele assunto.

_É qui receiu fazê o reméidu e ele causá a morte de Catarina, afiná, num é um reméidu cumum. Afirmou a mãe tristemente.

_Eu intendu seu medu, esse reméidu é isquisitu mermu.

Judite foi embora e Ana ficou rezando ao pé da rede da filhinha.Ela sofria muito vendo o estado da criança,que já não se alimentava, e estava muito abatida. Ela preferia mil vezes estar no lugar da filha. A pobre mulher já havia feito promessas com todos os santos, era uma pessoa bastante católica.

Seu marido também estava sentindo muito com a doença da pequena, era no seu trabalho na roça que ele encontrava refúgio. Quando chegava a hora de voltar para casa, assim que o sol desaparecia,ele sempre dava um jeito de ficar um pouco mais, para não ter que chegar em casa e ver Catarina sofrendo tanto. Sua esposa nem imaginava que o mesmo chorava escondido, é que Pedro disfarçava muito bem sua dor.

_Hoji juditi vei visitá nossa fia, e mais uma veiz tocô no qui a rezadera aconseiô nois a fazê. E eu cuntei do nossu receiu. Disse Ana ao marido.

_Sabi muié, eu tô cumeçanu a achá qui taiveiz Juditi teinha razão.

Ambos fivaram pensativos observando a filha dormir. O sono dela era muito curto, a maior parte da noite Catarina passava acordada, chorando.

Depois de meia-hora de silêncio, Ana disse para o marido:

_Só esperu até ameã, se nesse dia qui vai chegá, ela num tivé nem uma miora, vô fazê o reméidu. Já tive muitu medu, mais agora achu qui sô obrigada a fazê.

_Concoirdu cum ocê, é mió do qui ficá isperanu pela morti. Disse Pedro.

No dia seguinte, o quadro de Catarina só piorou, e Ana mandou chamar Judite até sua casa.

_Vim o mais dipressa, o qui aconticeu?

_Vô fazê o reméidu indicadu pela rezadera, e queru ocê aqui mais eu pra ajudá nu qui pricisá. Disse a mãe da doente com os olhos cheios de água.

_Craro amiga, vô tá aqui cum ocê, e pode tê certeza, vamu fazê o mió pra sua piquena. Esse reméidu vai curá ela, eu acriditu muitu nele.

Pedro foi para a roça, não teve nervos para ficar em casa. Enquanto isso, Judite capturou uma lagartixa, não foi muito difícil, pois em casa de sítio existem várias.Em seguida, colocou-a numa panela de água quente e deixou ferver. Quando abriu a panela, a lagartixa estava esticada e morta. Então, ela encheu um copo daquela água e deu para Catarina beber e gargarejar.

_Prontu amiga, agora é só isperá o resurtadu, qui será a cura dessa minina.

_Deus ajudi qui sim. Disse Ana.

No outro dia, Catarina amanheceu melhor, pedindo comida. E nunca mais adoenceu da garganta, ficou curada.

Maria do Socorro Abrantes Sarmento