AMOR E RESSENTIMENTO DE CATULO

                                                                                                          Maria do Socorro da Costa Leite¹

                                                                                                                  Weberson F. Grizoste²      

 

 

 

RESUMO: Este artigo apresenta uma análise referente ao sentimento de Catulo ao lembrar os seus momentos românticos vivenciados por ele e sua suposta amante chamada Lésbia. O tema usado tem como objetivo analisar esse duplo sentimento, ao qual ele faz elogios à Lésbia, mas ao mesmo tempo expõem o seu ressentimento. Para tanto, usou-se como método,a leitura nos poemas de Catulo e artigos acadêmicos, pelos quais conclui-se que Lésbia foi a inspiração dos poemas de Catulo.

Palavras-chaves: Catulo; Lésbia; amor; ressentimento; poeta                                                                            

 

Trata-se aqui de um ciclo de dualidade envolvendo amor e ressentimento na obra de um dos maiores poetas líricos latinos,observa-se claramente nos poemas V e VIII   Catulo demostrando o amor seguido de ressentimento por causa de um amor não correspondido. No poema V é notável o lirismo o qual para Pinto(2011, p.34); “toda poesia lírica, sua composição é de caráter triste, este termo deriva do fato de que os poetas se acompanhavam da lira para mostrar suas composições de caráter intimista”.

Não há como negar a paixão ardente, como também a tristeza da persona de Catulo ao compor os versos líricos,como todos os poetas líricos, Catulo identifica-se perfeitamente com a tríade amor, mulher e poesia, aliás maioria de seus escritos têm inspiração em Lésbia, mulher sedutora, famosa nos prazeres. Em alguns de seus poemas,Catulo deixa evidente a sua felicidade ao lado de Lésbia. No entanto, com o passar do tempo ele percebe que o amor de Lésbia não condiz ao seu.

Conforme Pinto(2011, p.55); “não se pode confundir a obra de um poeta com a sua biografia”. Ou seja, o contexto destes poemas, não está relacionado a biografia de Catulo e sim na persona que ele apresenta. Nos poemas referentes à Lésbia, tanto Catulo quanto a Lésbia, a amante pela qual o eu lírico do poeta se apaixona são duas personas poéticas, uma que se apaixona, mas logo percebe que o seu amor não é correspondido, e outra que simplesmente não ama, porém é sedutora e gosta de ouvir palavras de assédio.

É sabido que na sociedade contemporânea, os poetas enfatizam muito sobre sexo e homossexualidade, pouco se fala a respeito do amor. Segundo Halperin (1989, p. 8)”A homossexualidade pressupõe sexualidade, que é uma construção moderna, pois, ao contrário do sexo, que é um fato natural, a sexualidade é uma produção cultural”. Talvez o amor seja menos enfatizado pelo fato de ser como um enigma que mesmo tentando se explicar não existe um padrão como definição, segundo Penafort (1982, p.75) “ O amor é infinito, o amor é azul e neste avermelhado fim de século é preciso muito amor e muita coragem para amar[...]

No que se refere ao sexo, desde a antiguidade já havia perdido totalmente a moralidade, pois alguns homens depois do ato sexual, gabavam-se contando detalhadamente as posições e tudo quanto havia feito na hora do sexo, vejamos um fragmento citado por Luciano (9) apudeGrizoste : “ [...] Seguidamente, dá-lhe uma «esfrega» na horizontal, espicaça-lhe as virilhas, avança até ao «muro», depois, é continuar a bater. E assim que a vires derreada, monta-a, dá-lhe um nó à cintura e mantém-na assim; sobretudo, faz por não ter pressa, aguenta um pouco, acerta o passo com ela. E agora, descansar!

Mas falando do poema V de Catulo, observa-se uma relação amorosa, o qual a persona se apaixonou profundamente por Lésbia, e a convida à viverem intensamente felizes ao se deleitarem no amor:

Viuamus, mea Lésbia, atqueamemus

Rumoresquesenumseueriorum                      

Omnesuniuaestimemusassis.

[...]( c.5)

Vivamos, minha Lésbia, e nos amemos.
E aos conselhos dos velhos mais severos
Nem ouvidos a eles nós daremos.

[...](João Ângelo).

O eu lírico do poeta tem uma profunda paixão por Lésbia, a mulher a qual ele considera a mais formosa e encantadora entre todas as mulheres, pois está disposto a enfrentar qualquer obstáculo, a ponto de não dar ouvidos a nenhum tipo de conselhos, ainda que seja de pessoas mais experientes, para ele o que importa é o amor vivido por eles, independente das circunstâncias o importante  é o momento de prazer pelo qual o poeta tanto anela, o desejo de amar, de beijar, beijar até perder a conta dos desejos.

Ao analisar os dois poemas, observa-se a diferença nas palavras do poeta, pois o poema V trata-se de amor, elogios, desejos e prazeres, ao passo que no poema VIII, Catulo introduz o lirismo e o ressentimento causado por um amor avassalador, porém sem correspondência, típico de um homem apaixonado, lamentando a dor pela perdada mulher amada, com a qual sonhou, lutou para viver dias de prazeres, no entanto esse amor não correspondido só lhe causou melancolia e de certa forma revolta.

Miser Catulle desinasineptire
et quod vides perisseperditumducas
fulsere quondam candiditibi soles
[...](c.8).

Pobre Catulo, deixe essa loucura
E o sofrimento teu todo de lado.
Considera perdido o que hoje está

[...](João Ângelo).
 

É indiscutível a forma comoCatulo se comporta ao descrever os versos do poema 8, nota-se que não há mais nenhuma relação em comum com o poema 5, pois ao contrário dos elogios, dos desejos, dos deleites em geral, relembra os momentos felizes, mas ao mesmo tempo sente uma determinada revolta e tenta esquecer a felicidade passageira, então anela a infelicidade de Lésbia, rogando que ela seja abandonada, e que nunca mais encontre alguém que a ame, e assim ela nunca mais seduzirá ninguém.

Observando este contexto, percebe-se que Catulo apesar de amar Lésbia, decide viver em liberdade, faz uma escolha que conforme Novak ( 1999,p.271). “O homem tem a liberdade de escolher o seu comportamento, e que a luta contra a paixão é sempre possível, a alma é poderosa e a vontade determina o ato”

De certa forma, nos convém dizer que Lésbia usava todos os artifícios de sedução ensinados por Ovídio, ao passo que Catulo já não se beneficiou da arte de amar, pois (OVp.41), ensina que a causa da perda do amor, é quando a pessoa não sabe amar, evidentemente a arte lhe faltou, pois é a arte que faz o amor durar. É óbvio afirmar que Catulonão soube desenvolver esta arte em seu relacionamento, deixando algumas lacunas que poderiam ser preenchidas se usasse a arte de forma correta na hora de amar.

Desse modo podemos afirmar que mesmo em meio ao lirismo e o ressentimento, a dor pela qual passava o seu estado emocional, a temática de Catulo está relacionada ao amor e pode se distinguir em duas etapas: a primeira diz-se dos momentos amorosos, e a outra refere-se à decepção, mesmo assim o poeta mostra que o seu amor é verdadeiro, que para  Penafort (1982,) permanente e leal, afirmando que nenhuma mulher foi tão sinceramente amada como a sua Lésbia,vejamos nos versos a seguir do poema 87:

Nulla potest mulier tantum se dicere amatam

uere, quantum a me Lesbia amatamea es.

(v.1-4)

Mulher alguma pode se dizer bastante

amada quanto amada é por mim Lésbia.

Em vista disso pode se concluir que Lésbia foi a inspiração dos poemas de Catulo, pois era uma mulher formosa e sedutora, famosa por seus prazeres amorosos, por isso despertou no poeta uma grande paixão que lhe causou tamanho sofrimento. Ele mesmo afirma em seu poema, “Difficile est longum súbito deponereamore”(C.76,13 ). Um amor intenso é difícil subitamente abandonar (TN).

                                                                                                                          

                                                    REFERÊNCIAS

Catulo. O LIVRO DE Catulo, Tradução, Introdução e Notas João Ângelo Oliva Neto. São Paulo: Edusp, 1996..

GRIZOSTE, Weberson Fernandes. POÉTICA DA OBSCENIDADE: EROTISMO E PORNOGRAFIA NA ANTIGUIDADE, Parintins 2017.

HALPERIN, David M. OnehundredyearsofhomosexualityandotheressaysonGreeklove. New York; London: Routhledge, 1989, p. 230.

NOVAK, Glória Maria da. Estoicismo e epicurismo em Roma, Letras Clássicas. São Paulo 1999.

OVIDIO. A arte de Amar, tradução,trad. Carlos Ascenso André, Lisboa, Cotovia, 2006.

PENAFORT, Ernesto da Silva.  A Medida do Azul. Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas, 1982.

PINTO, Zemaria. O texto nu – Teoria da Literatura: gênese, conceitos, aplicação. 2ª edição. Manaus: Editora Valer, 2011.