As folhas de papel costumam representar meu único consolo nos momentos de cólera: a alvura de uma resma, bem como o seu aroma refrescante e amadeirado, inexplicavelmente, despertam a vontade de expressar-me como nenhum outro sentido é capaz. Tendo a crer que este rascunho apresentará cunho metalingüístico, por falta de outro assunto sobre o qual dissertar. Porém, nem todo bom texto é unicamente poético e, na situação sob a qual me encontro, pouco me importa o que estas teclas escreverão contanto que aliviem o peso que minhas costas carregam.
"Tédio" poderia perfeitamente ser encaixada como a palavra-chave motivadora de meus escritos, mas muitas outras atividades que não exijam tanto da psiche podem ser praticadas em momentos de puro fastio. Logo, outros reais motivos me levam a dissertar livre e desregradamente. Fico cá, comigo mesma, refletindo sobre os desafortunados afetados pelo terremoto e pelo tsunami japoneses, sobre quantas memórias foram perdidas, laços desfeitos, casas destruídas e vidas despedaçadas. Um minúsculo país tão cheio de cultura, mentes brilhantes, história, que acaba de perder 1,3 mil de seus habitantes, de ter suas usinas nucleares destinadas ao possível e arriscado colapso e alguns vulcões reativados. Nesse momento, a atmosfera em Osaka, em Tóquio e em outros centros, não consta só de cinzas, pedras e resíduos nucleares, mas também de pesar, luto, tristeza, preocupação e, principalmente, desapontamento pelo Japão ter autoridades omissas e que desejam ocultar as tragédias internas. A situação na Líbia também não é muito diferente, onde Muamar Kadafi declara guerra santa contra a Suíça devido ao clima tenso gerado por charges feitas sobre Maomé pelo jornal dinamarquês Politiken.
Ao mesmo tempo, do outro lado do globo, cariocas despertam às seis da manhã para frequentarem o Monobloco. Não que a felicidade seja condenada, de maneira alguma, porém, onde está a solidariedade quando se precisa dela? Aonde está o senso humanitário e altruísta que tanto prega a Carta dos Direitos Humanos? Será que não passa pelas mentes contemporâneas que há assuntos mais importantes a serem considerados além dos "heróis" do Big Brother, dos placares das partidas de futebol dentro da disputa por inúmeras taças, e se foram muitas ou não as conquistas do Carnaval?
"Perguntas retóricas não devem ser utilizadas sem uma devida justificativa", diziam sempre meus atenciosos professores de redação do Ensino Médio. Contudo, com as informações impactantes previamente expostas, creio na dispensa de outra e qualquer explicação. Denomino o fenômeno do estágio atual no qual se encontra a humanidade como "amnésia contemporânea", onde as desventuras ? sejam elas ambientais ou concernentes ao ferimento dos direitos humanos ? afetam o globo pela rápida disseminação de informações pelos meios de comunicação mais variados apenas por determinado período de tempo. Excluindo-se os afetados, seus familiares e conhecidos, é geral o "esquecimento" por parte da população, onde só demonstra comoção a elite aristocrata ou de Hollywood no intuito de obter-se status através de citações boladas por assessores e agentes e de doações multimilionárias.
Para quem começou o texto se lamentando de dor, meu ócio criativo foi surpreendentemente bem atingido. Concluindo o texto sobre auxílio ao próximo,
"Nunca cruze os braços diante de uma dificuldade. Pois o maior Homem do mundo morreu de braços abertos por você." ? Bob Marley.