O que acontece quando a vida não corresponde às nossas expectativas? O que acontece quando, sem nos darmos conta, colocamo-nos em situações determinadas de forma inconsciente, aos mais complicados desfechos? Como as coisas chegam a esse ponto? Como os nossos pensamentos, conduzem as nossas ações, sem que no decorrer de todo o processo, consigamos mudar em tempo? Em tempo de não nos arrependermos... E finalmente fazer algo extraordinário.

Era o que se questionava a todo instante, inquietantemente, em meio à insônia que pairava os ares da casa. Olhava para o teto, sem conseguir definir os brotos de massa corrida. Fechava os olhos sem qualquer pretensão de abri-los, mas com a intenção de cerra-los magicamente em um selar definitivo. Sempre foi difícil lidar com as vicissitudes dos acontecimentos. Não porque eram difíceis, mas porque para ele era especificamente extenuante. Não porque tudo o que vivera o fez diferente, mas porque nada o fazia diferente de ninguém. Eram as mesmas complicações, nomeadas categoricamente com sentidos similares. Dor, amor, solidão, frustração... (que desperdício de tempo, não há nada de novo nos problemas humanos).

Desistindo das tentativas, levantou-se aos poucos... como se por mais que o sono não adentrasse sorrateiramente em suas retinas, a alma não quisesse sair do colchão, sabendo que aquele movimento, o levaria à mais uma noite em claro. Em mais uma desgastante madrugada viciante. Vícios, cigarros... aquele olhar penetrante no nada inefavelmente neológico. Mas tão comum quanto o de qualquer um ser existente (tudo se repente a todo instante, não há nada, além desse vazio que você não quer aceitar).

Acendia um cigarro... olhava a noite escura, sem objetos definidos. Tudo turvo, em tons de cinza e preto. Tudo longe, em fundo negro. A fumaça do cigarro penetrava em seus pulmões, corroendo lentamente cada alvéolo. Queimando lhe as entranhas... Fechava os olhos para sentir o prazer de respirar e o alívio de soltar o alcatrão fétido pela boca... fugindo ainda um pouco pela narina. Sorria-se ironicamente porque Nietzsche se fazia mais uma vez presente (mais clichê que citar Nietzsche...). O eterno retorno. Tudo volta às suas origens. Tudo o fazia lembrar-se das dificuldades que era ter se tornado aquele cara. Aquele indivíduo (apesar da mesmice, adoro esse detalhar das coisas, é tocante).

Com os olhos vidrados... os pensamentos furtivamente corria-lhes pelos neurônios. Conectavam-se as malditas (e benditas – depende do que ele vai pensar) lembranças dos momentos passados. Eram emaranhados de sentimentos, pensamentos, recordações... brincadeiras. Danças em meio à sala limpa. Pulos pelos móveis... olhares penetrantes e profundos que lhes davam aquela segurança insegura. Aquele sentimento de ter encontrado a pessoa certa, mas o medo de que ela um dia fosse embora.

Com os braços debruçados sobre as grades da varanda... O cigarro queimava em mais uma futura e mortífera tragada. O olho direito ardeu com a fumaça... e o canto da boca esquentou, fazendo-lhe remover com rapidez a bituca, enquanto ele ainda tragava... aquele som de quem ainda puxava a fumaça se fez, como um assovio de fora para dentro. Ar e fumaça misturavam-se dentro dos pulmões... um soprar forte e feroz, expeliu tudo de uma só vez. Era difícil pensar sem se martirizar. Entendia que tudo o que vivera o fez ver o amor de uma forma muito peculiar... preenchimento.

- Preenchimento de que? Ele se perguntava.

Saiu e andou de um lado para o outro por um tempo. A alma já sabia de todos aqueles movimentos e perguntava-se até quando isso seria assim. Sem saber como ajuda-lo, fá-lo sentir uma vontade de pular pela varanda. Porque ela o fez sentir que continuar naquilo, já não fazia mais sentido (momento suicida... não sei se me preocupo ou se acho as coisas mais interessantes. O suicídio é a liberdade de extinguir com o próprio sofrimento, sem mais sofrimento). Olhou pela porta... pegou impulso, respirou fundo, e no primeiro passo para o salto definitivo, tropeçou no tapete... gritos desesperados... Arranhões e quedas completavam aquele momento desconcertante (Constrangedor...). Caído... com as pernas arranhadas, de costas para o teto. Olhava para o tapete velho da sala de estar... perguntava-se porque ainda não tinha jogado tudo pela janela, como já havia feito com outras coisas. Gritou uma penca de palavrões, dos mais antigos, e... num instante, riu-se de toda a situação.

Sentou, e olhou pela porta da varanda... por entre as grades. Fitou o nada depois de tanto rir. Não sabia o que sentia. Era tudo muito misturado... Era difícil distinguir os sentimentos... Era uma mistura de angustia com culpa. Um emaranhado de desespero com arrependimento. Ficou de joelhos e debruçou nas próprias coxas, como nas orações diárias do islamismo. Rendendo-se a tudo aquilo (inclusive na incapacidade de fazer algo útil), pediu aos deuses, ou Deus... ou quem quer que ajudasse os moribundos dos sentimentos. Sentiu um fio de algo diferente... Parecia que alguma coisa havia acontecido. Sem se dar conta... percebeu-se orando como se fizesse aquilo há muito mais tempo do que conseguia recordar. A boca mexia sozinha... e soltava sons estranhos... uma língua estranha.

Meio assustado e consciente, levantou-se de sobre os joelhos e começou a andar pela casa com a boca mexendo emitindo sons estranhos. Era uma voz diferente... não parecia vir das suas cordas vocais. A voz lembrava lhe alguém forte, sereno e austero (eita). Foi quando sentiu uma pressão forte dentro do peito... e uma espectro de ectoplasma saia de seu corpo. A boca parava de mexer... Olhando para aquela coisa que saia de si, no mesmo formato e tamanho dele.

Assustado... apenas olhava vividamente aquele vulto estranho. Não havia uma forma definida... só era algo diferente. Emitindo sons e sons... tentando comunicar-se (talvez) com o seu criador. De repente, ele teve uma sensação de alívio. Havia sentido uma leveza no próprio existir... o ser que se materializou não era nada além que sua própria racionalidade... um alter ego criado num momento de desespero (gostei). E ele só olhava e repetia o que o seu criador dizia... Descontextualizado.

Nem lembrava mais do motivo pelo qual tudo aquilo estava acontecendo, viu-se enlouquecido. Essa dimensão da racionalidade foi além do que ele podia explicar. O vulto meio que sentou-se no sofá... e ele, só tentava entender o que era aquilo. Foi quando aquele ser indefinido, aparentemente, disse:

- Faz o que você tem que fazer!

Ele arregalou os olhos. Estupefato. Ouviu com clareza e nitidez as palavras ressoadas (faz o que você tem que fazer, a coisa disse... O que ele tem que fazer? Será que ele sabe?).

- Fazer o que eu tenho que fazer?! O que isso quer dizer? Questionou-se.

- Faz o que você sabe que deve fazer!

Ao ouvir dessa vez... um arrepio subiu-lhe a espinha. Um suor frio escorria pela face... Ele sabia o que tinha que fazer. Só não imaginava que aquele era o momento adequado (o que ele tem que fazer?).

Parou para refletir mais um pouco, nada além de alguns segundos, mas pareceu meio óbvio. Andou até a bancada, e pegou as chaves da casa com uma serenidade bizarra. Sem se preocupar... sem mais refletir... sem nada pegar. Saiu, desceu as escadas... deixou para trás a porta entreaberta, os animais fugindo... passou pelo portão da entrada. As pessoas... as coisas... tudo passava despercebido. Tudo... Era hora de ir... e deixar tudo para trás.

(acho que entendi...)