Nota inicial : Antes de ler o texto atente para essas palavras iniciais:

Este texto foi elaborado entre o mês de abril e maio de 2005, mas as idéias que motivaram a desenvoltura dele se construíram ao longo dos meses de 2004 inspirados mais uma vez na convivência e rica experiência com alunos do ensino médio, assim como em anos anteriores a esse, através de eventos de acampamento de férias, na qual o autor era monitor, entre adolescentes de 12 e 17 anos (foi uma convivência de cinco anos). A leitura do texto que segue possui uma pontuação entre as frases que deverá ser bem assimilada para uma melhor compreensão do eixo das idéias básicas. Muitas pessoas pensam que SENSO CRÍTICO é "dar uma paulada" em alguém. Logo, já se tem a falsa idéia, na maioria das vezes, de que se alguém critica isso seria algo negativo.

Há os mais conscientes desse termo que podem até falar que existe a "crítica construtiva". Mas, afinal, o que é um senso crítico? Será que é possível termos uma visão diferente e madura em razão de um VERDADEIRO SENSO CRÍTICO? Responder a essas singelas perguntas é um desafio marcante que os meus queridos alunos, diretos ou indiretos, irão descobrir. Mas a despeito das inúmeras definições para o que seria um SENSO CRÍTICO, tomei a liberdade de adotar o seguinte princípio criado por algumas observações durante a minha vivência e observação: "SENSO CRÍTICO" é fazer uma investigação do que o outro pensou com lógica para, a partir daí, posicionar-se dentro do objetivo único de construir junto com o investigado novas idéias.

Observe que a palavra-chave aí é "construir". Aqui não cabe um simples "concordo" ou até mesmo um simples "descordo". Aqui cabe o "entender" o que o outro pensou (da melhor forma possível) para só então colocar o seu posicionamento. Seria mais ou menos o seguinte: imaginemos alguém que afirma que cérebro de peixe é bom. Se você acha que isso é um absurdo, ou até mesmo a sua religião não permite provar tal coisa, ou por meio de um colega sabe que isso é horrível, logo poderá dizer: ?você está louco?? Ou então "eu não concordo" e ponto final?. Eu perguntaria: houve alguma construção nesse tipo de opinião? Não, pelo contrário, você acaba de fechar a oportunidade de construir e investigar uma idéia. E isso se deve ao fato de que o interlocutor não se preocupou, antes de afirmar ou negar algo, o que o outro quis dizer. O interlocutor não teve a construtiva e necessária paciência de ENTRAR NO PENSAMENTO LÓGICO de quem afirmou que "cérebro de peixe seria bom". A essa falta de investigação denominei de FALSO SENSO CRÍTICO.

Então, o que seria um VERDADEIRO SENSO CRÍTICO? Aquele posicionamento que serve como uma forma de construção ao que o outro pensou e analisou; é um comentário que mais reforça do que diverge, e este vem pelo espírito de colocar novas idéias, mas que são justificadas por argumentos concretos. É científico, portanto, sugerir novas possibilidades por causa "disso" ou "daquilo", mas isso é fruto de uma investigação! Agora, não seria científicos comentários como "cada um tem a sua opinião e pronto". Esse trabalho, portanto, é um pequeno início das atividades científicas que acreditamos fazerem parte interdisciplinadamente na vida de cada um de nós daqui para frente, sem sermos dominados pela mídia ou outras formas de manipulação que nos faça ficar apáticos. Boa leitura e entendimento aos ilustres alunos do autor é o que se deseja neste momento!
(SOUZA, wallas c de)


Amar e "Ficar" são a mesmas coisas?

A despeito de tudo que podemos imaginar e entender sobre os nossos sentimentos, seja pela pura percepção de viver e experimentar a companhia do outro, ou por vermos simplesmente algo diferente nele assim também diante das simples coisas a nossa volta, às vezes até mesmo de forma interessante, motivante e, conseqüentemente, desejável; será que poderemos, dessa forma, dizer para nós mesmos, com toda convicção, que o real sentimento da vida, refletida no ato natural e ativo de amar (que sentimos para com as pessoas próximas a nós), aquele simples gesto que nos faz ter a sensação construtiva de realização total em nossa vida, tanto de prazer como também de afetividade; será que tudo isso poderá existir, em nosso meio, de forma que nos sirva como um forte ingrediente (em menor ou maior quantidade, que seja) na atitude "moderna", muitas vezes impulsiva, do que hoje em dia costumou-se chamar vulgarmente de "FICAR" ?

A nossa discussão aqui pretende estabelecer uma discussão construtiva de mais ideias que venham, junto a nossa, e longe de ser radical por isso, adquirir forças para uma análise mais profunda na tentativa de refletir o que é amar. Além disso, entendemos que é possível fazer, ao mesmo tempo, um parâmetro comparando essa análise com o fenômeno do ato de "ficar"; hoje em dia sendo um termo muito explorado pelos adolescentes e pela mídia, tornando-o cada vez mais comum.

Parece que a força atrativa e impiedosa desse termo reforçado pelos adjetivos a ele agregados como "moderno", "garanhão", "esperto" e "atualizado" em contraposição a outros como "atrasado", "careta", "nerde", etc. tem sido um atrativo incondicional para os jovens, ainda reforçado com a cobrança exagerada dos programas de TV, músicas e propagandas apelativas ao sexo e a vulgaridade do sentimento amoroso que, antes genuíno e verdadeiro, construía mais a ideia do que as pessoas são e sentem. O que há ainda de construtivo e afetivo no coração, fora da esfera impulsiva, está com forte tendência, hoje em dia, para se tornar mais um objeto. . . e um objeto de puro uso! Uma verdadeira "usura" no relacionamento entre as pessoas. Isso também deve ser refletido por nós nesta análise.

Busca do prazer! Eis a fonte para que muitos continuem, e com certa razão, na disputa incontrolável e cruel por mais satisfação pessoal. Com certa razão porque, sejamos realistas, todos nós: crianças, jovens, adultos ou idosos, buscamos algo que nos motive, que nos faça encontrar a felicidade (embora que hoje em dia, mais grave ainda, muitos têm incredulidade quanto a esse aspecto) e que também nos forneça alegria por completo. Contudo, vivemos numa esfera de certos jogos de interesses, embora que isso seja comum e natural em nossas vidas.

O problema é quando, na busca do prazer, ficamos dominados pela esfera emotiva e começamos a negociar os nossos sentimentos num ambiente de aparência e vaidade. De fato, é muito conveniente refletirmos o fato de que nós nos parecemos com uma máquina cujo manual de funcionamento básico nos sugere, de forma inevitável, que tenhamos um combustível para vivermos bem, obedecendo a uma voz interior que não nos deixa quietos e diz de forma impiedosa: "busque mais prazer!" "Supra incondicionalmente a necessidade do seu ego", "seja mais você e viva", "curta a vida enquanto pode", "não seja careta." Parece que esses pensamentos nos fazem, às vezes, aprisionados aos nossos impulsos emotivos fazendo-nos também ficar desesperados quando não satisfazemos essas necessidades e, por que não, ficamos até dominados por eles. Criamos assim uma forma, um modelo, um estereótipo quando, por essas coisas, queremos nos relacionar socialmente. Considerar, nesse contexto, uma simples orientação ou conselho de alguém mais racional seria considerado "caretice" e "atrasado". Tal consideração é um forte indício de que estamos na esfera estereotipada de nossa mente, que surge como fruto de um simples modelo ou estilo de vida emprestada até ao mais grave tipo de estereotipamento: aquele que se refere aos nossos próprios sentimentos.

Programas como "malhação" que diga: há uma forma básica para que duas pessoas sentimentalmente se relacionem de forma "ficante". Uma paquera ali outro beijo acolá, mas um encontro ali (de forma totalmente animal, "esperta", casual, "bonita" e momentânea) e, às vezes, o consequente fruto inesperado dessa "aventura": um filhinho pra rechear uma convivência sem freios, sem ao menos obter da pessoa amada um valor de compromisso, etc. Tem-se, assim, uma ideia de que "ficar" está na moda e quem o faz está completamente atualizado, afinal não se pode, nesse ponto de vista, aprisionar os nossos sentimentos por alguém, não é mesmo?! (O triste é isso ainda ser chamado de sentimento). É visto, portanto, que o fato dos adolescentes ficarem se beijando ao mesmo tempo numa verdadeira "festa do apê" da vida também seja uma forma aceitável e até apoiada pela mídia do momento para que você "viva feliz", "seja livre" e faça tudo o "que der na teia". Mas uma coisa me chama atenção: ter um filho quando a pessoa ainda é muito jovem é visto de forma altamente descabida e até desprezível pela maioria da sociedade. Na mesma sociedade que também acha lindinho a aventura sexual entre adolescentes. Isso não é uma reação incoerente em nosso ambiente que se diz "moderno"? Pense um pouco por meio desta ilustração: se comer fritura faz mal para a pele (por provocar espinhas) por que então apoiar, de forma incondicional, tantas batatas fritas e pastéis? Ninguém fala o que pode acontecer, é a função do marketing o fazer acreditar. Mais grave e escancarado ainda seria a aplicação disso ao cigarro e a bebida, etc. Logo, por que, no sentido figurado ao contexto dos sentimentos aqui mencionados, fazer tanta propaganda e programas que reforcem e forcem o desejo intenso para a prática incontrolável ao sexo? Que discurso interessante é esse, não?!

É "bonito", "moderno" dois pombinhos "ficantes" (e quanto mais jovem, mais engraçado e bonitinho seria), mas é totalmente pejorativa a consequência do ato sexual, tantas vezes apoiado pelas insinuantes menções ao prazer incontrolável e desenfreado na mente dos jovens que termine numa. . . gravidez indesejada! Questiono-me quanto a esse aspecto: será que ser "esperto" e "diferente", é ser "dominado" pelos impulsos da emoção no relacionamento entre as pessoas? Isso não seria um sinal de fraqueza por razão do forte bombardeio da prática abusiva, vulgar, comum e escancarada do "bundalelê" de hoje? Parece que "o gostoso", "prazeroso" e "bom" são valores que não fazem mais parte do mundo sentimental e sim usual. Isso é grave!

Desculpe-me, nada contra o ritmo da música do Latino; nada contra a animação que ele nos traz atualmente pelo ritmo que produz ao cantar, mas espere um pouco... as palavras colocadas na letra da "festa no apê", por exemplo (que ele diz ser um reflexo da real experiência de sua vida) tem indicação explícita ao sexo em grupo e o povo muitas vezes não percebe; cantam numa diversão ritmada tamanha! Antes, (e fora de aceitarmos ou não valores tradicionais em nosso meio) se alguém falasse para um pai ou uma mãe que a festa que você participou foi algo "bárbaro", era capaz do seu pai te bater. Não se preocupe... isso aconteceria numa época "careta", "atrasada", não é?

A minha ex-professora, Doutora pela USP, Ires Gardino, que nos diga: foi fortemente repreendida pelo seu pai (na sua adolescência) por ter achado uma determinada aula bárbara (falara isso diante da exposição de um assunto que revelava o valor e o sentido das palavras ao longo dos tempos). Quanto a ser atrasado ou não isso seria outra reflexão. Mas era uma época em que ainda sabíamos o que significava o valor das expressões do nosso vocabulário; era uma época em que ainda reconhecíamos que, de fato, tínhamos uma base, senão única, mas parte, com certeza, do nosso equilíbrio como seres realmente pensantes: a família; sabíamos quem era o nosso pai pelo forte respeito e consideração que a ele atribuíamos, reconhecíamos a nossa posição, honrávamos quem nos dava a mão e se dispunha em conduzir-nos nas nossas variadas dificuldades (que hoje em dia, apesar de muitos terem tantos conflitos interiores, não admitem, com coragem, humildade e realmente convicção, o fato de que precisa dizer uma expressão, advinda da experiência de vida de alguém por nós; a expressão é: ajude-me!). Enfim, era uma época em que sabíamos ser mais originais e perceptíveis quanto ao fato de que o outro a quem nos aproximávamos seria mais do que um simples objeto; seria alguém por quem tínhamos a oportunidade de extrair um valor que nos considerasse e, assim, completasse-nos; que nos fizesse também participantes de algo que se chama sentimento, porque, naquela época, construíamos muito mais ideias e ponto de vistas (não utópicos) do que simplesmente exibíamos o que não éramos e experimentávamos, de fato, pela troca de valores e não pelos julgamentos que fazemos a eles simplesmente.

Agíamos mais pelo coração; hoje, mais pelo que o sistema "roboticamente" nos impõe. Um "bom dia" que você pode dar talvez seja por pura e simplesmente questão de formalidade e não pelo sincero e necessário desejo de que alguém tenha, de fato, um dia agradável. O valor das palavras, portanto, perde-se atualmente e é espantoso como alguém canta um "bundalelê" e "orgia" sem, às vezes, nem mesmo ter a ideia comparativa entre essas palavras a fim de que haja um posicionamento mais crítico ou mesmo inconformista quando se refere à vulgaridade da prática sexual. "Orgia", por exemplo, é relativo a "devasso" que quer dizer "vulgarizar-se", "generalizar-se", "tornar-se comum". Um sexo vulgar envolve aqui mais de duas pessoas e tudo pode acontecer, inclusive a possibilidade da presença de doenças como AIDS, gonorreia, sífilis, Herpes genital, Tricomoníase, Pediculose genital, amebíase, "Linfogranuloma venéreo" (reflitamos mais sobre essas e mais outras inúmeras doenças sexualmente transmissíveis) e o HPV. . . nossa! Este aí é a causa principal de câncer na mulher e, em relação ao homem, o só encostar a pele na outra de alguém que possui o vírus já seria suficiente para pegá-lo, de forma irreversível, e ele ainda provoca o câncer no pênis. O que poderia parecer utopia começa a ter um sabor de mais realidade pela forma promíscua que adquiriu atualmente o "ficar" em nosso meio.

Convivi, no meu ambiente de trabalho, com enfermeiros palestrantes que me forneceram um pouco de esclarecimento construtivo sobre as doenças sexualmente transmissíveis, assim como alguns contágios e suas consequências em nosso corpo; palestras essas que deveriam fazer parte da "cesta básica" de nosso dia a dia, principalmente com essa onda de "baladas". Bom, mas o pior é que muitos têm esse vírus (HPV) e não sabem. . . contudo a "orgia" e "devassidão" continuam "rolando solto" sempre motivados, incentivados e induzidos como uma hipnose para cantarmos displicentemente numa só voz: "vai rolar bundalelê" ! Parece que tudo é aceitável nesse nível de vulgaridade sexual.

E agora? Será que não vamos ter mais prazer ou até mesmo nunca praticarmos sexo? Não é isso que estamos considerando aqui. E longe de sermos moralistas por isso. No entanto, o estranho é termos um relacionamento com pessoas que mal conhecemos e já acreditamos que podemos fazer tudo com ela, ainda na triste convicção de que estamos também suprindo os nossos principais anseios. . . só se for da carne, mas do coração está longe!. . . e cá entre nós, este último [coração] é, além de fundamental, o mais saudável porque não depende de "orgia" ou algo do gênero para sobreviver. Não sei por que, mas isso me incomoda e sempre me incomodou muito, além de que ao mesmo tempo proporcionou-me a exibição de um diagnóstico muito sério: estamos artificializando os nossos sentimentos a cada instante de nossas vidas pelas pessoas.

O que, na verdade, quase ninguém procura perceber; o que falta, infelizmente, na visão de muita gente é que o "modismo" que constantemente nos bombardeia chama-se "estereótipo". Daí vem mais uma reflexão para que aquilo mesmo que se denomina de sentimento seja de fato verdadeiro ou não. Veja, a ideia que fazemos de um casal adolescente se beijando na TV como mencionamos anteriormente, ou na exposição de uma figura de qualquer revista, de tal maneira que eles se expõem sem compromisso, com uma certa autonomia e totalmente "libertos" ; isso é uma coisa; contudo a prática amorosa, na realidade, nunca expressará, em sua totalidade, a real atmosfera e situação idealizada (é o que Platão já falava no "mundo das ideias" através do ?mito da caverna": contraposição entre a ideia e a realidade). Essas atitudes funcionariam, em nossa imaginação, mais como uma criação de inspirações possuídas de várias situações falsas do que aquilo que pudéssemos achar que fosse agradável, prazeroso ou até desejável na prática. O que quero dizer é que tal ideia e imagem perfeita que fazemos nesse tipo de figura provêm também, em grande parte, daquilo que absorvemos diante dos pontos de vistas e atitudes das pessoas com quem obtemos uma convivência mais direta ou nos servimos como modelo. Construímos, portanto, imagens falsas em nossa mente. Já disse Walter Lippmann que essas imagens falsas ou "representações mentais", com pequeno ou nenhum fundamento da realidade e de origem acentuadamente social, são denominadas "estereótipos" ? termo inclusive usado na psiquiatria para designar certas perturbações da mente em que a ênfase característica seria a repetição automática impulsiva de palavras, gestos e atos. O ato de "ficar", por exemplo, parece preencher esse último aspecto da estereótipo diante das imagens que criamos de prazer, não é?

Antes, o sentimento amoroso que surgia como fruto de um processo mais demorado e mais perceptível tornou-se aos poucos manipulado, obscurecido, esquecido e encoberto pela impulsividade. Mas se fosse apenas por uma impulsividade gerada pelos hormônios, naturais e espontâneos na vida de qualquer adolescente, já seria tão somente natural quanto poderia até mesmo ser aceitável. O que ocorre, e isso é preocupante, é que os meios de comunicação favorecem muito para que isso venha ocorrer de forma extravagante e vulgar. Há uma carência de criatividade, por exemplo, nos programas humorístico na TV, atualmente; de tal forma que se chegou ao ponto de valorizar mais o corpo físico das pessoas do que propriamente as suas ideias. Desculpe-me mais uma vez pela sinceridade, mas o "engraçado" seria, na atualidade, visualmente pornográfico. Pense um pouco quanto a esse aspecto: qual piada deve ser mais contada? Aquela que tem ou se ausenta de algum fator ligado ao sexo? E ainda há o reforço das apelações absurdas que vemos na televisão. Muitas exibições são mais para mostrar a nudez, às vezes com muitos ritmos (e ritmo musical aqui no Brasil é o que não falta para esse fim) do que a criatividade de expor ideias.

Ideias?! Existe esse negócio hoje em dia?! Ou será que tudo o que se pensa é fruto de empréstimos baratos e recicláveis da mídia aproveitando-se de instrumentos intelectuais plausíveis como revistas "CARAS", "MARISA", "ELE", "ELA", "CAPRICHO", "TI TI TI" etc.? Não que deixemos de aproveitar essas leituras, mas o problema é não termos autonomia e mais senso crítico com ideias construídas a partir de nossas próprias observações de mundo. Se até para buscar a origem de uma palavra é cansativo para muitos, o que dirá então daqueles que consideram como "caretice" ficar observando livros e construindo assim um posicionamento crítico? Assim é difícil. Eu sei o que essas revistas, por exemplo, diz e pensam, mas o que é que nós mesmos criamos de construtivo e reflexivo sobre o que ocorre a nossa volta? Qual é o nosso próprio posicionamento como fruto indispensável da nossa criatividade que antes de servir para querer destruir uma ideia, promove a construção de muitas outras?! Pensar assim não seria uma forma de "caretice" e sim de independência, verdadeira autonomia intelectual. Sei que o exemplo não é um dos melhores, mas ilustra a intenção de manipulação e independência: certo amigo meu disse que tinha calça da "TOPPER", tênis da "NIKE" e outros utensílios de marcas diversificadas. Eu ironicamente falei-lhe que a calça que eu tinha era minha mesma e tudo que estava vestindo tinha como marca o meu nome! Essa real sensação de liberdade me fez perceber que estava dando um passo a mais para sair do domínio do estereótipo social. Alegrei-me por isso. Quantos estereótipos temos que tirar aos poucos de nós para sermos realmente livres, não é? Principalmente quando formulamos um em relação ao relacionamento amoroso.

Certo domingo, assistindo a um programa de auditório, estava lá um rapaz se rebolando com o total apoio verbal do apresentador que constantemente o interrompia com elogios durante a música, e com aproximadamente 40 milhões de telespectadores assistindo-lhe. Bem, entendo humildemente por música o conjunto perfeito entre três bases que nos dão uma enorme noção construtiva e perceptiva do seu enredo, assim como da ideia do que se pretende passar com isso. São eles: melodia, harmonia e ritmo. Melodia é como se fosse o esqueleto da música, ou seja, possui toda a montagem lógica que servirá (no caso do corpo humano) como base sólida para que haja o enchimento inevitável e necessário da "harmonia" (que comparando ao ser humano seriam a "carne" e os "músculos").

Bom, mesmo tendo a melodia (começo, meio e fim) mais a harmonia, faz-se ainda necessário para produzir a música, de fato, o ritmo. Este item é considerado a "Vida" que esse "corpo" precisa para se expressar, pois é dele que vem o movimento. Pena que o cantor do programa em questão faz um refrão ritmado, que mais se liga ao movimento exibicionista das suas nádegas (na expressão "bundalelê") do que a intenção de acompanhar a melodia... e a melodia, nesse caso, ainda é, às vezes, falada... Onde está a harmonia, portanto?! Conclusão: isso é claramente uma música?

Bom, a mídia fez com que essa possível música e esse cantor estourassem as paradas de sucesso, mais pelo sabor do ritmo do que simplesmente por algo idealizado; ou seja, mais pela intenção de mercado do que realmente pelo que é construtivo, para criar um ideal ou uma sensação, que seja, mais realista a nossa volta. Que saudades dos grandes cantores que ainda pensavam em passar ideias, mudar um momento, uma atitude e dividirem-se entre a paixão e o amor pelo que faziam de forma que havia ainda claras (e, hoje, raras) intenções de inconformismo e até mesmo de dar valor ao que chamávamos e aprendemos a compreender sobre o homem. Cantores esses cujas melodias se tornaram clássicas e pelas quais posso tirar o chapéu. Mas todos os anos aparecem fenômenos cantantes e plastificáveis.

Lembremos agora de músicas recicláveis passadas, especificamente em algumas letras que já foram jogadas no lixo, mas que deixou, numa observação pessoal e observada, muitas garotas até grávidas; fator iniciado provavelmente pela motivação a prática impulsiva ao sexo. As letras que marcaram época nesse baixo nível sentimental foram: "Segura o tchan, amarra o tchan, segura o tchã, tchã, tchã, tchã, tchã" ; "Vou passar cerol na mão, vou sim, vou sim" ; "Mina, teus cabelos é da hora, teu corpão violão" e agora "Hoje é festa lá no meu apê (...) Tesão, Sedução ,libido no ar; no meu quarto tem gente até fazendo orgia. Tá bom. . .tá é bom. . . tudo é festa, pegação. . .vou zoar o mulherio e a chapa vai esquentar. . ." Voltando a ideia vocabular ... será que sabemos o significado dessa última expressão? Bom, talvez não nos preocupemos muito com ela. Deixa pra lá! O resultado de alguém que é conduzido nesse embalo poderá ser desastroso.

Buscar sentir as pessoas e compreendê-las parece, nesse contexto, ter sido trocado por apenas a mera atitude de aproveitar o que o outro tem de desejável numa atitude totalmente individualista de satisfação do prazer puramente sexual; porque a palavra "troca" parece não mais existir em nosso meio. E isso nos distancia cada vez mais do que normalmente poderíamos chamar de amor sincero que funcionaria aqui como algo recíproco, para adotarmos o "ficar" que é individual e descartável, assim como a MODA e a MÍDIA sempre pregaram e nós, lamentavelmente, aceitamos. E, em busca apenas do prazer impulsivo, do momento, do "domingão" do dia e suas inspirações plasticamente semanais, caímos numa verdadeira armadilha, pois não conseguimos controlar mais as nossas vontades e esquecemos que a o gozo que costumeiramente buscamos de prazer momentâneo seria só "fogo de palha." Assim, a sede por um viver real, por um sentido da própria vida parece ficar muito, mas muito distante de nós. Se o amor é mútuo, constrói-se inevitavelmente por uma troca constante. A reciprocidade seria uma prova de que temos participado de um amor sincero. Nesse aspecto não cabe o individualismo e muito menos o interesse superficial, muitas vezes encoberto e que nos empurra para dentro dos simples interesses hormonais frente a tudo, inclusive a sexualidade.

Parece que a nudez então foi assim mercadejada para gerar lucro em cima dos nossos pensamentos, emoções e vontades para a alta cada vez mais forte e lucrativa do ibope. Perguntamos mais uma vez, dessa forma, se nós nos relacionamos com as pessoas hoje em dia mais pelo que sentimos ou simplesmente pelo que desejamos ou foi-nos posto como "marca" para ter o desejo desse prazer que discutimos até aqui. Eis assim uma forte diferença entre "amar" e "ficar". O "ficar" é uma reação momentânea, fruto de uma manipulação e por deixar-se manipular no espírito de ser diferente, livre e merecer um prazer simplesmente emotivo, mas, lamentavelmente, estereotipada pela mídia e até mesmo pela sociedade que oferece uma "capa" e depois a vende para o seu público-alvo; já o "amar" é uma troca, fruto do sentimento genuíno idealizado e construído junto com a pessoa amada, fora do sexo aventureiro e descartável e muito longe da aparência. Ronaldo, o fenômeno, que o diga. Será que as pessoas têm sentimento por ele, pela "marca" que o Ronaldo representa, ou pela pessoa do Ronaldo? Esquecemos que nós somos seres que tem sentimentos, mas a propaganda não deixa isso ser considerado, às vezes. Já observei, em jornais, para muitos jogadores de futebol irem à falência porque muitos que estavam junto deles simplesmente não ligavam para a pessoa e sim para a "marca" que eles eram numa verdadeira busca de interesses entre os "abutres" do mercado. Recentemente Maradona disse em outras palavras que tudo o que a "marca" Maradona era já foi embora em termos financeiros.

É claro que aí também encontramos o fator "drogas", mas em muitos jogadores o envolvimento amoroso é enorme assim como as suas respectivas pensões ao separar-se judicialmente. E no caso do Ronaldo, longe de afirmarmos se há ou não interesses financeiros em jogo, parece que os interesses amorosos foram destruídos porque simplesmente foi visto a pessoa do jogador e não a "capa", a "marca" que motivava as reais intenções sentimentais pelo "fenômeno". Mas não seria legal "ficar", uma vez que isso nos traria mais experiências, ou até nos faria ter a chance de testar quem nós queremos ter um compromisso mais sério? Bom, se sabemos agora que esse ato produz uma aparência falsa da pessoa pelo qual temos um certo interesse, então teremos que considerar bem essa questão quando nos referimos à prática amorosa.

Veja, a mídia também transforma tudo, ou quase tudo que ainda resta de genuíno, em algo cada vez mais careta e vulgar impondo muitas vezes neles o modismo que desejar. Os sentimentos de amor são genuínos, mas o "ficar" não parece refletir essa sensação. A ideia pura e simplesmente do ato de "ficar" já se tornou por si mesmo, agora, a vulgaridade do que antes poderíamos chamar de sentimentos. E é a construção desse sentimento que nos dá bases sólidas para entendermos e possuirmos um amor verdadeiro. Muitos inclusive nem acredita mais nisso, pois a consciência já está acostumada diante de tantas interpelações e poluições causadas pelo que a mídia prega ser e pronto, ao ponto de chegarem a confundir o "amar" com o ato de "ficar" e começam acreditar que para amar alguém seria necessário fazer vários "testes" com as pessoas de forma a transformarem num simples objeto de prazer ou se confundirem, de forma irreversível, com a "marca" que fazemos dela.

"Os fins justificam os meios". Você pode estar imaginando. . .quem será que falou tal coisa? O nome do escritor foi Maquiavel. Você sabe quem foi Maquiavel? Talvez essa resposta não seja comum e, talvez, nem interessante para responder, pois não é comum mesmo alguém parar e pensar a respeito de uma palavra ou frase como essa, lamentavelmente. Mas uma coisa você pode estar certo: o que ficou fixo na memória de muitas pessoas foi a propaganda da bolacha "negresco". Quando em um movimento repentino solta-se uma bolacha da embalagem, e o vistoso rapaz que estava no quinto andar de um certo lugar tem uma reação heroica e inesperada: desesperadamente dar um pulo fenomenal e num movimento quase sobrenatural ele se esbarra todo no chão, mas salva enfim aquilo que nem sequer chega a cair por completo: A BOLACHA! Escora-se no último degrau da escadaria e come aquela bolachinha, com prazer, diante da frase que era lida por uma voz grossa e quase angelical: OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS. Veja, uma frase célebre, sendo terminada, justificada, adaptada e morta pela mídia numa simples "bolacha".

E onde fica Maquiavel?! Observe a comparação. Fala-se, portanto, do "ficar" com muitos valores agregados a ele, inclusive com o falso sentimento que ele promove, mas onde fica o sentimento genuíno que foi jogado na prática desse ato? Queremos uma relação usual ou duradoura? Com isso, podemos entender um pouco que o "ficar" não pode funcionar como uma justificativa para testar alguém em busca de um sentimento real que é a ferramenta única para construir o amor. "Ficar" seria uma questão de usura, de momento e de "marca".

É um pouco preocupante o fato de que estamos sendo cada vez mais usável do que percebidos; mais robotizados do que participativos; e, por fim, mais encaixotados e embalados para o mercado do prazer compulsivo do que valorizados pelo que realmente somos e podemos contribuir e construir com os que estão a nossa volta numa verdadeira troca saudável de experiência. O problema é, de repente, não termos consciência disso. Muitos até ainda querem ser esses objetos de uso descartável, mas não admitem o fato de que serão jogados fora oportunamente. E a depressão depois?! E o desgosto? Ou será que, tomando por exemplo um refrigerante, guardaremos, dentro de um bom senso, a latinha pra sempre? Pode esquecer! Vulgariza-se tudo hoje em dia, mas a questão da vulgarização e manipulação dos sentimentos é seríssima! Às vezes achamos que a vida é assim, artificial. Dificilmente damos o devido valor para as coisas mais simples se nós mesmos estamos em uma outra esfera. Algumas pessoas até podem achar que sentimento é uma coisa só.

No contexto pelo qual nos dispomos humildemente observar até aqui entendemos agora que não é bem assim. Há o sentimento revestido de expectativas que mais se preocupa com o momento, com o descomprometimento e com a superficialidade; e há um sentimento em que se busca a originalidade, construída passo a passo e que brota como fruto de um vínculo verdadeiramente afetivo (Olha que nós carecemos muito desse segundo momento). Mas qual é o fundamento de um amor sincero? Uma das evidências não se encontraria, no mínimo, na durabilidade de uma relação que é mais construída, percebida e compartilhada em termos de valores que podemos observar nas pessoas? E para isso é necessário que também nos dediquemos em querer conhecer a pessoa e não simplesmente a usemos como objeto de puro desejo ou aparência.

Aparência e realidade, eis as questões que poderiam também ser associadas, respectivamente, a dois tipos opostos de situações: aos sentimentos impulsivos encontrados no ato de "ficar" e aos sentimentos mais sinceros visto numa simples atitude de "amar". Quando alguém se dispõe a ser mais realista e tenta buscar motivação nisso para si e para os que estão ao seu redor, já é tido como um estranho diante dos que vivem simplesmente numa vida aparente.

O prazer momentâneo é superficial e requer de quem o usa uma "capa", uma aparência que será desmascarada no momento certo da vida em que não pudermos mais transformar tudo em usura como se fosse um puro objeto, pois nesse dia entenderemos que nós fomos assim também um instrumento descartável e nos sentiremos, consequentemente, mal; tão mal quanto qualquer pessoa se sentiria ao saber que não pôde deixar em si mesma um valor que servisse para o outro uma forma de amor sincero, transparente e, portanto, verdadeiro. Assim, manter uma aparência seria ruim e destrutivo porque adiaria cada vez mais as suas chances de construir e trocar qualidades e virtudes, como também transformaria a sua imagem em uma outra que talvez fosse muitas vezes irreconhecível para você mesmo. Pinta-se o cabelo, coloca-se vários "piercins", acrescenta-se gel em grandes quantidades no cabelo e... pronto, está firmado o compromisso com o estereótipo do "belo" para mais uma balada que pode ser até num "apê", por que não?. Quem é que está pronto nessa arrumação toda? Uma pessoa ou uma "marca", uma imagem criada de forma artificial? Esta é a pergunta que faço. Quem é essa pessoa que se aparentou em algo até interessante no modismo da balada por exemplo? Qual a imagem que ele quis passar para os colegas ou amigos da festa? Provavelmente poderá ser uma imagem de algo que se chame. . . "garanhão" ou alguma outra coisa do gênero.

Mas um fato é observável: aquela imagem construída não é dele mesmo! Veja, hoje em dia não é mais mostrado o valor que temos internamente, pois tais sentimentos estão, numa luta bombástica, escondido pela carapaça da aparência contra a originalidade. O "ficar" possui essas características até mesmo na busca incansável para tentar motivar o suprimento dessa necessidade de aparência que temos no relacionamento social.

E nesse hábito de viver de aparência e, futuramente, até tendendo a uma possível virtualidade em nossa convivência (lembre-se daqueles filmes futurísticos em que nada seria espontâneo e original), esquecemos de viver e expressar o que somos e temos, de fato. A arapuca da emoção seria o prazer do superficialismo dos nossos interesses individuais e isso nos faz ignorantes quanto ao fato de que podemos, e precisamos, construir, de forma recíproca, um sentimento verdadeiro. Trabalhamos e estudamos dia e noite. As nossas ocupações, seja ela qual for, faz com que o nosso "bom dia" seja cada vez menos bom dia, assim como o "você está bem" está seja mais burocrático. Observamos assim que existem pessoas a nossa volta, mas não compreendemos que elas e nós mesmos necessitamos de uma forte amizade e afeto.

Trabalhamos muito e esquecemos da nossa família e amigos (diferentes de colegas) de compartilhar bons momentos com ela, por exemplo, (que um dia poderá ficar inevitavelmente distante de nós) extraindo o necessário e proveitoso valor que faz parte da nossa própria essência como seres vivos e pensantes que se diferencia dos animais também pela compreensão mútua que extraímos no vínculo de afeto, carinho, amizade e gratidão (palavra esquecida por razão do egocentrismo que temos e a falta dela demonstra que não temos o amor sincero). Ora, se nós mesmos, nessa dinâmica da vida, mal nos vemos sentimentalmente ligados com e por alguém, como ficaria então o prazer que seria uma necessidade normal entre nós? Com certeza o buscaremos, mas buscaremos de forma rápida e casual. Eis aí mais uma vez uma triste solução "moderna" para encobrir uma reação de prazer, antes espontânea e verdadeira: o ato de "ficar".

"Ficar", portanto, sugere "estacionar" ; parar no tempo; ficar na depressão por não conseguir algo concreto para a nossa vida; ficar no desespero por não suprir as suas reais necessidades sentimentais e nem a do próximo (causando fortes e inúmeras decepções ? é bom termos cuidado, pois poderemos perceber isso um dia, na prática); ficar na tristeza por não acompanhar o modismo do que é "bonito" e "garanhão" que sugerem ser ferramentas cruciais nesse tipo de fenômeno; enfim, ficar trancado nos nossos próprios desejos e mundo sem crescer porque ficamos, dessa forma, parados no tempo em um sentimento travado e pobre de si e do outro como mais um objeto cheio de inspiração, mas sem uma utilidade prática que gere um amor e uma troca verdadeira.

Quem está na moda realmente não devia ser mais um "bam bam bam" ou "pavão" de calda colorida, vistosa e dissimulada aos olhos de muita gente. Os valores estão, na verdade, invertidos e ao tentarmos, por isso, inspirarmos nos hábitos dos nossos antepassados já não seria aqui "caretice", mas sim uma fulha. Não dar para mostrar uma "capa" se na verdade queremos a transparência; não dar para vivermos com fingimentos sentimentais, seja em nível amoroso ou fraternalmente falando, se o que queremos é uma relação genuína; não dar enfim, para criarmos uma falsa imagem de nós mesmos para os outros se soubermos que o pior amor é aquele que se constrói como fruto de uma dissimulação e, consequentemente, numa possível e desnecessária inimizade depois.

Realmente será que encontramos os verdadeiros sentimentos abordados até aqui? Certamente poderemos até estar um pouco decepcionados conosco mesmo, ou conformados, mas, de fato, buscávamos sempre algo que pensávamos ser interessante para nós e percebemos muitas vezes que "ficamos" longe de realmente desfrutar um relacionamento duradouro. "Ficamos" presos em nós mesmos na tentativa teimosa e intacta de que no ato de usar o outro como um simples objeto de desejo tivemos um prazer rápido e isso ainda se justificaria por meio do nosso destrutivo individualismo. Assim, não há troca, não há mais reciprocidade, acabaram-se as idéias, deixou-se o sentimento em troca apenas do desejo carnal e do momento, acabou-se, portanto, o homem... por insistimos teimosamente na idéia fixa de que "FICAR" é tudo e, assim, ficamos, literalmente presos nos impulsos emotivos vulneráveis e na própria vida.

Ficamos também abrasados e atrasados ao mesmo tempo em nosso próprio mundo sentimental, que, cá entre nós, ainda seria o único recurso para que se construísse, ao invés dos impulsos estereotipados da emoção, o que verdadeiramente poderíamos chamar de um sincero, duradouro, profundo e escasso AMOR genuíno. Ao contrário do "ficar", "amar" faz com que tenhamos a forte e espontânea dedicação de fazer uma entrega total, sem medo para quem temos ou construímos uma forte consideração e, depois, termos uma inevitável gratidão.

Além da Aparência! Hoje, aprendi uma lição em minha vida. Que amar é muito mais que ver a aparência de alguém ou mesmo ter uma certa imagem de afinidade com ela. Um homem pode ter músculos, aparentar um aspecto jovem, forte e ser iluminado, ter uma cabeça boa, cheia de ideais, perspectivas (ou seja, não é um tapado, manipulado e inútil); pode ter valores maravilhosos e até mesmo um foco diferente dos outros a sua volta, do mundo manipulado, comum, seco, frio e muitas vezes indiferente aos sentimentos do coração. Nesse sentido, idem ao aspecto feminino também.

Mas, meus amigos, percebamos um fator que só a experiência pode nos trazer mais luz: que o amor depende de uma sensação de carinho que vem dentro de uma correspondência que já traz, em si, um pouco de cumplicidade (no aspecto mais prático); e no sentido mais sentimental, um sonho! Mente quem diz não sonhar. A paixão assim parece nascer, mas isso ainda não é amor. Agora, entenda: com ela também nasce a vontade de poder estar junto, sofrer as possíveis dificuldades e ter o desejo quente no íntimo de corresponder, preocupar-se e compreender quem gostamos. Aqui, qualquer jogo não significa sentimento puro. Cabe nesse momento a correspondência.

Essas características parecem determinar uma relação que se sustenta, seja com provações iniciais ou com as incertezas que nós mesmos criminosamente colocamos, e vai criando um vínculo gostoso, prazeroso e fiel. Sem percebermos claramente, já estamos saindo do senso comum, ficamos presos a uma irracionalidade, sofremos com um sorriso estampado na cara e apagamos o passado com a perspectiva vontade de saber o que o merecido futuro nos aguarda: a felicidade. Sem perceber estamos começando a amar, e isso não é algo que vem com o tempo (como muitos incrédulos e pessimistas dizem), pois o começo do amor pode existir com essa relação recíproca de correspondência entre duas pessoas que veem mais do que físico ou de uma possível afinidade; ver também o coração, parte genuína de quem realmente quer se entregar e ter um complemento.

E sem percebermos notamos que o musculoso talvez não nos agrade, e a moça especial não seja a modelo que o mundo todo espera que tenhamos. E o artificial é trocado pela originalidade e os hormônios estão abaixo do sentimento. Isso sim é amor! Não se explica, não se indica, não se opina, apenas se sente, e sente quando a lógica é quebrada, o bom senso é deixado de lado e a sua autonomia e independência começa a existir, longe de amigos, longe de especialistas, apenas com a sua consciência e prazer pessoal, junto ao seu travesseiro, dormindo com um sorriso raro. Não há conselhos que subjuguem o mistério da união com amor entre duas pessoas. A nossa felicidade estará, nesse contexto, quando nós, de forma autônoma, e em nosso silêncio,experimentarmos isso.

O amor é um mistério! Fora disso, somos apenas um produto de mercado pronto para ser usado e já sabendo que vamos ser substituídos um dia, pois os fracos é quem dizem com orgulho frases feitas como " a fila anda", "o que passou passou", "bola pra frente". Claro que precisa falar isso, pois são vitrines para serem usados e depois trocados. Parabéns pela falta de personalidade como se homens e sapatos velhos fossem a mesma coisa. Amar assim é uma questão também de coragem e o prêmio para isso é a sensação e paz de felicidade, pois é uma conquista; enquanto que para o artificialismo do ato de ficar tem também um outro inevitável prêmio: a depressão ou o vácuo de ser humano, vendido, usado e acabado. A ressaca é para esquecer aparentemente essa triste, mas inevitável, sensação.


Contudo, fazer uma entrega não é uma tarefa tão simples. Isso requer uma aposta. Mas ela só acontece quando realmente somos determinados a amar alguém sem reservas e julgamentos prévios; sem a preocupação de pedir do outro um favor ou retribuição pelas nossas atitudes. E nesse aspecto mora, infelizmente, uma falta da nossa percepção! Vivemos mais artificialmente do que por sentimentos; analisamos um ao outro mais do que propriamente nos sentimos; rotulamos muito mais do que verdadeiramente conseguimos ver ou entender das pessoas a nossa volta; deixamos, enfim, de viver porque não temos autonomia e prazer de sentir e se preocupar, de fato, com o próximo.

Mas isso não acontece provavelmente porque tenhamos medo de se entregar e fazer a devida e necessária consideração de carinho, sem limites para com aquele que está perto de nós e por quem podemos mostrar uma atitude de consideração e afeto. Ao nos preocuparmos com esse tipo de relacionamento perguntaríamos se valeria a pena fazer uma entrega de nossos sinceros sentimentos se corremos o risco de não sermos correspondidos ou até mesmo desprezados por quem nos dispomos realmente amar!

Mesmo que tudo dê errado, mesmo que chegando ao fim de nossas histórias e concluirmos que a aposta feita não foi tão satisfatória ou a mais certa possível, uma coisa será tão marcante e gratificante que o saldo da novela das nossas vidas, que é curta, será positivo; ou seja, na história de quem ama pode ser colocado um currículo precioso e que está em falta hoje em dia no mercado do coração de muita gente por causa da preferência das pessoas a nossa volta por um relacionamento artificial, usual e aparente: quem ama se entrega e quem se entrega pode dizer que realmente viveu um dia!

(SOUZA, wallas c. de. 11/05/2005)