A criação do conceito de América Latina passa por práticas discursivas que sempre se relacionam com outras práticas, como as de apropriação, mas também as de insurreição; em tudo que implique as formas que os seres humanos se relacionam, as palavras não atravessam as coisas gratuitamente. No que concerne a este território que veio a chamar-se América Latina, a construção do seu nome, de sua identidade, por longos anos se deu por ações de sujeitos europeus, os quais renegaram os sujeitos nativos e as populações além-continente nele inseridas, como os negros.

- A análise do filósofo Arturo Ardao sobre a construção do nome e da noção de América:

             A noção de América Latina é constitutiva da denominação: Isso quer dizer que o que o significado dessas palavras que formam o nome “América Latina” já impõe um significado também à identidade disto que assim é designado, ou seja, é um primeiro delineamento identitário.  Para Ardao, os processos de formação identitária da América Latina são todos compostos por três etapas: a primeira caracteriza-se pela predominante ausência de noção e nome para esse espaço geográfico; a segunda pela sua percepção enquanto território distinto; e a terceira, onde a percepção de sua existência acompanha-se de um nome que denota sua especificidade. No processo de construção de uma noção e um nome, essas três etapas corresponderiam: primeiro, com Colombo e a “descoberta”, onde por erro chamou-se ao território de “Índias”, por nesta ter-se acreditado chegar; em seguida, com Américo Vespúcio, onde houve a constatação desse erro e o reconhecimento de que se tratava de uma outra região geográfica desconhecida, “novo mundo”; a terceira etapa teria iniciado com o reconhecimento cartográfico do território, nominado “América” em homenagem a Vespúcio. Mesmo com a consolidação do nome América, outros nomes não deixaram de ser utilizados, como Novo Mundo.

- A análise dos historiadores Fraçois-Chavier Guerra e Miguel Rojas Mix sobre a identidade americana:

            A interpretação desses autores nos diz que antes dos processos de independência na américa espanhola no século XIX não existia uma autoreferenciação como “americano”, as elites formadas por descendentes de espanhóis ibéricos, criollos, chamavam-se “espanhóis” nos seus embates político-econômicos com os ibéricos. Com os processos de independência e a necessidade de distinção do Outro espanhol, agora inimigo, erige-se o “americano”.

- Análise do historiador Aimer Granados Garcia e do filósofo Arturo Ardao sobre a contraposição Hispanoamérica/hispanoamericanos e América/americanos:

            No pós-independência, o nome Hispanoamérica surge como reflexo de uma consciência sobre os vínculos culturais entre os países da antes América Espanhola. Mas também como reação às investidas e ambições de países europeus e, principalmente, do incipiente império Estados Unidos. Estes passaram a se proclamar americanos, com políticas que deveriam favorecer os americanos, entretanto essas ações autoafirmativas, políticas e econômicas, restringiam-se aos americanos enquanto norte-americanos, devendo o restante do continente ser subjugado. Outros nomes foram usados para definir essa parte do continente americano em contraposição ao norte, como Magna Colômbia, porém foi a palavra América Latina quem predominou; precipuamente pelo vínculo cultural entre sul e centro da América em relação à Europa, especificamente o Latino aí refere-se a português, espanhol e francês, colonizadores dessas regiões. Esse vínculo também antepõe, necessariamente, àquele do norte da América com o colonizador europeu, os saxônicos/ingleses; daí falar-se em uma “América Saxônica” ser condição para a compreensão da “América Latina”.

- Análise da origem do nome e construção da ideia de América Latina por John Leddy Phelan (americano, filósofo), Arturo Ardao (uruguaio, historiador) e Miguel Rojas Mix (chileno, historiador):

            John Leddy Phelan foi quem iniciou a pesquisa sobre a origem do nome América Latina, publicada em fins da década de 60 do XX, mantendo-se ainda com predominância nas referências sobre o tema em nossos dias. Para esse autor o nome América Latina aparece no contexto do “panlatinismo” francês das primeiras décadas do XIX, onde a França pretendia a subjugação das repúblicas latinas de língua espanhola e o impedimento do alastramento do império norte-americano, ações cimentadas pela raiz cultural “latina”. Um dos maiores promotores uma união panlatina, governada pela França, foi Michel Chevalier, que ao pensar nessa união como necessária para a proteção dos povos de origem latina, com maior nitidez a partir da década de 1930, marca o aparecimento não do nome, mas da noção de uma América Latina; e também de sua contraposição, uma América Saxônica – e neste ponto também concorda Arturo Ardao.

            Quando de fins da década de 40 do XIX e do início do governo de Napoleão III, franceses e hispano-americanos comprazem-se com a ideologia do panlatinismo. Os primeiros por interesses coloniais, os segundos pelo sonho de uma integração à civilização europeia e de salvação do atraso.  O intento francês culminará com uma invasão ao México, e é nas proximidades desta, em início da década de 60 do XIX, que o nome “América Latina” teria sido forjado, por um francês e apropriado por franceses e hispanoamericanos em Europa.

            A perspectiva de Arturo Ardao, crítico contundente de Phelan, com obra sobre o tema publicada nos anos 80 do XX, começa a se destacar desde um ponto fundamental, que seria sobrem quem primeiro forjou o nome América Latina: um jornalista colombiano em França, em fins da década de 50 do XIX, ou seja, antes do autor francês. Para esse autor a criação do nome América Latina foi um processo que perdurou cinquenta anos, desde a deflagração dos processos de independência. Na primeira etapa desse processo, o nome América Latina não existia, eram usados nomes como “América Meridional”, “América do Sul”, “América” e “Hispanoamérica”; a segunda etapa é marcada pelo aparecimento, em textos de autores franceses, da noção de uma América latina, mas do nome; na terceira etapa, ao final da década de 50 do oitocentos, aparece o nome “América Latina”; em poema do jornalista anteriormente citado. Além da cronologia, a análise de Ardao se distingue da feita pelo historiador americano por indicar que o aparecimento do nome “América Latina”, criado pelo jornalista colombiano, mais pretendia antepor esta região aos norte-americanos e não meramente servir de respaldo à invasão francesa.

            Um terceiro autor, Miguel Rojas Mix, com publicações sobre o tema na década de 90 do XX, converge em partes com as análises de Ardao. Entre as suas discordâncias, a primeira é sobre o criador do nome América Latina. Para Mix, este teria sido Francisco Bilbao, exilado em França, chileno como o historiador, alguns meses antes do colombiano apontado pelo historiador uruguaio; o objetivo de Bilbao, com a propagação do nome América Latina, era a união dos países latinos frente às investidas do incipiente império norte-americano. Esse objetivo, assim como o uso do nome, foi abandonado por conta da invasão francesa ao México. Ardao também analisou os escritos de Bilbao, porém concluiu que o seu uso de “Latina” em América Latina era um uso meramente adjetivo ainda. Mix considera que a limitada relevância dada por Ardao a Bilbao provem de um preconceito contra este, por se tratar de um personagem histórico marginalizado. Mais ainda, o historiador chileno asserta que Torres Caicedo, o autor apontado por Ardao como criador do nome América Latina, plagiou Francisco Bilbao, uma vez que as circunstâncias propiciavam essa possibilidade.  

Conclusão:

            Diante esse embate, Farret e Pinto, autores do artigo, concluem que a análise de Phelan tornou-se obsoleta, principalmente por se ter mostrado, tanto Mix quanto Ardao, que o nome América Latina foi criado por hispanoamericanos, visando a anteposição ao imperialismo estadunidense. Também é ressaltado pelos autores o fato de, no cenário brasileiro, os três autores aqui confrontado serem relativamente desconhecidos, principalmente os dois últimos, assim como a própria discussão em si. Isso se deveria, talvez, a ausência de uma tradição de pesquisa em história da américa, mas é de se considerar a questão do Brasil não ter participado na criação e nos embates identitários sobre o nome América Latina.