Amarilda

   Menina, feliz, dedicada, alegre, cheia de esperança, futuro? Qual? Verdadeira, brincava com seus dois irmãos na grama, fazia coisas de criança, sujava o terreiro, pulava das cancelas, que danada, fome! Jamais,  mangueira,  coqueiro,  goiabeira, bananeira, cajueiro, e ainda uma casa de farinha ao lado de sua casa, era um paraíso. Sua mamãe cozinhava num fogão à lenha, e a molecada ajudava na arrumação da casa, ela tinha dois irmãos menores, Fábio de quatro anos e Lara com seis anos, era a mais velha tinha oito anos, fazia tudo, lavava, cortava as verduras para o preparo da comida, cuidava das galinhas, choramingava para não fazer  nada, e assim se divertia muito com seus irmãos.

    Sua mãe era muito  organizada, detalhista,  tudo deveria estar nos seus devidos lugares, qualquer falta, umas palmadinhas não fazia mal algum. Lá ia seu Zé briguento, xingando, e chutando tudo que via a sua frente, era uma peste em pessoa, coitada da Dona Maria suportava porque não havia jeito, era o pai de seus filhos,  conversador, mas trabalhava como um cavalo, seus filhos tinha tudo no limite, pobre ousado, vendia, trocava,  um excelente comerciante, sabia ter lucro em tudo, mas falava muito, não freava a língua no momento certo, contava até o que não via com muita veracidade. O importante é que eram  felizes, apesar das  falhas, havia harmonia, respeito e amor.

   Ah! Esta menina cresceu, mas  agora teve de enfrentar uma mudança em sua vida, morar em um ambiente diferente,  na cidade grande, que dilema, se acostumar com toda agitação da capital. Ela, que costumava sentar-se à porta e conversar com seus irmãos, quase todo dia lembrava-se das travessuras que aprontavam no sítio, uma lembrança inesquecível.  Seu olhar não era o mesmo,  pensativa, muito séria, sorria? Difícil, gostava mesmo era de olhar as pessoas passarem a sua porta, é claro, nos momentos de folga, pois continuava a ajudar sua mãe nas tarefas de casa e estudava  no período da tarde, mas como mudou  àquela menina! Quase sem brilho; será por que ficou adolescente? Ou não se adaptou a cidade grande? Não se queixava de nada, tímida, retraída, isolava-se quanto podia, Dona Maria preocupada, conversava  com seu marido, e ele só fazia resmungar  e falar palavrões.

   - Que diacho de homem!  Mas as tarefas do dia a dia sufocava tudo isso  - essa menina é assim mesmo, parece com a bisavô!  Gosta de ficar calada mesmo,  é melhor!  - Comentava o  Juarez.

    Certo dia, daqueles que parece a sexta-feira treze, a menina entra em casa desesperada:

    - Mãe, mãe me ajude... E logo desfaleceu.

    A mãe gritando, a minha filha foi violentada. Não! Foi o Memeu, que absurdo! A casa ficou repleta de gente, curiosos, ninguém ajudou em nada, apenas se lamentaram da monstruosidade, o pior coitada teve que casar, e foi realizado um simples casamento na igreja, nada de véu, uma benção, Que Deus ilumine! O que? Ah o casamento ou a tragédia, deixe para lá é assim mesmo temos que nos conformar, é a vida! Mas que vida? Nada, como se conformar com tanto sofrimento?  É, vamos quem sabe o futuro será melhor.

   Alguns meses depois  ela teve uma filhinha, linda, foi seu presente, parecia com a avó, Dona Maria; choro, emoção, angústia, tudo foi motivo de animação. O rapaz  com quem ela se casou estava comemorando com os seus amigos em um boteco, bebeu que não conseguiu levantar-se, que alegria, muitos têm seu jeito de comemorar, é , faz parte da vida, nada de criticar. Aquela menina que era uma mulher casada, não mudou nada, o marido era muito engraçado, um palhaço, apesar de gostar de se divertir nas noitadas, às vezes não tinha dinheiro nem para comprar uma bolacha, mas era muito animado, sonhador, um bom pai, fazia os gosto da filhinha, mesmo sem dinheiro para comprar um doce se quer, inventava mil e uma coisa para animar,  criava muitas expectativas, dava até cambalhotas, um sucesso, muito criativo, de monstro a herói, legal, até que a benção deu certo. Mas ela, a menina, que agora era uma mulher casada continuava calada, cabisbaixa, talvez tivesse alguma esperança, quem sabe de ser feliz! Como? Lembrando o passado? Não, buscando um futuro mais justo! É. Quem sabe! Ah! Anos depois  separou-se do marido, ele inconformado, suplicou que  reatassem a união, pois ele prometeu nunca mais se embriagar, e assumiria as despesas de casa, seria um homem de verdade, o difícil era acreditar, mas por amor, a quem? A filhinha ou a ele? Ela resolveu voltar, passaram-se três anos e a separação repetiu-se novamente, e o marido tornava a prometer, e essa conversa por diversas vezes se repetia, até que ele conseguiu comprar um casebre, foi uma alegria, nesse dia ela sorriu, um sorriso desconfiado, mas para quem morava de aluguel,  e quem pagava muitas das vezes as contas era seu Zé, foi um alívio.

    Em 05 de fevereiro em pleno carnaval era o aniversário do Memeu, nesse dia ele não conseguiu se controlar bebeu tanto que caiu no chão, pelo menos estava dentro da sua própria casa. No dia seguinte morreu seu Zé, será que de alegria? Talvez! Ou foi o destino, só sei que deixou  muitas saudades, um companheiro incontrolado, mas fiel, partiu com desejo de ver seus netos casados, apesar de tudo  viu sua filha em seu próprio lar, até que realizou alguma coisa.

     Dona Maria continuou sua jornada, era uma mulher  batalhadora,  difícil vê-la sentada, sempre tinha algo para fazer, um ano depois da morte do seu Zé arranjaram-lhe um noivo, um  daqueles boêmios,  o que ele sabia fazer de verdade era tocar cavaquinho, isto encantou Dona  Maria, mesmo assim não a convenceu de casar-se novamente, apenas namoraram por quinze anos e não durou muito, quando o som do cavaco se calou. Lá estava no caixão o seu grande instrumento de alegria, dando adeus as boemias. 

     Dona Maria não perdia a esperança  de  conquistar seus objetivos, mesmo com tanta dor, suportá-la era um desafio constante. Deprimida foi levada às pressas para o hospital, sua luta, amor aos netos, calou-se, não se ouvia mais sua voz desafinada, saudades apenas da alegria de ser alguém e viver o presente sem medo, a filha mais velha, que raramente conversava, bradou, - mãe por que tudo isso? Será que seremos salvas? Nenhuma resposta, uma voz bem longe ecoou, - haverá esperança para quem morre, pois aqui apenas teremos momentos de destreza.

      Amarilda, inconformada saiu correndo desesperada, correu, correu,  desapareceu, nas encruzilhadas da vida ,nenhuma  notícia dela, onde estava aquela menina? Seus filhos não sabiam onde encontra-la, sete semanas se passaram e nada. Memeu não tinha mais esperança de reencontra-la,  guardava sua foto em todos os cômodos da casa.  Um latido, quase meia noite, - quem está aí? Gritou Memeu, - sou eu Amarilda, - o quê? – mentira,  quase sem fala não deu muita importância aquela voz, voltou para cama, mas a voz insistiu, fraca e afônica.

      - Onde você estava mulher?

     Desajeitada, cuspiu no chão e clamou por socorro.

    - Meu Deus! Caiu de joelhos. Memeu  comovido ajoelhou-se ao seu lado e esperou que alguém os ajudassem, mas ninguém apareceu, não conseguiu acordar do sonho, era tão real quanto as  loucuras que cometera, não reagiu, fingiu que tudo ficaria bem, por alguns minutos apavorou-se, já era tarde de mais.