ALGUNS ASPECTOS DA OBRA MACUNAÍMA, O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER, DE MÁRIO DE ANDRADE Por: Núbia Litaiff Moriz – Universidade do Estado do Amazonas – UEA/CEST. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, obra publicada em 1928, de autoria de Mário de Andrade, aborda, na literatura, as questões da cultura brasileira como o uso dos mitos folclóricos, lendas, adágios populares e, sobretudo, revela o aspecto mítico e fantasioso que possibilita que as personagens da obra “naveguem” sem nenhum limite na narrativa andradiana. Em Macunaíma, um aspecto mítico é representado pelo uirapuru, visto que o passarinho revela a Macunaíma que a pedra da sorte (a muiraquitã) presente de Ci, a mãe do Mato, está com o peruano Venceslau Pietro Pietra, o gigante Piaimã, comedor de gente. Na obra, os ditados populares são exemplificados pelos próprios discursos de Macunaíma: “– Paciência. A gente se arruma com isso mesmo, quem quer cavalo sem tacha anda de a-pé...” (ANDRADE, p.41) e há referência à várias lendas amazônicas, entre elas, a lenda do guaraná: “no outro dia quando Macunaíma foi visitar o túmulo do filho viu que nascera do corpo uma plantinha. Trataram dela com muito cuidado e foi o guaraná...” (ANDRADE, p. 29). Constata-se que a linguagem é colorida, ambígua, coloquial, regional, cheia de citações e provérbios populares, mistura prosa com poesia e quadras populares. A narrativa contém erros, neologismos como “desinfeliz” e “satisfa” e expressões que lembram Guimarães Rosa, o autor de Grande Sertão: Veredas. Após análise da obra, constata-se que é justamente através da rapsódia do modernista Mário de Andrade que surge a linguística com suas adaptações brasileiras: gradativamente, vai se introduzindo na literatura o “jeito como se fala” do povo brasileiro. O próprio Mário de Andrade afirma que o vocabulário utilizado em Macunaíma contém “um ritmo mais dengoso e balançado, que é bem jeito brasileiro desta nossa raça misturada do índio deslizante e do negro dançador”. Embora outras tentativas de incorporação da linguagem popular à literatura brasileira já estejam presentes em Inocência, de Visconde de Taunay e mesmo em Os Selvagens, de Francisco Gomes de Amorim, é, a partir da rapsódia amazônica que fundamenta-se uma linguagem nova, capaz de romper com a língua padrão e com o sistema cultural vigente literário. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter é uma obra-prima, uma narrativa classificada como rapsódia por acumular, conforme afirma o teórico Cavalcanti Proença (1955), “um despropósito de lendas, superstições, frases feitas, provérbios e modismos de linguagem”, tudo sistematizado e de tal forma entrelaçados, que juntos formam a paisagem brasileira e a figura do brasileiro comum. Macunaíma como personagem, constitui “uma pesquisa do imaginário brasileiro sobre sua própria identidade” (JAFFE, p.51). A obra que já foi chamada de bricolagem, a rapsódia, meio epopeia, meio novela picaresca, apresenta o nosso herói literário como um malandro, astuto, inteligente, oportunista e preguiçoso. Assim, Macunaíma, constitui “a personagem configurada com pedaços do Brasil” como afirma  o crítico literário Afrânio Coutinho (1999, p. 291). Quanto ao perfil da personagem Macunaíma, o herói de Mário de Andrade foi recolhido da obra do etnólogo alemão Koch-Grünberg e o teórico literário Paulo Prado descreve a personagem como a simbologia do “modo de ser brasileiro”. Macunaíma é preguiçoso, luxurioso e sonhador, adjetivos peculiares ao povo brasileiro. Em conformidade com Darcy Ribeiro, Macunaíma, entre tantas características é “imprudente e confiante, mentiroso, covarde e preguiçoso”. É um herói incaracterístico, que tem preguiça até de ter caráter. “Ai, que preguiça” é o mote que percorre a narrativa modernista andradiana. Por ser preguiçoso, Macunaíma, o “adulto com cará de piá”, livra-se de situações problemas, como a situação em que o Curupira desejoso de comer o “menino-home” ensina-lhe o caminho errado, Macunaíma porém não segue o caminho por pura preguiça, livrando-se assim, de ser devorado pelo Curupira. Configurado como anti-herói, é preguiçoso, astucioso e tem fortes impulsos sexuais. Macunaíma não tem consideração nem pelos irmãos, visto que ainda menino já “brinca” com Sofará, a mulher do seu irmão Jiguê. É numa dessas “brincadeiras”, referência ao ato sexual, que Macunaíma inicia uma série de transformações que também vão delineando a sua ausência de caráter. Pode-se afirmar que a personagem de Mário de Andrade caracteriza o povo em formação, logo um herói também em formação. Macunaíma não é um herói sem nenhum caráter, como especifica o título, apenas a personagem vai se adaptando às diferentes situações; seu caráter não é definido justamente porque insere o caráter de todos os brasileiros. Como personagem, se situa além do bem e do mal. Numa outra percepção, pode-se afirmar que Macunaíma representa o povo brasileiro; a própria narrativa já inicia assim: “no fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente.”

BIBLIOGRAFIA BÁSICA - ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 2001.

CANDIDO, Antônio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira. São Paulo: Difel, 1981.

CAVALCANTI PROENÇA, M. Roteiro de Macunaíma. São Paulo. Anhembi, 1955.

COUTINHO. Afrânio. A Literatura no Brasil. São Paulo, Global, 1999. 

JAFFE, Noemi. Macunaíma. São Paulo. Publifolha, 2001 (Série Folha Explica).