1. Introdução

Certamente, em dado momento da história da humanidade, os homens procuraram formar grupos sociais organizados, reunidos com regras elementares de convivência, estabelecendo limites para ações dos indivíduos, sob o domínio de determinada forma de autoridade ou governo (político ou doméstico), resultando, com isto, da criação de diversas formas de instituições, dentre elas a família, também sujeita a um dirigente, governante ou autoridade. Uma autoridade responsável para colocar ordem, disciplinar condutas, estabelecer diretrizes e orientar comportamentos, sobretudo os distorcidos e prejudicais ao grupo familiar, ou à sociedade.

Em cada sociedade, desde as mais primitivas, organizada (a grega e a romana, por exemplo), normas foram sendo estabelecidas e propagadas de geração em geração, sob a orientação e fiscalização dos chefes de famílias, pater familias, aos quais cabiam o domínio do grupo social básico em qualquer sociedade: a família. Mesmo que tal domínio, chamado pelos romanos de patria potestas, tenha sido rigoroso, e até mesmo desumano, em algumas civilizações, em virtude das ideologias e dogmas que imperavam à época, relativas à figura o pater, o qual podia submeter a todos, a saber, filhos, esposa(s), escravos e qualquer outro indivíduo vinculado ou em relação de submissão ao “dominus”. Por ser investido com poderes “absolutos”, o pai, possivelmente por causa da influência religiosa sobre a política e o direito, possuía plenos poderes sobre sua “casa”, inclusive o direito de vida e de morte (ius vitae ac necis) acima de qualquer um. Desta forma, rigor, severidade, desmandos, abusos, violações das mais injustas, sobrevieram aos que se encontravam na dependência do patriarcado. A observância ao princípio da autoridade, paterna, era irremediável, semelhante aos poderes atribuídos à pessoa do imperador, rei, ou governo político.

Muito embora, o passar das gerações, associado a mudança de valores e conceitos, veio a enfraquecer, consideravelmente, a autoridade paterna, hoje dividida com a materna, que gradativamente perde mais poderes sobre sua descendência, em virtude da existência de normas jurídicas extravagantes, v. g., o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), que, acredita-se, conflitam com outros valores e normas jurídicas, no caso, os dispositivos do Código Civil.

2. Desenvolvimento

É fato que todas as instituições familiares constituídas como legítimas e necessárias tiveram alguém responsável pela sua administração, guarda, orientação e disciplina, sendo tal condição atribuída aos pais, com ênfase principalmente na figura do patriarca, figura esta que no mundo ocidental revestiu-se das formalidades, ou severidades, dos patriarcas de antigas doutrinas como, por exemplo, o judaísmo, que vai servir de bebedouro do cristianismo, antigo ou contemporâneo. Muito embora, fora da religião, outras correntes de pensamento ou saberes foram capazes de admitir e preceituar que o sexo masculino adulto tinha prerrogativas, ou qualidades, naturais para estabelecer o poder de mando e exigir obediência das mulheres juntamente com seus filhos. O grande doutor da Grécia, assim nominado pelos filósofos posteriores, Aristóteles, é um dos renomados estudiosos que procurou imputar direitos, deveres, faculdades e privilégios aos indivíduos conforme seu status quo familiar, fazendo uso, inclusive, da natureza para fazer dadas analogias. São alguns dos ensinamentos aristotélicos, presente logo nos primeiros parágrafos da obra “A política”, livro I, do governo doméstico, capítulo I, “do senhor e do escravo”:

(...)

Uma família completamente organizada compõem-se de escravos e de pessoas livres. Mas como só se conhece a natureza de um todo pela análise de suas partes integrantes, sem exceção das menores, e como as partes primitivas e mais simples da família são o senhor e o escravo, o marido e a mulher, o pai e os filhos, convém examinar quais devem ser a funções e a condição de cada uma destas três partes. Chamaremos despotismo o poder do senhor sobre o escravo; marital, o do marido sobre a mulher; paternal, o do pai sobre os filhos (dois poderes para os quais o grego não tem substantivo).[1]

 

É evidente que no perfil social dos dias atuais, não é mais cabível a visão político-filosófica do pensamento grego, ou mesmo romano, acerca das relações familiares, mas aceitando-se os argumentos e recomendações razoáveis, dos antigos grupos sociais, sobre a real necessidade de que, em determinados momentos e fatos, alguém tenha que decidir e ordenar as ações que devem ser adotadas, a fim de se produzir um resultado esperado, o melhor resultado possível para todos; ou pelos menos para os mais beneficiados.

Quando crianças e adolescentes se recusam a estudarem, os pais, inexoravelmente, devem impor que se dirijam à escola, ou caso contrário o ócio e a estupidez de sua criação poderá resultar em fome, dependências e miséria na maturidade de seus filhos. Necessário se faz que o pai, a mãe, uma avó, um avô oriente, recomende, imponha aos seus descendentes, ou dependentes, que evitem a companhia ou amizade do malfeitor, que não se apoderem das coisas alheias, não destruam a propriedade dos outros, não construam discórdias com seu próximo etc. De uma forma ou de outra, cedo ou tarde, será mister que os maiores exerçam uma forma de autoridade ou poder, ou um governo doméstico, para que a família realize seus projetos e objetivos, a curto ou a longo prazo. Isto não significa a prática de desmandos violentos, despotismos, abusos ou tiranias, usadas contra os mais fracos nas relações de poder ou domínio familiar (pátrio poder, hoje convertido em poder familiar).

A questão é que para os pais, ou responsáveis, exercitarem o poder familiar, no presente, buscando conduzir seus filhos da melhor forma possível, tornou-se extremamente difícil e desconfortável impor alguma conduta moral cabível na qualidade de gestores de família. Isto graças aos dispositivos fixados no Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069/90, muito embora a irresponsabilidade penal, e geral, por parte de menores brasileiros, já fosse dogmatizada desde anos de 1940, no texto da legislação penal, lei 2.848, de 11/7/1984, com redação dada pela lei nº 7.209. Apesar que a proteção deferida aos menores já era matéria inserida no Código Criminal do Império do Brazil, lei de 16 de dezembro de 1830, parte primeira, título I, capítulo I, dos crimes, e dos criminosos, como se vê no art. 10, § 1º, quando afirma: “também não se julgarão criminosos: os menores de 14 anos”.

É sabido que o pátrio poder (transformado em poder familiar, com a nova redação do Código Civil de 2002) tem suas origens históricas, jurídicas e sociológicas no Império Romano, sendo os países ocidentais influenciados pela codificação romana, sobretudo os países ibéricos, que vão importá-lo por meio da colonização hispânica. Ainda que o direito romano tenha influenciado todas, ou quase todas, a nações do Ocidente, nos mais diversos institutos jurídicos.

No Brasil, o pátrio poder foi tratado já na “Consolidação das leis civis”, organizadas pelo jurista Teixeira de Freitas, que depois terá seu trabalho jurídico substituído por outro, do então renomado Clóvis Beviláqua (jurista, filósofo, historiador...). Tanto na codificação de um quanto do outro, o poder do patriarca esteve tipificado, com maior ou menor moderação. O exercício do domínio, ou governo, dos filhos era garantido nos dispositivos da lei civil, mesmo que com pouca, ou quase nenhuma, referência à mãe, uma vez que o pai – que é o macho, no ideário da sistemática aristotélica – seria o senhor de todos.

No trabalho de José Carlos Moreira Alves, “Panorama do direito civil brasileiro: das origens aos dias atuais”, este, ao longo do texto, faz alusões ao antigo pátrio poder (poder familiar), tendo como orientação as ordenações filipinas:

(...)

Por isso, no concernente aos direitos pessoais, dividia-os em direitos pessoais nas relações de família (que abarcavam o casamento, o pátrio poder, o parentesco, as tutelas e as curatelas) e direitos pessoais nas relações civis (que abrangiam as causas produtoras deles - os contratos e os delitos e as causas de sua extinção); e, nos direitos reais, enquadrava o domínio, a servidão, a herança, a hipoteca e a prescrição aquisitiva (a usucapio).[2]

 

Em outro artigo eletrônico, o professor Antônio Chaves (in memorian), da faculdade de direito da USP, em um texto publicado em homenagem a ele, registrava o seguinte enunciado:

A legislação nesse período assinala-se principalmente no que diz respeito às matérias casamento, pátrio poder, tutela e curatela, direito sucessório e contratos. Faz-se notar uma nova ordem de coisas na situação até então imperante e começam a se delinear os primeiros institutos que haviam de se firmar no período seguinte.[3]

 

No período imperial, e até na vigência do Código Civil de 1916, a autoridade paternal, ou maternal – mesmo que de forma desigual e minguada -, conforme o caso, estava bem definida nos “cânones” daquele estatuto, sem conflitos com outras normas da ordem do direito civil, ou privado; se é que podemos chamar assim, haja vista as ingerências desmedidas do Estado nas relações privadas. Com o advento o Estatuto da Criança e do Adolescente, surgem as dúvidas, os conflitos e as aflições dos pais no tocante ao governo dos filhos menores. Isto porque se enfatiza nas escolas, na mídia, nos órgãos estatais, nos clubes, nas associações etc. que as crianças e os adolescentes devem ser protegidos, custe o que custar, pois são sujeitos de direitos, no entanto deixaram de cobrar deveres ou obrigações dos mesmos, à medida que forem adquirindo entendimento e instrução, em relação aos seus pais e ao seu grupo familiar. O que quase todos acreditam é que crianças e adolescentes podem fazer tudo, sem precisar se submeter a nenhuma regra, ou limites, já que os defensores do ECA os colocam na condição de totalmente incapazes, nivelando-os quase à condição de imbecis; ou irracionais tanto quanto os animais. Logo, podem praticar quaisquer atos, inclusive violações contra seus pais ou responsáveis. Não precisão obedecer, não precisão respeitar, não necessitam agir com responsabilidades, sendo tudo facultado aos menores, podendo até ofender, oprimir, violentar aos seus ascendentes, pois, caso estes usem de alguma força para revidar as ofensas, há quem queira processá-los com todo rigor, impondo-se as penalidades existentes na lei 8.069/90 ou sanções previstas no código penal, lei 2.848/41, impondo-lhes duras penas e repúdios.

Quase todos, só querem falar que os pais têm o dever de educar, alimentar, guardar, aconselhar, orientar etc. etc., sem dizer que aos menores também se deve impor deveres, como, por exemplo, estudar, trabalhar, respeitar, obedecer, cuidar dos seus pais, no entanto, alguns legisladores, psicopedagogos, conselheiros tutelares não percebem, ou percebem e são falsários, que menores do início do século XX não são iguais aos do século XXI, e que uma criança de 10 anos não tem a ingenuidade e fragilidade de uma com 2 anos de idade, assim como uma de 12 completos não é igual a um ser humano de 18 anos incompletos. Estão deixando de atentar que um adolescente de hoje não possui as mesmas capacidades, ou incapacidades, de 25 anos atrás, época que foi editado o ECA. Isto porque o excesso de informação, as mais diversas tecnologias, o declínio moral da sociedade, a evolução mental dos indivíduos já não faz mais uma criança de 11 anos como fazia a 20, 30, 40 anos antes. Caso a juventude do século XXI seja igual à do século XX ou XIX então ela, pode se dizer assim, está num processo de estagnação mental, ou intelectual, próximo da demência ou coisa equivalente. Alguém – legislador, psicólogo, pedagogo, conselheiro – consegue provar que as faculdades mentais e intelectuais (inclusive a capacidade de pensar e agir com malícia ou ardil) de um ser humano (criança com seus 10 ou 11 anos ou adolescentes) são iguais o tempo todo, sem desenvolvimento psíquico, neurológico, emocional considerável?

Do artigo 379 ao 395, da lei 3.071/16, antigo Códex, o pátrio poder era disciplinado como forma de se pôr limitações aos filhos menores, onde se impunha obrigações tanto aos pais, homem e mulher, quanto aos filhos, estando fixado nos dispositivos legais que os filhos menores estavam sujeitos ao pátrio poder (art. 379), bem como os pais tinham o direito de exigirem que lhes prestassem obediência (art. 384), e os ajudassem nas lutas domésticas diárias, entre outras regulações. A nova lei 10.406/02, também fez menção a tais necessidades familiares, dos artigos 1630 a 1638, com uma diferença que é o fato da lei anterior tratar do “pátrio poder” enquanto que a norma mais recente chamou de poder familiar, muito embora existam civilistas que pretendiam que fosse o poder familiar intitulado de autoridade parental, alegando que a palavra poder ainda guarda resquícios do antigo poder familiar, em virtude do termo poder. De qualquer forma temos que indagar: onde é que existe alguma forma de autoridade sem existir alguma forma “poder”? Na escola não existe. Nas empresas particulares não se encontra. Nas igrejas, de origem cristã, não há. No Estado muito menos. Será que as famílias têm condições de exercitarem uma coisa chamada autoridade, materna e paterna, sobre seus menores, infratores ou não, sem algum poder ou capacidade de colocar ordem e impor limites para gerenciar a instituição familiar?

Como as leis pátrias, sem generalizar, muitas vezes são a expressão da injustiça, conforme os interesses ou o ardil do próprio legislador, as famílias são encurraladas por uma ordem jurídica que tutela demasiadamente a uns e encurrala maliciosamente a outros, no caso os pais e mães de família que já não governam nem impõem nada, ou quase, aos seus filhos. Crianças e adolescentes, na nova ordem, podem fazer o que bem entenderem, pois, uma repreensão verbal severa dos pais pode resultar num processo penal, sob a alegação de tortura psicológica ou maus tratos, por parte dos acusadores. Mesmo que se chegue ao ridículo, ou insensato. Os pais não estão mais podendo impor regras e limites, inclusive com uma atitude corretiva, fazendo uso mesmo da força física, moderada, suficiente e necessária, diante dos horrores e abusos dos filhos, já que podem ser acusados dos mais diversos crimes, conforme a visão ou noção dos seus algozes, e recolhidos a uma prisão, sendo-lhes negado, inclusive, aplicar o que é melhor e apropriado nas relações privadas de sua família.

Felizmente, nem todos os juristas, ou civilistas, comungam das mesmas doutrinas ou valores que os textos das leis, às vezes, mal elaboradas e tendenciosas, procuram incutir na mentalidade social.

Por um lado, existem aqueles que afirmam que uma repreensão mais séria, pelos desvios perniciosos reiterados (levar os bens dos amigos de sala de aula ou espancar animais domésticos ou mesmo os colegas de turmas, v.g.), é uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1º, III, da CR, logo não podendo o pai, ou mãe, aplicar algum castigo, nem mesmo moderado, sob pena de ser levado aos tribunais da infância e da juventude e terem suas vidas prejudicadas. Também, há quem diga que crianças e adolescentes não podem exercer trabalho nenhum, nem mesmo para melhorar a renda familiar (assim lhes proporcionado condição de vida, ou de consumo melhor), ou ajudar seus genitores nos serviços do lar, pois trabalhar muito jovem é violação à dignidade da pessoa humana e ao desenvolvimento pessoal e mental, como muito se vê e se ouve nos programas televisivos, jornais, revistas etc. Com o passar do tempo as consequências surgem: 1) as crianças e adolescentes que passaram suas vidas furtando, desde cedo – tendo a conduta encoberta pelo termo ato infracional, art. 104, do ECA – crescem sem limites legais, familiares ou morais e na vida adulta estarão fadados às malhas da lei, pois, na verdade o que sempre praticaram foram crimes; 2) os jovens que não podem realizar nenhum trabalho, empresarial ou doméstico, salvo as exceções, chegam a fase de adultos e se tornam indolentes, ignavos, irresponsáveis, com tudo e com todos se prolongando suas dependências e exigências em relação ao seio familiar, pois, ao que parece o trabalho é colocado como a coisa mais indesejável da vida. O que viola mais a dignidade da pessoa humana: ser reprimido na sua juventude, pelos abusos e violências cometidas, e adquirir noções, lições e valores sociais construtivos até a maturidade, ou alcançar a fase adulta, amparado pela condescendência legal e institucional, mas capturado logo cedo pelos costumes e crimes que foram recorrentes na idade jovem? O que é mais prejudicial à dignidade da pessoa humana: aprender e valorizar um dado trabalho que nos ensina ou quem sabe dignifica, por mais humilde que seja, aumentando a noção da necessidade e importância dele, ou viver na vadiagem, no ócio, na inércia nas ruas, praças, parques e campos, associado a todos os tipos de pessoas e condutas, olhando e cobiçando os bens e valores alheios, esperando a oportunidade para furtar, roubar, espancar, destruir, assassinar etc.? O que realmente afronta e atinge a dignidade dos seres humanos?

Por outro lado, temos, também, alguns homens de letras jurídicas que concordam que é necessário, ou oportuno, que os pais exercitem seu poder familiar ou sua autoridade familiar, para repelir as injúrias, as ofensas, os crimes praticados pelos seus filhos menores, enquanto é possível colocar freios ou rédeas aos desmandos e violações cometidas na escola, na comunidade, em casa, usando-se de algum castigo sincero, motivado e moderado, como dispõe o art. 1638, I, CC/02. Toda autoridade recorre a alguma força ou artifício para colocar de forma cogente uma determinação, diretriz ou norma (social, política, religiosa, jurídica), no entanto aos pais brasileiros querem incutir que as palavras, os conselhos, os pedidos são suficientes para que seus filhos menores lhes obedeçam e sigam suas orientações, assim se tornando homens de boa índole e descentes. Se não se usar de certo rigor, não se sabe como os pais irão sujeitar seus filhos menores ao poder familiar, conforme a literalidade do art. 1630, CC/02 (do poder familiar).

Como salientamos, a arte de criar e educar filhos comporta castigos moderados, justos e oportunos. Às vezes, a palmada, na medida e hora certas, contribui para a conscientização do erro e do propósito de corrigir. Mas a reprimenda deve ser moderada, a fim de não ser nociva à criança e ao adolescente, levando-o ao desespero. Os pais, sem recursos verbais, instrução a transmitir, costumam valer-se de alguns corretivos. (NADER, 2013, p. 365).

Não se confundam castigos moderados, tolerados e permissivos por qualquer ser humano de bom senso, com violências perniciosas e prática de tortura, conduta esta repudiada por todos, ou quase todos, já que o torturador, como ocorreu em todas as ditaduras militares das Américas, visa impor tratamentos cruéis, dolorosos e injustos, inclusive com prazer e perfídia. Não é este tipo de conduta brutal que se pretende que os pais imponham a sua criação. E sim apenas o corretivo, reprimenda ou “pena” suficientes para se apontar que um malefício foi feito e que se ele não for reprimido, consequências futuras trarão, ou porque o Estado usará de todos os seus aparelhos ideológicos e repressivos para punir, mandando os infratores para os presídios, cedo ou tarde, ou a própria sociedade, que não irá tolerar os abusos de menores que sempre os praticou, revolvendo seus conflitos pelos métodos mais antigos, qual seja, a vingança privada. Logo, é melhor que a mãe, o pai, a avó, o avô, corrijam, ainda que com força moderada, do que os sistemas jurídico, policial, penitenciário ou social corrigirem, com a força das leis, ou das armas.

Vejamos o que nos ensina o livro “Instituições de Direito Civil, vol 5, Direito de Família”, tratando da cessação, suspensão e extinção do poder familiar:

                                          (...)

I – castigar imoderadamente o filho (inciso I, do art. 1.638): o castigo, sem excessos, é lícito; a lei pune o exagero, na intensidade dele; ou na sua qualidade. Mais severa será a pena a ser imposta pelo juiz, em se apurando falta mais grave. Se é certo que os pais podem, e devem mesmo, castigar os filhos nos erros de condutas, certo é também que não podem abusar (CAIO MÁRIO, 2005, p. 436).

Vamos aos dramas e controvérsias sociais trazidos, e impostos, por dadas leis brasileiras, que o legislador pátrio edita, mesmo que caminhando na contramão da opinião pública, principalmente, ainda que atropelando as relações privadas das famílias.

A legislação penal nacional pune – com endosso do Estatuto da Criança e do Adolescente – várias condutas dos genitores que permitam que seus filhos recaiam em condições de risco ou abandono. É o caso dá lei punir os pais se eles permitirem que filhos menores de 18 anos frequentem casa de jogos ou conviva com pessoas viciosas o de má vida; ou frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou lhe ofender o pudor, segundo a redação dada pelo Art. 247, lei 2.848/41 (Código Penal). A questão é que ainda que os pais e familiares estejam se esforçando para evitar que os filhos se juntem com quem tem conduta marginal, ilícita, imoral ou perniciosa, seus descendentes não lhes obedecem, não lhes respeitam, de forma que os conselhos e recomendações são em vão. Isto porque cada pai brasileiro luta para orientar e aconselhar o melhor, mesmo que as palavras sejam inúteis, e a desobediência vai se reiterando cotidianamente, mesmo com a previsão legal de que os filhos menores devem obediência aos pais conforme teor do Art. 1630, CC/02, letra de lei morta nos dias atuais.

Infelizmente, por um lado, os chefes de família, homem ou mulher, são acusados penalmente por não limitarem certas companhias, amizades e condutas filiais, segundo pretende o Art. 247, CP/41, por outro lado, quando seus menores não obedecem, e até desdenham, ofendem e agridem, e os pais são obrigados a usarem de alguma força, física inclusive, também são acusados e processados com fundamento nas leis penais.

Vejamos, ainda, outro texto legal: “Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”. Enquanto os pais, com algumas exceções, porque é a maioria, lutam para promover a instrução fundamental de sua prole, muitas crianças, e adolescentes sobremaneira, não desejam a sala de aula, pois existem outros tantos atrativos fora do mundo escolar, como campos, quadras, jogos eletrônicos, redes sociais etc. etc.. Preocupados com isto, muitos pais chegam aos seus limites e usam mesmo da palmada ou alguns açoites, e são perseguidos penalmente, como se fossem criaturas abomináveis e seus filhos seres angelicais, plenamente ingênuos, indefesos e inocentes, incapazes de qualquer artifício, ou malefício. Como é que os pais vão educar, instruir, orientar, guardar e colocar filhos a salvos de riscos, malfeitores, violências e outros malefícios sua prole não obedece nem respeita, as palavras são ineficazes e aqueles são reprimidos e até punidos quando exercitam o poder familiar com mais severidade? Enquanto os pais são encurralados por dispositivos de leis, que são conflitantes – do Código Penal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código Civil – aos filhos menores tudo é tolerado e permitido, ainda que de forma tácita, inclusive a prática dos mais diversos crimes ou atos ilícitos contra qualquer cidadão, inclusive seus ancestrais, ou ascendentes familiares.

Notemos o que expressa um promotor de justiça do Ministério Público do Distrito Federal, Nino Franco, em seu artigo intitulado “Maioridade penal: a encruzilhada”, publicado pelo Correio Brasiliense, em 22 de julho de 2013:

(...)

O número e a gravidade de infrações praticadas por adolescentes aumentaram muito. E é perturbadora a verificação de que, nas duas últimas décadas, o padrão de vida da população em geral aumentou, mas aumentaram também as infrações juvenis, provocando perplexidade naqueles que atribuíam a violência fundamentalmente às condições de vida, frustrados pela constatação de que curvas descritivas que deveriam supostamente percorrer caminhos inversos teimaram em subir
num mesmo sentido.

No âmbito forense, virou lugar comum a frase pronunciada por adolescentes de que “não vai dar em nada”. O ECA, excelente na abordagem às situações de risco (abandono, abusos e outras formas de violações de direitos), fez uma aposta errada e devastadora no âmbito infracional. Não por falta de previsão de medidas, que alcançam adolescentes a partir dos 12 anos de idade, mas por seu equivocado dimensionamento, por demais brando, a ponto de situá-lo no limite do simbolismo.

A sociedade cobra mudanças. Lamentavelmente, a história ensina que o resgate de uma situação instalada é sempre mais custoso que a abordagem inicial. É uma das razões porque hoje não mais surtiria efeito o simples aumento do tempo de internação. Sim, a redução da maioridade penal para 16 anos é imprescindível. Os opositores da proposta discordam, evidentemente. Mas têm contra eles a circunstância de que o sistema atualmente instalado é justamente aquele que apregoam e sua falência é notória.[4]

 

Certamente, os direitos e garantias da criança e do adolescente, firmados nos dispositivos do ECA, no Código Penal, na CR/88, nos seus arts. 227 e 229 etc. devem ser observados e impostos a quem for necessário, ou obrigado, assim como se deve proteger os direitos dos idosos, dos índios, das mulheres, dos deficientes, ou qualquer outro vulnerável. Mas é passivo de censura e discussões, ou ainda, refutação, o argumento que preceitua que os pais não podem usar algumas palmadas para corrigir conduta leviana ou malefício cometido por sua criança, quando esta já suportar e entender a atitude corretiva dos seus familiares. Uma coisa é aplicar umas palmadas pelo fato do filho menor está furtando quase toda semana na sala de aula; destruindo patrimônio privado; insultando professores, mandando uns e outros se arrombarem etc. Outra coisa é usar de meio impróprio para repudiar filho educado, obediente, estudioso, respeitador, trabalhador apenas porque ele disse uma verdade que a mãe, ou o pai, não queria ouvir. Precisamos separar bem as coisas, e não colocar tudo junto e misturado como se fossem as mesmas coisas (pessoas, ações e fatos).

Há quem diga que o que se precisa é educar aos nossos jovens. Mas, e os jovens que não têm o menor interesse em se educar, instruir, estudar. Outros dizem que é a falta de trabalho e oportunidades que torna os menores em infratores. Mas, e os jovens que não procuram ou não têm o menor interesse de trabalhar, na qualidade mesmo de aprendiz, porém querem ter seus anseios de consumo realizados com facilidade, fazendo uso do furto, roubo, latrocínio? Muitos vão argumentar (pedagogos, conselheiros, idealistas, doutrinadores, legisladores) que o motivo da delinquência juvenil é falta de afeto familiar. Mas, e os menores que não estão lingando o mínimo para os afetos familiares, já que as amizades e condutas das ruas são as que mais apetecem a incontáveis menores. Ao que parece, todos, ou quase todos, só querem colocar a culpa na família, na televisão, na falta de educação, no desemprego, na sociedade, na comunidade carente etc., pela delinquência e violência juvenis. Porém, por que crianças e adolescentes que têm família organizada, estudam em bons colégios, frequentam valorosas universidades, residem em ótimas localidades, possuem alimentação de qualidade estão se tornando “grandes marginais”? Será mesmo que a população de menores delinquentes de nossa sociedade comete todos os tipos de crimes porque não lhes dão oportunidades suficientes; ou porque não estão sendo assistidos; ou porque são vítimas absolutas da sociedade?

O legislador ordinário esqueceu que nenhuma família é igual a outra, assim como as crianças e adolescentes não são iguais em lugar nenhum. Um respeita e obedece muito; outros respeitam e obedecem muito pouco; muitos não respeitam nem obedecem quase nada e outros a ninguém querem obedecer, ou respeitar, desta forma necessitando que os pais dê tratamentos diferentes, sob pena de não puder governar ou conduzir seus descentes, fazendo uso do seu poder familiar ou da autoridade familiar, e sua linhagem caminhar sem rumo, sem rédeas e limites, como qualquer outro animal selvagem que possuem todas as liberdades que a natureza permite, pois não precisam de regras de convivência e limite de ações, ressalvado os caos dos animais gregários, que também estabelecem regras de convívio entre si, para todos do grupo.

 

3. Conclusão

 

É sabido que são várias as antinomias legais existentes na ordem jurídica, muito embora existam alguns profissionais do direito, juristas, membros do Poder Legislativo que neguem, para não demonstrar, quiçá, alguma impropriedade, ou incapacidade legislativa dos brasileiros, que, vez ou outra, impõe qualquer coisa, ou qualquer norma.

Na sua versão literária, a maior lei civil brasileira, em quantidade de dispositivos, diz em seu texto o seguinte: “Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Está é a versão. A controvérsia a isto é que o Estado-legislador vem a interferir, cada vez mais, nas relações privadas das famílias, de forma generalidade, como se todas as famílias fossem iguais, em seus princípios, seus valores, suas vivências e condições. Crianças no extremo norte pode gostar de um dado tipo de brincadeira; as do extremo sul do país podem adora outra forma de brincar. Adolescentes das áreas litorâneas podem ter uma forma de tratar seus pais, professores, padrinhos; os do oeste do Brasil podem possuir outra forma de tratamento.

 A lei 8.069/90, desatualizada em relação à evolução mental das pessoas que ela tutela, assim como a lei 13.010/14 são as contraversões das disposições da lei 10.406/02, com uma mitigação, ou violação, do poder familiar que os chefes de família deveriam exercer, para que suas famílias não recaiam no caos e no desgoverno doméstico – que poderá implicar, amanhã ou depois, na submissão ao governo político, com todas as suas instituições, quais sejam, polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e sistema penitenciário.

Hoje, as dificuldades dos pais decidirem sobre seus filhos são tantas que a impressão que se tem é que são os filhos menores quem governam e determinam aos pais o que estes devem, ou não, fazer, em virtude da ênfase dada à redação normativa do ECA e sua lei correlata, ou, quem sabe, suplementar.

Tanto a severidade do direito romano quanto a permissividade do direito brasileiro são prejudiciais à sociedade e à família. A primeira por não atribuir direitos aos menores, como sujeitos humanos; a segunda por atribuir direitos em excessos, sem responsabilidades, sem imposição de deveres, sem atribuição de compromissos na sua legislação específica, a saber, lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

A lei brasileira está tratando de crianças e adolescentes como se estes fossem seres, sempre, debilitados, inofensivos ou ingênuos, quase que angelicais, vindos a Terra, enquanto que seus pais fossem as “bestas” que têm como propósito principal atormentá-los pelos anos de sua juventude.

Todos na ordem legal vigente estão sujeitos a alguma forma de governo ou autoridade que deve impingir limites às ações que violam direitos alheios. Porém, as famílias, pelo menos aquelas rechaçadas pelas leis que dispõem sobre os direitos de menores, estão submissas aos poderes infanto-juvenis, já que tudo é facultado a eles, sem limites, sem rédeas, sem normas, uma vez que pouquíssimos dão ênfase aos preceitos legais assentados no Código Civil de 2002, arts. 1630 a 1638.

É certo que a sociedade, o estado e a famílias precisam – nos termos dos artigos do ECA, do Código Civil e da CR/88 – colocar sob justa proteção os interesses e direitos infanto-juvenis, a fim de promover o melhor desenvolvimento da criança e do adolescente, desta forma lhes assegurar valores e qualidades como cidadania, dignidade, liberdades e prosperidade. Porém proteger de forma arrazoada menores carentes e indefesos é diferente de proteger menores violentos, astutos, libertinos, delinquentes, que violam os mais diversos direitos sociais, inclusive dos responsáveis pela condução da família e pelo exercício do poder familiar; mesmo que os pais estejam com pouco poder, ou autoridade, ou quase que sem poder nenhum.

 

Referências bibliográficas

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. (Coleção direito civil, v. 6).

 

Leis

Brasil. Lei 2.848, de 7 de dezembro de1941 (Código Penal Brasileiro).

Brasil. Lei 8.069 de 13 de julho de1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Brasil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro).

Brasil. Lei 13.010, de 26 de junho de 2014 (Lei da palmada).

Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5/10/1988.

 

Publicações eletrônicas

História da codificação civil brasileira, disponível em  http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAVmsAE/historia-codificacao-civl-brasileira, capturado em 09/04/17.

Panorama do Direito Civil Brasileiro: das origens aos dias atuais, disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67220/69830, capturado em 10/04/17.

Formação histórica do Direito Civil brasileiro, disponível em www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67456/70066, capturado em 09/04/17.

Lei da palmada divide opiniões, disponível em http://www.dgabc.com.br/Noticia/10214/lei-da-palmada-divide-opinioes, capturado em 17/05/17.

Contra a absurda lei da palmada, disponível em https://nelcisgomes.jusbrasil.com.Br/artigos/122968659/contra-a-absurda-lei-da-palmada, capturado em 18/05/17.

Maioridade penal: a encruzilhada, disponível em http://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/imprensa-sectionmenu-176/6282-maioridade-penal-a-encruzilhada, capturado em 28/06/17.

Estudo sobre o menor infrator, disponível em http://www.oabsp.org.br/noticias/2006/11/16/3931, capturado em 28/06/17.

 

 

[1] ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1991, p. 9.

[2] Panorama do direito civil brasileiro: das origens aos dias atuais, disponível em http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67220/69830, capturado em 09/04/17.

[3] Formação histórica do Direito Civil Brasileiro, disponível em www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67456/70066, capturado em 10/04/17.

[4] Maioridade penal: a encruzilhada, disponível em http://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/imprensa-sectionmenu-176/6282-maioridade-penal-a-encruzilhada, capturado em 28/06/17.