SINOPSE DO CASE DE DIREITO DE FAMÍLIA: ALIENAÇÃO PARENTAL1

 

Leonardo Leitão Salles2

Anna Valéria Cabral Marques3

  1. 1.      DESCRIÇÃO DO CASO

Camilla e Rodrigo foram casados por 10 anos e do relacionamento nasceu Fernanda, filha do casal. Quando Camilla descobriu que Rodrigo a traía com Zélia, que era sua grande amiga de infância, pediu a separação e passou a ter a guarda única de Fernanda, indo morar na casa de seus pais.

Dona Carmem, mãe de Camilla e avó de Fernanda, magoada com a separação da filha e pelo modo como se deu, sempre que pode fala mal de Zélia para a neta Fernanda, chegando a dizer para que nunca mais deixe a Zélia dar-lhe banho, por ter observado que ela apresenta marcas roxas dos beliscões que Zélia lhe dá. Dona Carmem diz ainda que a Zélia trai constantemente Rodrigo com outros homens.

De uns tempos pra cá, Dona Carmem diz para a neta que o seu pai prometeu ir busca-la para passear e depois que Fernanda se arruma e fica esperando por seu pai, a informa que o pai não virá, pois a Zélia não queria sair para passear com ela. No meio dessa teia de mentiras inventadas pela sua avó, Fernanda passa a não querer ir mais à casa do pai e repudia a presença de Zélia, tornando-se agressiva e arredia a todos. Sábado passado foi o aniversário de 10 anos de Fernanda, que ao ver seu pai chegar acompanhado de Zélia, irritou-se e disse ao pai que o odiava e que não queria mais vê-lo, tentando suicídio em seguida, ao se jogar do terceiro andar do prédio. Rodrigo fica mais desesperado ainda ao saber que Camilla vai se mudar na calada da noite para outro estado com a sua filha.

1.1  IDENTIFICAÇÃO DOS PROTAGONISTAS

Rodrigo: Ex-marido de Camilla, com quem foi casado por 10 anos e teve uma filha chamada Fernanda. Busca informações sobre como agir para impedir que Fernanda seja alienada pela avó e que Camilla se mude para outro Estado com a filha do casal.

Camilla: Ex-mulher de Rodrigo, de quem se separou após 10 anos de relacionamento por descobrir a traição deste com Zélia, sua amiga de infância. Ao se separar e ter a guarda única da filha Fernanda, foi morar com os pais.

Dona Carmem: É a mãe de Camilla, desde que a sua filha e a sua neta foram morar na sua casa, sempre que pode fala mal de Zélia para a neta, chegando a fazer acusações e a inventar histórias inverídicas ao seu respeito. O que faz com que Fernanda repudie a presença de Zélia, não querendo mais ir para a casa do pai.

Fernanda: É a filha do casal, que sofre alienação parental principalmente por parte da avó materna, que fala mal da madrasta de Fernanda e cria histórias inverídicas ao seu respeito, o que acaba comprometendo o vínculo de Fernanda com o seu pai, a ponto dela não querer mais ir até a casa dele por causa de sua madrasta Zélia.

Zélia: É a amiga de infância de Camilla, tem um caso com Rodrigo desde quando ele ainda era casado com Camilla. Zélia é a madrasta de Fernanda, a quem Dona Carmem difama e atribui histórias inverídicas.

1.2 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

O que se busca analisar neste caso é se as condutas de Dona Carmem e de Camilla podem ser configuradas como alienação parental e quais seriam as consequências disto.

  1. 2.      IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

 - Alienação parental por parte de Dona Carmem e de Camilla

Quando ocorre uma separação, a guarda dos filhos menores passa a ser disputada entre os pais, podendo haver soluções consensuais sobre a guarda, em que os pais decidem de maneira “amigável” e extrajudicial a guarda do filho. Porém, não sendo consensual o acordo, caberá ao juiz decidir com quem ficará a guarda do menor, sempre buscando a forma mais adequada e que melhor atenda os interesses do menor.

A guarda do menor pode ser exercida unilateralmente, que é o caso da guarda única, ou de forma conjunta, no caso da guarda compartilhada. A guarda única ou unilateral, conforme disposto no art. 1.583 do Código Civil, “é aquela atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua”. Ou seja, o detentor da guarda da criança ou do adolescente fica com a responsabilidade exclusiva para decidir sobre a sua vida, cabendo ao outro a supervisão da criação do filho, tendo direito à visitação. A parte final do caput do art. 1.583 do Código Civil, dispõe acerca da guarda compartilhada: “e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. É aquela atribuída a ambos os responsáveis pela criança ou adolescente, que passam a dividir direitos e deveres relativos ao filho.

De acordo com a Lei 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental, em seu artigo 2º: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. Isto quer dizer que a alienação parental ocorre quando um dos genitores, avós ou quem detiver a criança sob a sua autoridade transmite informações falsas e/ou distorcidas para a criança ou o adolescente sob sua guarda, fazendo uma imagem ruim do outro genitor ou até mesmo em relação a outras pessoas do convívio familiar, que não tenham a guarda da criança ou do adolescente.

No caso em análise, após Camilla descobrir a traição cometida por Rodrigo com Zélia, se separa dele e passa a deter a guarda única de Fernanda, filha do casal. A guarda única permite a aquele que detém a guarda com exclusividade possa controlar o filho, porém, ao exercer este poder de forma extravagante, poderá desequilibrar o vínculo do filho com o outro cônjuge. Após a separação, Camilla e Fernanda passam a morar com os pais de Camilla. Dona Carmem, que é a mãe de Camilla, deu a sugestão para que a filha se mudasse junto com Fernanda para outro Estado escondida. Caso Camilla se mude de fato com Fernanda para outro Estado, estará configurado o ato de alienação parental por parte de Dona Carmem e de Camilla, pois com esta atitude elas estariam causando prejuízo à manutenção do vínculo de Fernanda com Rodrigo.

O inciso VII, do parágrafo único, do art. 2º da Lei 12.318/10 dispõe uma forma exemplificativa de alienação parental: “mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós”. No caso em análise, Camilla pretende seguir a ideia sugerida por Dona Carmem de se mudar na calada da noite com Fernanda para outro Estado, e se assim o fizer, restará configurado o ato de alienação parental.

- Alienação parental por parte de Dona Carmem contra Zélia

No caso em análise, podemos observar que desde que Camilla e Fernanda se mudaram para sua casa, Dona Carmem, que ficou muito magoada com a separação da filha, sempre que pode fala mal de Zélia para a neta. A avó chega a dizer para a neta que esta não deixe mais Zélia lhe dar banho, pois tem observado marcas roxas de beliscões dados por ela, além de afirmar que a Zélia trai constantemente o pai dela com outros homens. De uns tempos pra cá, Dona Carmem passou a dizer para a neta que o seu pai prometeu ir buscá-la para passear, depois que Fernanda se arruma e passa horas esperando pelo pai, a informa que o pai não irá mais buscá-la, pois a Zélia não queria passear com ela.

Com tantas mentiras contadas pela avó, Fernanda passa a não querer ir mais até a casa do pai, além de repudiar a presença de Zélia. Sábado passado foi o aniversário de 10 anos de Fernanda, que ao ver seu pai chegar acompanhado de Zélia em sua festinha, irritou-se e disse ao pai que o odiava e que não queria mais vê-lo, tentando suicídio logo em seguida, se jogando do terceiro andar do prédio.

Da análise do caso em questão, podemos observar que a conduta de Dona Carmem não recai diretamente sobre a pessoa de Rodrigo, porém, ao falar mal de Zélia e fazer afirmações falsas ao seu respeito, Dona Carmem acaba comprometendo o vínculo existente entre Fernanda e Rodrigo, o que abala a relação entre pai e filha. Com tantas mentiras contadas sobre Zélia, Fernanda passa a não querer ir mais até a casa do pai e repudia a presença de Zélia de tal forma, que em seu aniversário de 10 anos, ao ver o pai chegar acompanhado dela, disse a ele que o odiava e que não queria mais vê-lo.

Como visto anteriormente, o parágrafo único do art. 2º da Lei 12.318/10 dispõe sobre formas exemplificativas de alienação parental, e em seu inciso VI: “apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente”. Portanto, a conduta de Dona Carmem ao interferir na formação psicológica de Fernanda, apresentando falsas denúncias contra Zélia, o que obsta a convivência da neta com o pai, causando prejuízo à manutenção do vínculo de Fernanda com Rodrigo.

Logo, a conduta de Dona Carmem poderá ser configurada como um ato de alienação parental, pois ao difamar a madrasta para a neta, acaba comprometendo o vínculo existente entre ela e o pai. Isto ocorre de forma tão grave que Fernanda chega ao ponto de dizer ao pai que o odeia e que não quer mais vê-lo, tentando suicídio ao se atirar do terceiro andar do prédio.

2.2  CONSEQUÊNCIAS DA ALIENAÇÃO PARENTAL

Em ambas as situações configuram-se hipóteses de ato de alienação parental, caso seja constatada e comprovada judicialmente, poderá acarretar em consequências para os alienantes da criança. Tais consequências estão elencadas no art. 6º da Lei 12.318/10 e serão aplicadas caso se confirmem os atos típicos de alienação parental, cabendo ao juiz aplicá-las cumulativamente ou não, a depender da gravidade do caso. Conforme disposto nos incisos do art. 6º as consequências são: declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou do adolescente; declarar a suspensão da autoridade parental.

No caso em análise, com as mentiras contadas pela avó, Fernanda passa a não querer ir mais até a casa do seu pai, pois repudia a presença de Zélia, tornando-se agressiva e arredia. Além de não ir mais para a casa do pai, em seu aniversário de 10 anos, Fernanda se irritou ao ver seu pai chegando acompanhado de Zélia e disse a ele que o odiava e que não queria mais vê-lo, tentando suicídio logo em seguida.

Sendo vítima da alienação parental, Fernanda foi muito afetada pelas histórias contadas por Dona Carmem a respeito de Zélia, o que comprometeu de forma grave o seu vínculo com o pai, Rodrigo. Além disso, Camilla decidiu seguir a sugestão de Dona Carmem de se mudar na calada da noite para outro Estado com Fernanda. Diante do caso concreto, ao serem comprovados os atos de alienação parental, o juiz irá decidir o melhor futuro para Fernanda, provavelmente determinará um acompanhamento psicológico para Fernanda, além de alterar a guarda única de Camilla para guarda compartilhada entre os pais ou até mesmo inverter a guarda para Rodrigo.

2.3  CRITÉRIOS E VALORES CONTIDOS NA DECISÃO

A responsabilidade dos pais em relação aos filhos é um dever irrenunciável. É uma responsabilidade comum dos genitores, conforme dispõe o art. 227 da Constituição Federal, que afirma: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Maria Helena Diniz (2008) afirma que o poder familiar é “o conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido pelos pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho”. Portanto, no caso em questão, ainda que estejam separados, Camilla e Rodrigo exercem o poder familiar sobre Fernanda, pois ao contrário da guarda, que com a separação terá que ser definida, o poder familiar é exercido pelos pais.

Com a separação de Rodrigo e Camilla, esta passou a ter a guarda única de Fernanda, indo morar na casa de seus pais com a filha. Dona Carmem, avó de Fernanda, contou diversas histórias inverídicas para a neta a respeito de Zélia, sua madrasta, com quem Fernanda possui parentesco por afinidade. Tais histórias falsas, além da provável mudança de Camilla com a filha para outro Estado, comprometem o vínculo de Fernanda com Rodrigo e podem ser configurados como atos de alienação parental. 

O art. 3º da Lei 12.318/10 dispõe: “A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda”.

REFERÊNCIAS:

 

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL, Lei n. 12318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF.

DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.