ALFABETIZAÇÃO; REALIDADE OU POSSIBILIDADES: UMA REFLEXÃO SOBRE O CONJUNTO DE PROCEDIMENTOS DO TEXTO ORAL.

                                                                                        Autora: Luci Panucci                                                                                

 

O presente artigo tem como objetivo apresentar resultados parciais de leitura e pesquisa proposta pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), evidenciando os parágrafos do documento em que define a alfabetização das crianças deverá ocorrer até o 2º ano do ensino fundamental, com o foco no Eixo de Produção de Textos. O tema investiga o conjunto de procedimentos que proporcionam a prática da leitura e escrita em diferentes gêneros textuais com o objetivo de identificar os princípios norteadores para alfabetização garantindo o direito fundamental de aprender a ler e escrever. Busca-se um olhar reflexivo sobre a ação pedagógica a partir do texto de Tradição Oral, recurso discursivo que se constitui como estratégia pedagógica do processo de aprendizagem do sistema alfabético de escrita. Pesquisar sobre alfabetização pressupõe a construção de novos paradigmas e procedimento metodológico, portanto a pesquisa está amparada a base bibliográfica que objetiva apresentar a reflexão sobre pressupostos teóricos em articulação com a prática alinhada ao desenvolvimento da leitura e escrita. Sendo assim, com a pesquisa centrada na abordagem metodológica bibliográfica, busca-se resgatar contribuições e saberes específicos para desenvolver a ação alfabetizadora, por meio de análise dos textos no campo da alfabetização e do conjunto de procedimentos permite relacionar as transformações metodológicas e eleger o Texto Oral (memória), como recurso para ampliar o repertório e destacar que o contexto do ensino técnico traz consigo particularidade que são preservadas e a concepção teórica sobre a prática com textos de memória é mais uma égide na prática alfabetizadora.

Palavras-chave: Alfabetização. Texto de Tradição Oral. Base Nacional Comum Curricular (BNCC)[1]

 

  1. INTRODUÇÃO

            Alfabetização, ou processo inicial da escolarização, o qual enfatiza a aquisição da leitura e da escrita. O texto propõe uma reflexão sobre as possibilidades e a ação pedagógica durante o processo de alfabetização, uma vez que as habilidades e competências relacionadas a essas áreas do conhecimento darão base ao indivíduo para que outras habilidades e competências sejam consolidadas, não apenas na escola, mas ao longo da vida.

Kleiman (1995), entende a escola como a mais importante das “agências de letramento”. Assim, as séries iniciais são nomeadas como momento de alfabetização. Então a pergunta: O que é Alfabetização? Soares (2011, p. 15) afirma que o termo alfabetização etimologicamente não ultrapassa o significado de “[...] levar à aquisição do alfabeto, ou seja, ensinar o código da língua escrita”.  Segundo a autora, ensinar a ler e escrever é um processo permanente, nunca interrompido, alfabetizar é ensinar uma nova modalidade da língua ‘escrita e leitura’ para os nativos da língua, é o ato de ensinar a ler

e escrever considerando os conhecimentos prévios que a criança possui[2], sem perder a especificidade, ou seja, o domínio das habilidades e competências da leitura e escrita.

 Mortatti (2000) afirma que alfabetizar vai além do uso de métodos, considera que alfabetizar a partir de um método não garante a melhoria do ensino.

 

Tradicionalmente, conforme uma perspectiva pedagógica, o problema da aprendizagem da leitura e da escrita tem sido exposto como uma questão de métodos. A preocupação dos educadores tem-se voltado para a busca do “melhor” ou “mais eficaz” deles, levantando-se, assim uma polêmica em torno de dois tipos fundamentais: métodos sintéticos, que partem de elementos menores que a palavra, e métodos analíticos, que partem da palavra ou de unidades maiores. Em defesa das respectivas virtudes de um e de outro, originou-se uma discussão registrada em extensa literatura; literatura que tanto faz referência ao aspecto metodológico em si, como aos processos psicológicos subjacentes. (MORTATTI, 2000, p. 265).

 

Ensinar língua nessa perspectiva, segundo Mortatti (2000), “[...] requer uma ruptura com o pensamento e as práticas tradicionais de alfabetização[...]”.  Por acreditar que o fracasso escolar não está centralizado nos métodos, o texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) abre espaço para as diversas possibilidades de reflexão sobre o processo de alfabetização e ações pedagógicas, cumprindo assim o artigo 205 da Constituição Federal de 1988.[3] “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, [...]”, legislação que aponta para o direito de aprendizagem. Partindo dessa premissa, entendemos que as práticas pedagógicas que envolvem a leitura e a escrita devem transcender os processos de aquisição do código é necessário que, aliadas ao ensino de codificar e decodificar símbolos e letras, apontem aos educandos a função social da escrita.

Nessa perspectiva a BNCC[4] apresenta no eixo Produção de Textos a progressiva incorporação de estratégias para o registro de diferentes gêneros textuais. Com a pratica do evento de letramento é possível a análise da experiência envolvendo a área da linguagem em uma proposta de leitura e reprodução de textos de memória em um ambiente alfabetizador. E assim, as estratégias de leitura e escrita diversificadas, são ações permanente na pratica docente em que a teoria e a pratica dialoguem. A dialogização como afirma Freire ser a alfabetização uma característica emancipatória, em que se lançou mão do método e propostas para formar um novo homem, uma nova sociedade. Ainda em Freire[5] (2002, p. 17), “A memorização mecânica do perfil do objeto não é aprendizado verdadeiro do objeto ou do conteúdo.” A sistematização de saberes ocorrem a partir de um processo de reflexão sobre o objeto do conhecimento.

 

 

2 – ALFABETIZAÇÃO, SABERES PEDAGÓGICOS E TEXTOS ORAIS

 

No momento atual em que se discute a quantidades mínima de escolarização, alfabetização no final do 2º ano do Ensino Fundamental, o conceito de alfabetização vem se aproximando do conceito de letramento. Soares (2016) afirma que os conceitos de alfabetização e letramento se mesclam, sobrepõem-se e contribuem para que tenhamos cada vez mais a necessidade de indivíduos letrados e não, apenas, alfabetizados.

O termo letramento, historicamente, surge no Brasil nos anos de 1980 com os linguistas, conceito que aparece concernente à alfabetização e em busca por sua especificidade. Época também que a alfabetização passou pelo estágio da desmetodização. Soares (1986) afirma que com o uso de muitos métodos e técnicas para se alfabetizar, a partir de análises psicológicas e da busca de novos rumos para desmitificar o fracasso escolar, a alfabetização perde sua especificidade, ou seja, o ato de ensinar a ler e escrever. Aplicar um método não garante a ascensão do processo ensino aprendizagem, alfabetizar é ensinar a língua portuguesa composta por regras que precisam ser aprendidas. Para Soares (1986), a alfabetização se constitui multifacetada, que envolve conhecimentos linguísticos, psicolinguísticos, sociolinguísticos, pedagógicos e psicológicos, sendo necessário conhecer as características culturais, econômicas e tecnológicas para transpôs o conceito atual de alfabetização. Sendo assim “[...] as desigualdades sociais têm, pois, origens econômicas, e ainda tem a ver com desigualdades ou igualdades de dom, aptidão ou inteligência”. (SOARES, 1986, p. 12).

Alfabetizar é ensinar uma língua na modalidade escrita, codificar e decodificar, entretanto a alfabetização vai além da decifração dos códigos linguísticos e a crise sobre o ensino da linguagem oral e escrita é, na verdade, uma adversidade da instituição escolar, pois a língua escrita não é uma representação fiel da fala, registramos o mesmo fonema (som), com grafema diferente. Sobre os registros da língua oral/escrita afirma Lemle (2004), ‘[...] o som /z/ pode ser registrado por s, exemplo a palavra /casa/ [...]”.

O fato de uma pessoa ser alfabetizada não é socialmente suficiente, é preciso desenvolver habilidades e competências que vão além do conhecimento da mecânica da leitura e da escrita para a participação competente e efetiva nas mais diversas práticas sociais.

Segundo Soares (2007, p. 15), alfabetização é o “[...] processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita”. A autora salienta que alfabetização é um processo de representação de fonemas em grafemas e vice-versa, mas também é um processo de compreensão/expressão de significados por meio do código escrito. No entanto, destaca que ele não tem um caráter meramente instrumental, mas corresponde a um saber privilegiado e específico.

Sobre letramento, ou alfabetismo, Soares (2007, p. 33) nos revela que [...] não é apenas, nem essencialmente um estado ou condição pessoal; é, sobretudo, uma prática social [...] é o que as pessoas fazem com as habilidades e conhecimentos de leitura e escrita em determinado contexto, e é a relação estabelecida entre essas habilidades e conhecimentos e as necessidades, os valores e as práticas sociais. Contudo, alfabetização e letramento não são práticas autônomas, indissociáveis, independentes, embora cada qual tenha sua especificidade.

Sendo assim Soares (2011) pormenoriza que em se tratando de alfabetização e letramento, seria preferível conservar ambos os termos – alfabetização e letramento – por meio do reconhecimento das facetas de cada um. “[...] para letramento, a imersão das crianças na cultura escrita, a participação de experiências variadas com a leitura e a escrita, o reconhecimento e a interação com diferentes tipos de gêneros de material escrito; [...]”, ou seja, um conjunto de procedimentos integrado a prática individual do aluno. E para a alfabetização, “[...] a consciência fonológica, a identificação das relações fonema-grafema, as habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, o conhecimento e o reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita”. (SOARES, 2011, p.16)

No campo pedagógico, ensinar língua requer uma vasta formação, e o professor alfabetizador precisa de uma formação sólida para compreender as relações entre as diversas facetas da alfabetização proposto por Soares. Assim, ideia de alfabetizar em um contexto de letramento é uma ação pedagógica alinhada aos pressupostos teórico de “alfabetizar letrando”, procedimento que vem circulando amplamente em revistas e textos científicos fortalecendo o que a BNCC preconiza.

 

3 - TEXTO ORAL, PROCEDIMENTOS OU RECURSOS PARA AÇÃO PEDAGÓGICA?

 

Busca na teoria pedagógica permite entender e olhar a criança como ela aprende, primeiro passo para o sucesso em um projeto de alfabetização e incentivo à leitura. Ensinar como a palavra é articulada fonologicamente e qual o procedimento do registro textual da mesma requer necessidade e interesse pelo uso da palavra. Registrar deve ser prazeroso, portanto na estratégia de registro deve estar incorporada as diversas práticas do letramento.

A alfabetização é um dos assuntos em debate no MEC, que em abril lançou a Política Nacional de Alfabetização, com a função de “fundamentar evidencias científicas para a alfabetizar, assunto que gerou um debate sinalizador de que o método fônico seria privilegiado em detrimento aos outros.  Diversos especialistas discordarem do uso de uma única metodologia, Francisca Maciel, do Ceale – UFMG, diz que favorecer um ou a outro método “fere autonomia da escola e não dá garantia nenhuma ao aprendizado”.  É necessário alfabetizar com o compromisso para que as crianças tenham a capacidade de fazer uso social da leitura e da escrita, e que o aprendizado faça sentido para além dos muros escolares, caso contrário torna-se uma prática mecanizada e sem sentido do aprendizado. Alavancar a autoestima do aluno e proporcionar estratégias para empoderar sua ação leitora, representa um investimento de autonomia para constituir domínio ou poder sobre determinada situação da leitura mostrando-lhe sua capacidade de aprendizagem.

A representação escrita e a aprendizagem da leitura, constitui o processo inicial da alfabetização. Sem dúvida há diferenças substanciais entre a linguagem oral e a linguagem escrita, porém, ensinar a linguagem oral/escrita é compartilhar as expressões linguística que o aluno traz sem desmerece-las, aceitando a linguagem do cotidiano e sua diversidade. Assim a escola cumpre seu papel considerando também que há saberes que o alfabetizando precisa atingir e que serão ensinados na instituição formal de ensino, pois aprender requer uma atividade mental construtiva. Ensinar requer uma ação pedagógica que possibilite a construção do conhecimento. Oferecer uma série de propostas metodológicas afins com uma determinada forma de entender o que a leitura envolve, proposta que, convenientemente contextualizadas, podem facilitar a tarefa dos professores de ajudar os alunos em sua aprendizagem. (SOLÉ, 2008).

Solé (2008, p.49) “[...] primeiro se aprende a ler e depois se aprende a compreender [...]”, haja vista, ser a leitura um processo de memorização compreensiva, entende-se assim que os textos de tradição oral ‘quadrinhas, parlendas, música...’ é um dos recursos para novos letramentos. O Texto Oral é o mesmo que texto falado, texto transmitido através da fala, sua estrutura prevê características que privilegia o contato entre emissor e receptor de forma direta, usa e abusa de entonação, altura e velocidade de pronúncia e faz pausas que enfatizam o conteúdo, garantindo o tom de discurso desejado pelo emissor. Sendo o texto de memória um recurso concernente do aluno, manusear esse gênero proporcionará ao alfabetizando seguridade sobre seus saberes do advento do letramento, alfabetizar é desenvolver habilidades e capacidades para conhecer a “mecânica” o funcionamento da escrita alfabética. Para ler e escrever significa principalmente perceber as relações complexas que se estabelecem entre os sons da fala (fonemas) e as letras da escrita (grafemas).

 

 

4 -  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Com esse artigo apresenta-se uma revisão bibliográfica da fundamentação teórica que sustenta as possibilidades metodológicas para o processo de alfabetização que vem sendo desenvolvida desde a década de 1980. Para isso, fruiu Soares (2011 – 2016), Mortatti (2000), Solé (2008), Freire (2002), Lemle (2004), Smolka (2012), entre outros.

            A pesquisa é uma busca de subsídios para pensar sobre as práticas de alfabetização/letramento. Sendo assim o aporte teórico da ação pedagógica, conjunto de procedimentos que norteiam a prática escolar alinhada à BNCC e o Texto de Memória legitima a possibilidade de interpretação sobre o conceito de alfabetização e letramento.

            Portanto, o ‘Texto de Memória’ parlendas, quadrinhas... refere-se especificamente a um gênero que pode contribuir para a ação pedagógica do professor alfabetizador. Mediante leituras, busca-se compreender a formação do professor alfabetizador pertencente ao um momento de implantação do primeiro documento BNNC, que norteia a construção dos currículos escolares.

 

5 -  REFERÊNCIAS

 

BNCC - Base Nacional Comum Curricular: Saiba tudo sobre a BNCC | par. Disponível em: https://www.somospar.com.br/bncc-base-nacional-comum-curricular/. Acesso em abril de 2018.

FREIRE, P.R. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática Educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002.

LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. São Paulo: Ática, 2004.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Notas sobre linguagem, texto e pesquisa histórica em educação. Comunicação apresentada ao III Simpósio de Filosofia e Ciências. UNESP. 1999.

MORTATTI, M. R. L. Cartilha de alfabetização e cultura escolar: um pacto secular. Cadernos Cedes, n. 52, p. 41-54, nov. 2000.

___________.  Os sentidos da alfabetização. São Paulo: editora UNESP, 2000.

MORTATTI, M. R. L. História dos métodos de alfabetização no Brasil. Conferência proferida durante o Seminário “Alfabetização e letramento em debate”, promovido pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação. Brasília, 2006. Disponível em:  portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/alf_mortattihisttextalfbbr.pdf.   Acesso maio de 2019.

SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A Criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez, 2012. 

SOARES, M. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2003.

______. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.

______. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. Porto Alegre: Artmed, 2008.

 

 

 

[1] A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento que regulamenta quais são as aprendizagens essenciais a serem trabalhadas nas escolas brasileiras públicas e particulares de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio para garantir o direito à aprendizagem e o desenvolvimento pleno de todos os estudantes.

[2] Os estudos de Emilia Ferreiro e colaboradores, divulgados no Brasil a partir dos anos de 1980, contribuíram para a ideia de que a criança não é uma tábula rasa em relação à língua escrita, trazendo para a escola conhecimentos ‘letramento’ que precisam ser explorados no processo inicial de alfabetização.

[4] “[...] Considerando esse conjunto de princípios e pressuposto, os eixos de integração considerados na BNCC de Língua Portuguesa são aqueles já consagrados nos documentos curriculares da área, correspondentes às práticas de linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção (escrita e multissemiótica) e análise linguística/semiótica [...]” (BNCC, p.69).

[5] Paulo Reglus Freire nasceu em Recife, no ano de 1921, e faleceu na cidade de São Paulo, em 1997. Seu nome tornou-se notório tanto no âmbito nacional quanto internacional por suas pesquisas no campo da alfabetização.